terça-feira, 15 de março de 2016

TIMOR-LESTE - A HORA DA VERDADE



António Guterres*, opinião

Continuamos ser o pequeno David vivido entre dois vizinhos gigantes. Mas o David, Rei de Israel que eu conheço, era um simples pastor que soube esperar o tempo. Um guerreiro que sabe de onde veio e para onde quer ir. Eu penso que a história de pequeno David e gigante Golias está repleta de lições para nós. Que cada vitória conquistada seja para glória colectiva, e não para nós mesmos.

Em todo o caso, é preciso encontrar urgentemente uma solução para o equilíbrio entre o "poder carismático-político e o poder técnico-racional". Caso contrário, o nosso sistema de governação não se adapta nunca à democracia que sempre queremos para este país. Tenho-o dito, desde há muito tempo que o processo de transição de liderança foi precisamente para encontrar uma solução para o governo, não um governo de solução para os problemas do país! Temos um governo inspirado em geração nova liderado por um grande homem chamado Dr Rui Araújo, mas quando não se tem equipa não se pode fazer milagres!

Timor-leste não é um país de difícil governar. Tenho, por vezes, algumas dúvidas sobre como os representantes do país exercem as suas competências. Há uma grande discrepância entre capacidade de criar ideias e competência de implementar ideias. O perigo de insucesso da governação mora aqui. Os partidos têm de estar a altura do desafio. Se não têm, é e será uma desgraça! Porque para governar, não basta ter sentido de politiquero, é preciso estar preparado.

Atual crise é fruto disso. Temos dificuldades de nos adaptar ao processo evolutivo da globalização. Quando decidimos desafiar os nossos limites, tínhamos consciências que a única forma de ultrapassar estes obstáculos é estar unidos e ter uma cultura de compromisso, em função da realidade. Estamos em desvantagens sob o ponto de vista social e económico no contexto regional! Há um ditado que diz: "podes escolher amigos mas não podes escolher vizinhos".

O país está numa fase em que o "jogo de passa culpas " tem de acabar e dar espaço ao " Diálogo ", reflectindo sobre o porquê nós não conseguimos sair do " ciclo de impasse". A origem da crise está muito mais atrás. E está fortemente associada à justiça e de confiança às instituições do Estado. Há um aumento de indignação e de desconfiança sobre o nosso sistema judiciário. Que é um pilar e um espelho da nossa democracia. Uma referência ético-politica de um Estado de Direito. Temos um Ministro da Justiça que não está a altura do desafio, continuando a não encontrar medidas necessárias para tornar o setor da justiça mais transparente e independente. Ora, isto, naturalmente coloca em causa o normal funcionamento das instituições do Estado em especial a própria democracia!

O futuro governo terá que ser um defensor da "boa governação". Que saiba representar da melhor forma o "sistema da governação". Um sistema em prol do "Estado social". Se não for por este caminho, então, estamos diante de um "sistema anti social". E teremos que desobedecer! Ninguém é escravo da sua própria lei. Este Estado não pode gerir e administrado por mãos invisíveis. Para tal, temos que encontrar um "governo de solução". Dada a atual conjuntura política, sobretudo os comportamentos dos eleitores, creio que a formação do futuro governo passará por entendimento em diferentes níveis entre a liderança histórica. Uma transição saudável será uma transição liderada por uma liderança de consenso. Que reúne condições para decidir e ter coragem para implementar a política de reforma. A começar pelas reformas estruturais.

Tenho dito.

Abraços


Membros do Partido Democrático timorense podem ficar no Governo como independentes



Cinco membros do Governo timorense militantes do Partido Democrático (PD) vão ser convidados a escolher entre ficar como independentes ou sair do executivo, disse à Lusa o secretário-geral do maior partido do país, o CRNT. 

Dionísio Babo disse à Lusa que essa é a consequência "natural" da decisão do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT) de afastar o PD do Bloco da Coligação que apoia o Governo até 2017 e onde fica a permanecer apenas a Frente Mudança.

"Os ministros estão no Governo por causa do bloco. E naturalmente que se o bloco acaba será pedido aos ministros que se definam, saber se querem declarar-se independentes, deixando de ser membros do partido, ou se continuam ligados ao partido", disse Babo, que é também ministro de Estado, Coordenador dos Assuntos da Administração do Estado e da Justiça e ministro da Administração Estatal.

"Se não se declararem independentes, e porque estão lá por causa do acordo do bloco, acabando o acordo deixam de estar vinculados ao Governo", disse, sem nunca usar a palavra demissão ou expulsão.

A decisão foi comunicada por carta à direção do PD no final da semana passada entrando em vigor de forma imediata, o que terá consequências na composição do executivo, onde há pelo menos cinco membros que pertencem a esta formação política.

É o caso do ministro Coordenador dos Assuntos Sociais e ministro da Educação, António da Conceição, do ministro das Obras Públicas, Transportes e Telecomunicações, Gastão de Sousa e do ministro do Comércio, Industria e Ambiente, Constâncio Pinto.

Igualmente militantes do PD são o vice-ministro do Comércio, Nuno Pereira, e o secretário de Estado da Administração Estatal, Samuel Mendonça.

O Governo timorense era apoiado por uma coligação de três das quatro forças parlamentares (CNRT, PD e FM), com a Fretilin (segundo maior partido) a apoiar as linhas gerais da ação governativa, incluindo programa do Governo e orçamento.

Esse Bloco da Coligação, que existe desde 2012, seguiu-se a uma Aliança de Maioria Parlamentar (AMP) que apoiou o Governo entre 2007 e 2012.

Dionísio Babo defendeu a decisão do CNRT, que ele próprio comunicou por carta à direção do PD, explicando que a relação se deteriorou desde a morte do antigo presidente do PD, Fernando La Sama de Araújo.

Segundo explicou, antes da formação do atual Governo houve "uma discussão e um compromisso informal" de que o Bloco de Coligação deveria continuar, apesar de estarem integrados no executivo elementos da Fretilin, que se mantém, formalmente, fora da coligação e como oposição, ainda que votando ao lado das restantes bancadas no apoio ao executivo.

Instado a comentar a decisão, um dirigente do PD rejeitou, em declarações à Lusa, as críticas do CNRT, sublinhando que "uma coligação não significa que todos têm que dizer o mesmo".

"Cada um tem a sua posição e pode apresentá-la. Mas, no fundamental, sempre que foi requerido um voto, para o programa ou o orçamento, nós viabilizámos. Sempre fizemos isso", disse o dirigente. Babo disse hoje que não se trata apenas de questões como a votação mas da "estabilidade governativa".

"Precisamos de parceiros que possam trabalhar conjuntamente na base do acordo e princípios acordados. Achamos que tudo correu bem no tempo do saudoso La Sama mas agora parece que está a emergir uma nova postura política com a nova liderança do PD", disse.

O dirigente do CRNT argumenta que só votaram a favor do Orçamento, depois do veto do presidente, porque "sofreriam consequências políticas se não o fizessem", tendo havido mensagens menos felizes desde então que não sustentam o princípio da estabilidade governativa.

"Isto é normal e faz parte do processo democrático. Noutros países, se um parceiro de uma coligação não respeitar os princípios do acordo, naturalmente é afastado dessa coligação", afirmou.

"Estamos a falar de um acordo de parceiros que quer garantir a estabilidade, o interesse do Estado e do país", disse.

Uma das últimas polémicas entre os partidos ocorreu depois de as bancadas do CNRT e da Fretilin terem defendido a criação de uma comissão eventual para investigar as declarações do chefe de Estado, Taur Matan Ruak, que disse que a atual proximidade entre Xanana Gusmão e Mari Alkatiri só serviu para dar benefícios a familiares e amigos.

Um deputado do PD, Virgílio da Costa Hornai, questionou essa proposta, considerando que não se justificava porque além de o PR gozar de imunidade pode, sempre que o pretender, falar no Parlamento Nacional.

Lusa  em SAPO TL


TIMOR-LESTE E JAPÃO COMPROMETEM-SE A REFORÇAR COOPERAÇÃO EM CIMEIRA BILATERAL



O primeiro-ministro japonês e o Presidente timorense reiteraram hoje numa cimeira no Japão o compromisso de reforçar a cooperação entre os respetivos Governos para construir "uma relação mais próxima e orientada para um futuro de crescimento e prosperidade".

"[Shinzo Abe e Taur Matan Ruak] sublinharam a importância de desenvolver as relações bilaterais de 'cooperação para a reconstrução pós-conflito' para uma nova fase de 'cooperação para o crescimento e a prosperidade', dado o notável grau de reconstrução e desenvolvimento de Timor-Leste", indicou o ministério dos Negócios Estrangeiros nipónico em comunicado, após uma cimeira entre os dois responsáveis no Japão.

O chefe do executivo japonês elogiou "os esforços consistentes" de Timor-Leste para construir o país após a independência, em 2002, e Matan Ruak, no Japão a convite do Governo nipónico, agradeceu a assistência japonesa nesses esforços, na área das infraestruturas, agricultura e manutenção da paz, incluindo o contributo das Forças de Auto-Defesa nipónicas, polícia civil e observadores eleitorais.

Os dois responsáveis mostraram-se de acordo quanto ao facto de os respetivos países deverem avançar em matéria de cooperação marítima, tornando a segurança marítima um importante pilar da cooperação bilateral, e Shinze Abe manifestou a intenção de continuar a fornecer assistência a Timor-Leste para aumentar a sua capacidade de garantir a segurança marítima.

Ambos os líderes concordaram que Timor-Leste, como produtor de petróleo e gás natural, contribuiu para a segurança energética do Japão e tem um grande potencial nesse setor, segundo a mesma fonte.

O chefe do executivo japonês expressou também a intenção de fornecer este ano cerca de cinco mil milhões de ienes a Timor-Leste, destinados a fomentar o desenvolvimento económico e social autossustentável em áreas como infraestruturas, educação, agricultura e aumento do poder das mulheres.

Abe reiterou ainda o apoio do Japão à adesão de Timor-Leste à ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático) e manifestou a intenção de continuar a ajudar os esforços timorenses no desenvolvimento de recursos humanos, uma assistência que o Presidente Ruak agradeceu.

A visita do chefe de Estado de Timor-Leste ao Japão, iniciada a 13 de março, termina na quarta-feira, dia 16.

ANC // APN - Lusa

Moçambique. HÁ ESQUADRÕES DA MORTE PARA ABATER OPOSITORES - revela agente da Polícia




Uma das frentes mais activas do conflito político-militar, que decorre há vários meses em diversas regiões de Moçambique, acontece no distrito de Murrupula, na província de Nampula, norte de Moçambique, onde oficialmente um contingente da Polícia da República de Moçambique(PRM) foi enviado para a localidade de Naphuco para repor a ordem, alegadamente perturbada por homens armados da Renamo, e um agente terá sido raptado. Na verdade, um esquadrão de elite das forças governamentais foi enviado para o local.

“(...)fizemos uma defesa circular, em que todos parámos e concentramos o fogo. Mas sem esperar que aqueles podiam responder, porque nós fomos de madrugada. Quando responderam cada um correu à sua maneira e ele ficou”, relata um agente das forças especiais da Unidade de Intervenção Rápida (UIR) da Polícia da República de Moçambique (PRM), que revela ainda ter realizado várias "missões" de eliminação de alvos previamente identificados pelos comandantes, uma das quais a 25 de Setembro de 2015, em Zimpinga (41 quilómetros a leste de Chimoio na Estrada Nacional Número 6, entre Gondola e a Missão de Amatongas ), onde a ordem era eliminar fisicamente Afonso Dhlakama, líder da Renamo. “Aquele velho (Dhlakama) não morre”, disse.

Leia a seguir um relato arrepiante, feito por quem diz ter participado e por isso testemunha. “Estamos cansados. Não ganhamos nada e estamos a sonhar com aquilo”, diz o agente. O referido agente, cuja identidade não revelamos, nasceu na cidade de Maputo em 1985.

“Cumpri a tropa no Centro de Formação de Forças Especiais de Nacala Porto”, diz o agente. “Estava lá como Instrutor Auxiliar de Armamento e Tiro”. Cumprido o serviço militar, e depois de algum tempo em que trabalhou para uma empresa privada de segurança, foi incorporado nas fileiras da PRM. “Entrei para a polícia; fizeram uma seleção. Queriam aqueles que tinham sido militares e que tivessem feito o curso de armamento, para serem da Intervenção Rápida, mas estando na Presidência da República. Trabalhei na RP1 e na RP2”, diz ele. RP é a sigla para Residências Protocolares pertencentes à Presidência da República.

P – Qual é o seu percurso até chegar às Forças Especiais?

Agente – Fui militar das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM). Comecei a minha formação militar na Catembe, na Escola de Fuzileiros Navais. Depois fiquei dois anos à procura de emprego, até ser incorporado na polícia. Aqueles que foram à tropa não podem ser cinzentinhos; têm que pertencer às forças especiais. Fui fazer outra formação de anti-motim, de controlo de multidões, no caso de greves. Essa formação anti-motim é uma especialidade, Força de Intervenção Rápida é outra. Intervenção Rápida é uma força tipo bombeiro, que aparece para resolver um problema e acabar. Então, porque é que levam os que foram à tropa? É Porque estes sabem disparar vários tipos de armas. Por exemplo, eu sei disparar cerca de 26 tipos de armas. Esses das esquadras só sabem disparar pistola e AKM. Por isso é que aqueles que estiveram na tropa não pode estar numa esquadra; têm de estar num quartel, então nós temos uma dupla função; operamos como militares e como polícias também.

P – Em que ramo da corporação está afecto?

Agente – Sou agente da Polícia, da Unidade de Intervenção Rápida. Estive a trabalhar na Presidência da República. Fiz curso de franco atirador. Vocês não sabem o que existe aqui, guerra existe só que nas cidades não há guerra.

P – Onde e desde quando é que há guerra?

Agente – Estava na escolta presidencial, mas fui destacado para Nampula porque precisavam de franco-atiradores lá para operar as armas pesadas que estão lá; canhões novos de fabrico russo ZU 23. Já existiam do mesmo tipo antigas, mas recentemente chegaram novas. Só na posição de Gorongosa, onde estive em 2012 e 2015, existiam pelo menos oito. Éramos uma força conjunta que estávamos lá a realizar tiros com Dragunov, essa é uma arma que usamos para procurar as pessoas indicadas e abater, porque temos tido esse trabalho.

P – Que trabalho é esse, com quem você realiza?

Agente – Somos mais ou menos um pelotão de 20 especiais. Quando começou aquele problema em Gorongosa, em 2011, fizemos uma reciclagem e a primeira missão foi em 2012. Nós vamos lá quando a situação não está nada bem. Primeiro, tem pessoas que avançam para lá e quando a situação não está nada bem chamam os atiradores de armas pesadas para chegar e destruir. Nós é que entramos lá e matamos aquele comandante que diziam que era anti-bala; aquele morreu com canhão em Muxúnguè.

P – Que outras missões em que você esteve envolvido?

Agente – Nós ficamos no quartel, mas eles nos chamam, e dizem vão para a província x. Saímos daqui de avião, e lá apanhamos viaturas dos comandos provinciais. O que me deixa revoltado é que o meu trabalho é combater a criminalidade, manter a ordem e tranquilidade públicas. A polícia não é para matar; é para apanhar a pessoa, isolar e entregar à justiça para ser ouvida e de lá darem seguimento. É o que nós entendemos. Mas aqui neste nosso país alguém pode chegar, dar ordens para entrar no carro, e nós só temos que cumprir ordens. Ninguém vai aparecer a dizer que não quero, porque há consequências. Vinham com a foto e diziam que “está aqui, vão mata-bichar e aí onde vão mata-bichar virá alguém, então aquele que vier, mesmo primeiro isolam o guarda-costas dele porque virá acompanhado”. Dão toda a informação que “este virá acompanhado, o nome não vamos vos dizer mas é esta pessoa na foto e deve ser abatido”.

P – Então, as missões não são só contra os homens armados da Renamo?

Agente – Em Maputo nunca usamos armas contra militares. Conforme eu disse, dão-nos a foto e depois são vão ouvir que um desconhecido foi encontrado morto na zona x, como se tivesse sido um assalto.

P – Quer dizer que também operam nas cidades?

Agente – Na cidade da Beira, mas onde trabalhei mais foi em Nampula. Em Nampula já seguimos um Nissan Navarra branco dupla cabine, com matrícula vermelha. Seguimo-lo desde o hotel, no centro da cidade, fomos via Cipal, um pouco depois da Faina, contornou para a estrada Nampula-Cuamba, e era ali mesmo que o queríamos. Passamos o mercado Waresta, fomos até antes de Namina, tem o distrito de Ribáuè, quando saímos de Rapale tem uma grande distância de mato. O nosso primeiro carro, um Prado preto, ultrapassou e atrás estava outro Prado, ele praticamente ficou no meio. Furámos o pneu de frente, ele perdeu a direcção e foi parar perto da linha férrea. Nós queríamos um que estava atrás, a mexer o telefone, um saiu e queria responder o fogo mas levou na cabeça. O responsável e o motorista também quando iam sair, atiramos mortalmente. Ficaram ali.”

P – Que outras missões de que se recorda?

Agente – Há bocado fomos a Manica, tivemos um trabalho, só que lá fomos à paisana. Recebemos a foto da pessoa que nos disseram que devia ser abatida. Nós não conhecemos bem as pessoas (a serem abatidas). Eles trazem e dizem “vão até à zona x, vai passar alguém”, dão nos a informação toda da pessoa (vestuário, carro), dizem para persegui-la até uma zona onde a polícia não estará lá.

P – Já realizou alguma missão contra Afonso Dhlakama?

Agente – Já, só que aquele também é drogado. Para o líder da Renamo, primeiro lhe tentamos no distrito de Moma, mas o falhamos. Em Manica agora, só que aquele senhor não morre.

P – Quer dizer que o vosso pelotão estava em Manica atrás de Afonso Dhlakama?

Agente – O trabalho ali foi assim; mandaram-nos para lá alguns dias antes. Fomos recebidos por um dirigente (nome omitido). Primeiro eles (o líder da Renamo e a comitiva) estavam num comício, a força da escolta que estava lá dava-nos informações. Quem organizou aquilo, quem nos estava a dar refeições, em que sítio nós dormimos em Manica, o responsável dizia, “que tal hoje não pode falhar nada”.

P – Mas falharam...

Agente – Não falhamos. Muitos morreram, mas aquele velho (Dhlakama) não morre, desapareceu. Ali tem montanhas, nós ficamos na parte alta, não podiam ir outros colegas lá em baixo porque senão podia haver fogo cruzado, naquilo de que o carro que passasse havia de levar, porque não estávamos com armas ligeiras; usamos armas próprias para estragar carros. Pusemos ali a mira, sabíamos que Dhlakama vinha, porque estavam no comício e de lá ligavam para o nosso comandante a avisar que daí a pouco tempo Dhlakama havia de passar, que já partiu, alimentem as armas, e posicionamo-nos com as metralhadoras, mas não sei como é que é possível um carro passar a poucos metros e não ser atingido. Vários morreram ali mas Dhlakama conseguiu sair. Ainda perseguimos mas eles responderam.

P – Quem é que deu as ordens para essas missões em que você participou?

Agente – Sabe, aqui em Moçambique tem pessoas que nunca são mencionadas, de quem nunca se fala. Quando há problemas, sempre fala a polícia, os militares, mas há uns que sempre ficam por detrás disso: SISE(Serviços de Informaçao e Segurança do Estado). São grandes, têm informação de tudo isto aqui.

P – Só actuaram em Nampula, Manica e Sofala?

Agente – Realizamos missões de porta-à-porta na província de Sofala, nos distritos de Caia, Marromeu e Gorongosa. Chegávamos, batíamos à porta, e aqueles que saiam eram mortos. Obtemos informação dos líderes comunitários; são eles que nos informam sobre a presença de homens da Renamo numa determinada região.

P – Onde é que foi a missão mais recente?

Agente – Eu fui chamado para Murrupula, em Nampula, em Janeiro de 2016. Porque conforme já disse, os líderes comunitários conseguem observar os movimentos nas aldeias, e verificar a chegada de pessoas ou grupos estranhos. Então, chamaram-nos para lá. Não permanecemos lá; ficamos num hotel, como civis, à espera de indicações para irmos trabalhar”.

P – Que tipo de trabalho foi esse?

Agente – Há uma base da Renamo numa aldeia, é uma coisa de 42 quilómetros depois da Estrada Nacional. Deixamos os carros para não provocar ruído. É uma zona onde não entram frequentemente carros; os únicos carros que vão para lá vão à procura de carvão e lenha. Nós fomos a pé. Mesmo agora que estou a falar tem lá forças pertencentes à 6ª Unidade da Intervenção Rápida, tentando resgatar um homem que desapareceu com a sua arma.

P – Está a falar de um vosso colega que desapareceu? Como é que desapareceu?

Agente – Nós fomos lá e identificamos uma base da Renamo. Fizemos uma defesa circular, em que todos paramos e concentramos o fogo, mas sem esperar que eles pudessem responder, já que era de madrugada. Quando responderam fogo cada um correu à sua maneira e ele ficou, tinha uma metralhadora PK de 475 munições (é uma metralhadora Kalashnikov russa vulgarmente conhecida por PK), tinha dois carregadores. Depois o Comandante ligou e disse que queria o esse elemento vivo ou morto, e com a sua arma.

P – Como é que vocês comunicam com os líderes comunitários?

Agente – Todos os líderes comunitários, nas províncias, trabalham com as forças governamentais; eles dão informação. Têm a missão de vigiar na aldeia, e informar sobre a presença de elementos da Renamo; quem são os responsáveis, quem são os delegados, etc. Então nós chegamos, batemos a porta e levamos a pessoa.

P – Então, está a dizer que os homens armados da Renamo vivem no meio das populações?

Agente – Eles (os homens armados da Renamo) vivem muito bem com a população, e a população não denuncia.

P – Esses homens armados da Renamo são jovens?

Agente – Dos que já capturamos nunca vi jovens. Aqueles jovens que aparecem a entregar-se como membros da Renamo são informadores. Muitos daqueles que se entregam estão a ser chantageados e agora estão a ter problemas para regularizar os documentos. Muitos nem são guerrilheiros.

“Em Tete é que foi mais vergonhoso porque o comandante que estava lá em frente disse queimam lá”

P – Quantos homens armados da Renamo estavam em Murrupula?

 Agente – Não sabemos quanto são, porque muitos não andam fardados, eles vivem com a população. Eles nunca foram a uma aldeia e começarem a disparar. A Força de Intervenção Rápida é que queima escolas, se não sabiam. Nós quando íamos atacar, quando entrávamos numa aldeia, começávamos a disparar de um lado para o outro, e todos fugiam. O comandante ligava e dizia que “os homens da Renamo fizeram isto aqui”, e logo vinham ordens superiores a dizer “destruam isso aí”.

P – Então, quando as populações fogem porque dizem estarem a ser atacadas pelas Forças Governamentais não estão mentir?

Agente – Não estão a mentir. Em Tete é que foi mais vergonhoso porque o comandante que estava lá em frente disse queimam lá essas palhotas, matem os cabritos, bois e outros animais.

P – Quem foi esse comandante?

Agente – O comandante é (nome omitido). Ele teve problemas de tráfico de drogas. Foi condenado mas não cumpriu a pena, foram lhe tirar quando começaram essas confusões e foi colocado como comandante em Nampula. Quando começou a instabilidade em Nampula foi-se instalar a Intervenção Rápida na rua dos Sem Medo, e foi aí que tudo começou. Aquele Dhlakama tem medo dele, e do (nome omitido), mais conhecido por Adolfo, foi comandante dos comandos, um desertor da Renamo. Quem anima cumprir missões com ele é o comandante (nome omitido), porque nas missões que ele comanda não morre ninguém. Agora, ir com o comandante (nome omitido) morre o próximo dele, porque aquele no mato não tira a mão do bolso e não é atingido pelas balas. O comandante (nome omitido) foi comandar em Nampula, então aqueles (Afonso Dhlakama e os seus homens) fugiram para a Gorongosa, ele foi atrás deles como comandante do batalhão independente de Gorongosa, até agora.

P – Então o comandante (nome omitido) está em Sofala ou em Tete?

Agente – Esse (nome omitido) está em Gorongosa, mas é chamado em todo o sítio onde há confusão, por isso mandaram-lhe para Tete. Fomos juntos para lá, entre Maio e Setembro.

P – Além do vosso pelotão existem outros que realizam essas missões?

Agente – Não é o único. Outros estão espalhados pelas províncias.

P – E existe armamento?

Agente – Têm carros blindados novos com canhões. Chegaram novos carros na brigada montada, foram buscar ao porto de madrugada já estão aí homens a serem formados. Há canhões ZU23, armas de precisão Dragunov, e metralhadoras Pecheneg , todas de fabrico russo.

“No dia em que fomos roubar votos em Nampula, em 2014”

P – Porque é que decidiu revelar-nos tudo o que tem feito?

Agente – Tenho filhos por criar, e aquele trabalho me está a criar perturbações mentais. Desde que esta confusão da Renamo começou as pessoas estão a morrer. Fui fazer outra formação anti-motim, de controlo de multidões, no caso de greves. Não é para isto que nós juramos. É por isso que alguns já foram expulsos, por se recusarem a cumprir certas missões. Por exemplo, somos chamados para uma formatura, e daqui para a aqui, nos dizem, “senhores, entram no carro, levem bazucas”. Bazucas não são para o controlo anti-motim. Para debelar um motim precisa-se de pressão de ar e gás lacrimogéneo. Agora, quando te dizem para levar roquetes isso é guerra, e para mim não faz sentido.

P – Também já participou em manifestações? Porque é que levam armas com balas verdadeiras?

Agente – Quando se vai a um sítio para se manter a ordem contra um motim só tinha que ser com gás lacrimogéneo e pressão de ar, mas leva-se Makarov, leva-se AKM para com o gás lacrimogéneo afugentar a multidão e fazer demonstração. Em todas as manifestações tem que se fazer demonstração, tem que cair pessoas para aquilo parar, é como temos feito. Para as pessoas saberem que a próxima bala pode ser para mim, é aquilo que nós chamamos de demonstração.

P – Quer dizer que há entre vós um sentimento generalizado de revolta?

Agente – Uma das razões é que estamos a fazer um trabalho que não corresponde com aquilo porque nós juramos e também porque não nos pagam horas extras, porque nós somos solicitados a altas horas da noite ou de madrugada. Estamos a fazer coisas que não são aquilo que a lei manda. Até aí os nossos chefes ... nós pensamos que eles recebem mas não nos dão.

P – Qual foi a sua primeira operação?

Agente – A minha primeira operação foi em Nampula, na Rua dos Sem Medo, naquele ataque à residência de Afonso Dhlakama, na Rua das Flores. Íamos lá com ordens do Comandante (nome omitido); ele era o Comandante Provincial. Ele agora foi substituído pelo (nome omitido).

P – Quantos são vocês no vosso grupo?

Agente – Estou num grupo separado porque tem um grupo normal da Intervenção Rápida, e tem o grupo de acções especiais, que é o meu grupo. No meu grupo somos cerca de 50.

P – E o vosso alvo são os homens armados da Renamo?

Agente – É o que pensávamos, mas mais tarde fomos ver que não só eram eles porque há certos dias que vinham com fotos para fazermos certos trabalhos, mas só que aqueles já não aparentavam ser homens da Renamo.

P – Em Nampula?

Agente – Nampula é o sítio onde havia mais problemas. Porque para acabar aquilo ali em Nampula teve que se fazer o trabalho de porta a porta. Porque os líderes comunitários tinham o seu papel de identificar as pessoas; quem é o líder, quem é o delegado da Renamo. Então a gente ia lá... sem o líder, o líder só dizia aos homens do reconhecimento e o reconhecimento não abate quem abate somos nós das operações especiais.

P – Os teus colegas também estão descontentes?

Agente – Lá há muito descontentamento. Só que ali não se pode fazer o que... no meio de muitos estar a murmurar porque ali há muita gente que quer subir na base do outro. Pode ir dar informação.. uma informação dali dentro vale muito. Então ali há muito risco. O dinheiro é pouco, mas o risco é grande. Nós temos todas as provas que podem implicar muitos comandantes, porque são eles que dão as ordens.

P – Não teme represálias?

Agente – Para eu tomar a decisão de falar sobre isto é porque eu acabava de cumprir uma missão. Acabava de fazer um trabalho que todos nós saímos a murmurar; saímos mesmo mal, lesados, fomos atirar nas pessoas e nós saímos lesados. Fomos atirar mesmo nas pessoas.

P – Que operação foi?

Agente – Tivemos um trabalho... primeiro fomos a Tete. Então vinha um D4D, nós estávamos num sítio ali. Saímos com uns carros Prados fomos até a um sítio numa sombra onde tomamos refrescos e sumos. Apareceu um agente do SISE e disse a foto é esta aqui; uma foto bem grande. Este aqui quando aparecer vocês hã de ver; o movimento só hão de ver. De facto, ninguém nos disse. Vimos ele a vir primeiro já guarda costas ele estava no meio, e notou-se que este estava protegido. Saímos com ele, seguimos. O nosso carro avançou primeiro, ficou um outro Prado porque eram quatro Prados; ficou um Prado atrás um outro adiantou. Quando ele vinha foi bloqueado. Primeiro atiramos contra o ADC. O ADC deu um tiro para o ar mas ele foi atingido mortalmente. Logo que ele fez aquilo o carro foi bater num arbusto, e ele (o alvo) quando tentou sair foi mesmo à queima roupa. Daí saímos e apanhamos o voo e voltamos para Maputo.

Outro dia já fomos a Nampula fardados. Nós não fazemos isto porque gostamos de guerra. Não ganhamos nada. Vale a pena eles, ganham porque quando a gente mata, eles rebocam gado nos camiões; por exemplo, o meu comandante, o carro que está a andar com ele, é por causa daquele gado que se levou lá em Gorongosa. Nós não levamos nada. E um comandante lá também foi bem chantageado porque o dia que fomos queimar, tivemos ordens de queimar motorizadas, aquelas todas motorizadas da Renamo, nós a incendiar ele levou isolou aquela mota foi andar com ela, até hoje está a andar com aquela mota, Badjadja, uma mota vermelha, sem matrícula até... Comandante (nome omitido).

P – Esta Unidade de Intervenção Rápida onde você está já participou em manifestações? Porque levam armas com balas de verdade?

Agente – Quando se vai num sítio para se manter a ordem de motim só tinha que ser com gás lacrimogéneo e pressão de ar, mas leva-se makarov, leva-se AKM para com o gás lacrimogéneo afugentar e fazer demonstração. Todas manifestações tem que se fazer demonstração, tem que cair pessoas para aquilo parar, é como temos feito. Para as pessoas saberem que a próxima bala pode ser para ti, é aquilo que nós chamamos de demonstração.

P – Pode revelar-nos uma situação de motim onde usaram balas reais?

Agente – No dia em que fomos roubar votos em Nampula, em 2014. Ali na escola de Belenenses, escola secundária 12 de Outubro, escola secundária de Nampula, fomos de voo com homens do SISE, homens encasacados. Tem reconhecimento que ficam de tranças, tipo marginais, foram atribuídos tarefas vocês vão para lá fazer confusão por que os da Renamo têm influência. Para nós conseguirmos sacudir aqueles primeiro tiveram que ir lá colegas à paisana, que tinham tranças e roupas rasgadas, foram formar bicha e instigar, «a Frelimo aqui tem que perder » diziam e quando outro queria responder então armava-se confusão, é muito fácil de agitar macua. Depois ligaram-nos e disseram venham lá. Aí foi a Intervenção Rápida numa de que é legítima defesa e está a ir manter a ordem. Gás lacrimogéneo e fumaça, aquilo ficava escuro, levávamos as urnas nos blindados e íamos entregar homens do SISE que preenchiam Frelimo, Frelimo... Enquanto lá na escola continuávamos a disparar. Depois os carros saiam e entravam no meio da confusão enquanto eles estavam ali a preencher. OMM aquelas senhoras são malandras, estavam lá no quartel da Intervenção Rápida em Nampula cheias a preencher Frelimo, Frelimo... houveram pessoas que se fizeram de corajosos e aí o comandante disse agora batem quatro para eles verem que a coisa é séria.

P – Ao longo deste período o Governo tem dito que não quer guerra e até quer dialogar com o partido Renamo para se alcançar a paz, acha que vão entender-se?

Agente – Sabe qual é o problema é que lá no Norte é onde há riqueza, Dhlakama foi roubado nos votos mas ganhou. Eu não entendo a política só cumpro missões, mas eles não vão deixar Dhlakama governar.

Três mortos em ataques da Renamo na semana passada no centro de Moçambique - polícia



Três pessoas morreram e outras 23 ficaram feridas na sequência de oito ataques de supostos homens armados da Renamo na semana passada no centro de Moçambique, informou hoje a Polícia moçambicana.

"No total, entre os dias 5 e 11, nós registamos oito ataques de homens da Renamo [Resistência Nacional Moçambicana], que causaram três mortes", disse o porta-voz do Comando Geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), Inácio Dina, falando durante uma conferência de imprensa de balanço semanal da atividade policial em Maputo.

De acordo com o porta-voz do Comando Geral da PRM, os incidentes foram registados nas províncias da Zambézia, Manica e Sofala, centro de Moçambique, e deixaram, além de vítimas, que incluem uma criança de três anos, danos avultados.

"É uma situação triste e que merece o repúdio de todas as forças da sociedade", afirmou o porta-voz da polícia moçambicana.

Além de escoltar viaturas no troço entre Muxúnguè e o rio Save, na principal estrada que liga o sul e o centro ao norte de Moçambique, de acordo com Inácio Dina, as forças de defesa e segurança estão a posicionar-se nos considerados "pontos negros", locais que têm registado com frequência incidentes envolvendo os homens armados da Renamo.

"Nós estamos posicionados nestes pontos para assegurar que as pessoas circulem à vontade, garantindo a sua segurança contra estas ações criminosas", afirmou o porta-voz da PRM, avançando, sem mais detalhes, que já há pessoas detidas em conexão com estes ataques.

Na manhã de segunda-feira, três pessoas ficaram feridas num novo ataque de homens armados a uma coluna escoltada pelo exército no troço Save-Muxúnguè, Sofala, centro de Moçambique, e várias viaturas sofreram danos, disseram testemunhas à agência Lusa.

O ataque ocorreu a escassos quilómetros de Muxúnguè, quando um grupo de homens armados disparou e dividiu a primeira coluna, que fazia o trajeto Muxúnguè-Save, relatou uma testemunha.

"Tínhamos andado pouco depois que saímos de Muxúnguè, e de repente os caros pararam, afinal estavam a ser metralhados. A coluna ficou dividida. O carro blindado da escolta seguiu com parte dos carros e mais tarde voltou para pegar a outra metade", contou à Lusa.

A instabilidade em Moçambique tem vindo a deteriorar-se, com acusações mútuas de ataques armados, raptos e assassínios de dirigentes políticos, além do registo de milhares de pessoas da província de Tete em fuga para o vizinho Malaui.

A polícia atribui ao braço armado da Renamo vários ataques a tiro nas últimas semanas nas principais estradas das províncias de Sofala, Manica e Zambézia, uma acusação que o maior partido de oposição nunca desmentiu.

O agravamento da crise política e militar levou o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, a dirigir uma carta convite ao líder da Renamo para a retoma do diálogo, mas Afonso Dhlakama condicionou as conversações à presença da mediação do Governo da África do Sul, Igreja Católica e União Europeia.

A Renamo ameaça tomar o poder, a partir de março, em seis províncias onde reivindica vitória nas eleições gerais de 2014.

EYAC (PMA/AYAC) // VM - Lusa

Moçambique. PR EXONERA COMANDANTE DA FORÇA AÉREA



Maputo, 15 Mar (AIM) - O Presidente da República, Filipe Nyusi, exonerou, segunda-feira, através de um despacho presidencial, Luís Raúl Dique, do cargo de Comandante do Ramo da Força Aérea.

Luís Raul Dique vinha exercendo o cargo de Comandante do Ramo da Força Aérea desde Outubro de 2008, altura em que foi promovido ao posto de Major-General, pelo então Presidente, Armando Guebuza.

Refira-se que o Presidente da República, Filipe Nyusi, no âmbito da restruturação nas Forças Armadas de Defesa e Segurança de Moçambique (FADM), nomeou em Março corrente, Júlio Jane, para o cargo de Comandante-Geral da Polícia da República de Moçambique (PRM) e Graça Chongo para o cargo de Chefe do Estado Maior General das Forcas Armadas de Defesa de Moçambique (FADM).

(AIM) MAD/SG

“AO IMPOR CONDIÇÕES A RENAMO MOSTRA QUE NÃO ESTÁ INTERESSADA NO DIÁLOGO”



O escritor e jornalista moçambicano, Mia Couto, diz que o facto de a Renamo impor condições para o diálogo com o Chefe do Estado, Filipe Nyusi, mostra que o partido não está interessado em dialogar.

Mia Couto referiu que impor condições para o diálogo é chantagear o governo e o povo.

 Ele falava à Rádio Moçambique a propósito da iniciativa presidencial de mais uma vez convidar o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, para o diálogo ao mais alto nível, como forma de por fim à tensão político-militar no país.

“No fundo quem impõe condições está a jogar com vidas humanas, está a fazer chantagens com aquilo que é a tranquilidade dos moçambicanos todos “-referiu Mia Couto.

O escritor e jornalista explicou que a pré-condição que o povo devia exigir da Renamo é que entregue as armas e siga para o diálogo.

“Um partido político não pode, ao mesmo tempo, ter presença na Assembleia da República e ter armas.”-sublinhou Mia Couto. (RM)

Rádio Moçambique

África. OS ACORDOS COMERCIAIS



Roger Godwin – Jornal de Angola, opinião

Um dos dois maiores acordos comerciais mundiais assinados no início do ano tem o envolvimento de 26 países de três blocos regionais africanos, naquilo que é uma excelente oportunidade de mostrar ao mundo que as transacções em África não são assim tão difíceis de fazer como algumas potências mundiais têm tentado fazer crer.

A Área Tripartida de Comércio Livre – assim se chama o acordo que envolve 26 países africanos – é já considerada a maior zona de comércio do continente e estende-se das cidades do Cabo ao Cairo.A fazer funcionar este acordo estão alguns grupos regionais africanos, como a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e a COMESA.

De alguma forma, a Área Tripartida de Comércio Livre é uma resposta directa às preocupações de muitos países e foi anunciada nas conclusões de uma conferência de homens de negócios africanos realizada em finais de Fevereiro no estância egípcia de Sharm el-Sheik, onde mais uma vez foi feito um apelo para a unidade do mercado africano.

Uma abundância de fronteiras tem sido a razão atribuída para a limitação das economias de escala de muitos africanos, o que só poderia ser alterado se fossem fixados problemas comuns capazes de levar à criação de grupos de trabalho para resolver esses problemas, nomeadamente,sobre as ligações rodoviárias e à redução de tarifas, facilitando dessa forma o desenvolvimento de uma política de integração.

Para agravar mais o problema, existe o facto de os transportes de mercadorias em África custarem o dobro do dos países ocidentais, factor que se reflecte directamente na política de preços praticados e que não favorecem as transacções comerciais entre mercados africanos.

Para cúmulo, os poucos programas comerciais assinados entre países africanos têm uma fraca aplicação por razões que todos conhecem mas que poucos têm a coragem de assumir.

A eternal desconfiança política entre alguns países, sobretudo vizinhos, é na realidade um forte factor que tem impedido a aplicação de muitos dos acordos assinados, orçamentalmente cabimentados mas nunca executados.

Alguns blocos regionais africanos têm também funcionado demasiado fechados, não desenvolvendo parcerias com os de outras regiões, o que limita o leque de possibilidades de realização de mais entendimentos comerciais.

Nesse sentido, este acordo tripartido permite aos 56 países que nele aceitaram participar a criação de um mercado gigantesco para a troca de produtos, livres de impostos fronteiriços, o que é uma importante possibilidade de se abrirem ao mundo através da promoção das suas exportações.

Neste momento o projecto está já em fase de início de implementação, sendo necessário passar mais algum tempo para que se possa perspectivar um pouco melhor aquilo que será a sua vertente virada para a exportação, sabendo-se que a grande prioridade imediata é mesmo o seu estabelecimento ao nível de todo o continente africano.

Para já as perspectivas são excelentes e só o facto de ele incluir os três principais blocos regionais é, por si só, uma forte garantia de sucesso, podendo mesmo perspectivar-se que nele venham a entrar mais tarde aqueles que agora optaram por ficar de fora.

Um dos grandes desafios que se colocam para que este acordo possa dar os frutos desejados relaciona-se com a forma como será estabelecida a quota a que cada país terá direito nos diversos produtos que produz, sabendo-se que dentro dos blocos regionais esse sempre foi um problema praticamente inultrapassável, uma vez que esbarra na intransigência de cada um tentar tirar o melhor para si, sem cuidar de ter em atenção o interesse global.

Até agora o que tem sucedido é que todos os acordos de comércio assinados entre países e blocos africanos funcionaram bem no papel, mas muito mal quando chegou a vez de os aplicar na prática.

O que se espera é que essas más experiências anteriores tenham sido um factor tido em conta pelos mentores deste novo acordo, limando devidamente as arestas para que ele não encalhe na habitual burocracia africana, que tem sido também responsável pela morte de muitos projectos aparentemente saudáveis.

Em tempos de grave crise económica internacional, a união terá que ser cada vez mais a fórmula de criar a força suficiente para vencer obstáculos quase diários que enfraquecem ainda mais aqueles que, já à partida, estão numa situação de alguma fragilidade.

É evidente que acordos deste tipo só podem ter sucesso se houver vontade política dos governos envolvidos em resolver alguns dos problemas estruturais, como são o melhoramento das estradas e o apoio a um empresariado, sobretudo agrícola, que não sabe muito bem como funciona este tipo de negócio.

Para início de conversa parece claro que existe já a vontade política de fazer as coisas avançar e dar a este projecto entre três das regiões africanas pernas para que possa andar e, mais tarde, incluir países de outros grupos regionais que agora mostraram não estar ainda preparados para responder a este desafio de união.

Como sempre, do sucesso inicial do projecto dependerá a sua sobrevivência e eventual reforço com a entrada de novos parceiros, transformando-se, desse modo, numa resposta aos desafios de agora e resolvendo no interior do próprio continente alguns dos muitos problemas com que África, infelizmente, ainda hoje vive.

ÁFRICA SOLIDÁRIA PARA COM CUBA




1 – Nos dias 25, 26 e 27 de Agosto do corrente ano, em Windhoek, capital da Namíbia, realizar-se-á o Vº Encontro Continental Africano de Solidariedade para com Cuba, um acontecimento mais que marca os laços de amizade e solidariedade de África para com a maior ilha do Caribe.

Encontros similares foram-se realizando desde 1995:

- Entre 6 e 8 de Outubro de 1995 ocorreu o primeiro em Johannesburgo, África do Sul, que contou com a presença de Nelson Mandela e de Delegações de 12 países;

- Entre 18 e 20 de Novembro de 1997, em Cape Coast, no Gana, ocorreu o segundo encontro, a que assistiram 415 Delegados de 17 países;

- Angola, assistiu ao terceiro encontro, de 10 a 12 de Setembro de 2010, em Luanda, com o apoio do MPLA e do governo angolano e a presença de Sam Nujoma, bem como de Delegações de 18 países;

- De 22 a 23 de Setembro de 2012 o quarto encontro ocorreu em Adis Abeba, capital na União Africana, na própria sede dessa organização continental, com a presença de 129 Delegados de 23 países.

2 – Em todos houve a recordação do papel singular da Revolução Cubana no âmbito dos esforços em prol da Luta de Libertação em África que vai ocorrendo desde 1961, quando as Forças Armadas Revolucionárias de Cuba entre outros actos internacionalistas, reforçaram os dispositivos argelinos para fazer face a uma tentativa de agressão proveniente de Marrocos.

A 2 de Dezembro de 2005, por ocasião das comemorações que assinalavam o 30º aniversário da Missão Militar em Angola e o 49º aniversário do desembarque do Gramma, no discurso oficial o Comandante Fidel de Castro lembrava a propósito dessa presença na Argélia:

…“Ya en 1961, cuando el pueblo de Argelia libraba una asombrosa lucha por su independencia, un barco cubano llevó armas a los heroicos patriotas argelinos y a su regreso traía un centenar de niños huérfanos y heridos de guerra. 

Dos años más tarde, cuando Argelia alcanzó la independencia, esta se vio amenazada por una agresión exterior que despojaba al desangrado país de importantes recursos naturales.

Por primera vez tropas cubanas cruzaron el océano y, sin pedirle permiso a nadie, acudieron al llamado del pueblo hermano.

También por aquellos días, cuando el imperialismo arrebató al país la mitad de sus médicos dejándonos sólo 3.000, varias decenas de médicos cubanos fueron enviados a Argelia para ayudar a su pueblo.

Se iniciaba de ese modo, hace 44 años, lo que hoy constituye la más extraordinaria colaboración médica a los pueblos del Tercer Mundo que ha conocido la humanidad”…

3 –  Depois da epopeia em Angola e face às transformações globais redundantes da implosão da URSS, do colapso do socialismo real na Europa e do fim do Pacto de Varsóvia, Cuba Revolucionária atravessou durante a década de 90 do século XX o “período especial”, algo que não fez esmorecer o internacionalismo cubano, em especial no âmbito da saúde e da educação.

A primeira missão médica cubana havia também ocorrido na Argélia com início a 23 de Maio de 1963, mas preparada no último trimestre de 1962 e primeiro trimestre de 1963.

A 17 de Outubro de 1962, nos actos preparatórios da missão na Argélia, o Comandante Fidel de Castro  fez a propósito uma intervenção no Instituto de Ciências Básicas e Preclínicas “Vitória de Girón”:

“Quiero decirles otra cosa: además de los médicos cubanos, tenemos médicos en distintos países, así como profesores de distintos países, trabajando en nuestro país. Por lo tanto, estos tiempos podemos capearlos perfectamente bien.

No sólo creo, sino que aún podemos hacer algo aunque tenga sobre todo carácter simbólico más que otra cosa para ayudar a otros países.

Por ejemplo, tenemos el caso de Argelia. En Argelia la mayor parte de los médicos eran franceses y muchos se marcharon. Con cuatro millones más de habitantes que nosotros y gran número de enfermedades que dejó allí el coloniaje, disponen de la tercera parte de menos aún, de los médicos que tenemos nosotros. En el campo de la salud tienen una situación verdaderamente trágica.

Por eso nosotros, conversando hoy con los estudiantes, les planteamos que hacen falta cincuenta médicos voluntarios para ir a Argelia, a ayudar a los argelinos.

Estamos seguros de que esos voluntarios no faltarán. Cincuenta nada más. Estamos seguros que se van a ofrecer más, como expresión del espíritu de solidaridad de nuestro pueblo con un pueblo amigo que está peor que nosotros, mucho peor que nosotros.

Claro, hoy podemos mandar cincuenta, dentro de 8 ó 10 años no se sabe cuántos y podremos darle ayuda a nuestros pueblos hermanos. Porque cada año que pase tendremos más médicos y cada año que pase más estudiantes ingresarán en la Escuela de Medicina y porque la Revolución tiene derecho a recoger lo que siembra, derecho a recoger los frutos de lo que ha sembrado.

Nuestro país muy pronto, muy pronto, y podemos proclamarlo con orgullo, tendrá mayor número de técnicos que ningún país de América Latina y nuestras Universidades irán creciendo y los estudiantes en nuestras Universidades se contarán por decenas y decenas de miles y nuestros cuerpos de profesores serán cada vez más experimentados. Los años pasan y pasan rápidamente y el esfuerzo de la Revolución tiene cada día resultados más elocuentes”…

As suas palavras foram sendo levadas à prática, anos após ano, década após década e desde então África passou a ser um dos destinos privilegiados da ajuda solidária de Cuba em matéria de saúde e educação, a um nível nunca antes experimentado pelos africanos e até aos nossos dias, mesmo quando surgem fenómenos pouco conhecidos, como o exemplo do combate à epidemia de ébola que ocorreu recentemente na Serra Leoa, Libéria e Guiné Conacry.

4 – A solidariedade do continente africano para com Cuba é pois um modesto gesto de reconhecimento de África para com um povo e uma Revolução que se têm devotado de forma extraordinária e exemplar no sentido da ajuda solidária às mais vulneráveis nações da Terra, grande parte delas com os Índices de Desenvolvimento Humano mais baixos de acordo com os expressivos relatórios anuais da ONU, uma ajuda particularmente decidida nos momentos mais críticos que esses países têm atravessado, de há mais de 50 anos a esta parte!

A participação de Angola tem sido garantida nos sucessivos encontros desta natureza, mas o facto do acontecimento vir a ocorrer na capital da Namíbia, país amigo e vizinho de Angola, está já a mobilizar os angolanos no sentido de garantirem uma importante Delegação.

Com essa homenagem a Cuba lembramos ainda as palavras de ordem galvanizadoras do Presidente Agostinho Neto: “Na Namíbia, no Zimbabwe e na África do sul, está a continuação da nossa luta”!

Saibamos cultivar a memória, a partir dos frutos que se foram conseguindo em comum, por que há ainda muito e muito que fazer!

Fotos:
1 – Composição fotogrática da primeira missão internacionalista e solidária dos médicos cubanos em 1963 na Argélia.
“Parte superior: los primeros Ministros de Cuba y Argelia, Comandante en Jefe Fidel Castro Ruz y Ahmed Ben-Bella. Parte inferior: los Ministros de Salud Pública, doctores José R. Machado Ventura y Mohamed Seghin Nekkache” –http://bvs.sld.cu/revistas/his/cua_88/cua0288.htm
2 – Namíbia e Cuba preparam já o Vº Encontro Continental Africano de Solidariedade para com Cuba –http://www.cubaminrex.cu/es/visita-del-icap-reafirma-inquebrantable-amistad-entre-cuba-y-namibia
3 – Visita do camarada Sam Nujoma, Presidente da SWAPO, ao campo de instrução da Funda, onde por razões de segurança teve de ser abatido um jacaré (Fevereiro de 1977); efectivos da SWAPO e do ANC receberam treino das FAPLA em matérias de guerrilha urbana e rural.

Angola. EM TEMPOS DE AUDÁCIA E DECISÃO



Filomeno Manaças – Jornal de Angola, opinião

A cinco meses do Congresso Ordinário do qual deverá sair a escolha do presidente do partido e candidato a Presidente da República, o MPLA acaba de realizar aquela que poderá ser considerada uma das mais mediáticas reuniões dos últimos tempos do seu Comité Central, tendo em conta o conjunto de factos produzidos.

A começar pelo anúncio feito pelo seu líder e Presidente da República de que vai deixar a política activa em 2018, certamente o assunto mais comentado nos mais variados quadrantes, a avaliação feita pela primeira figura do MPLA sobre o trabalho interno no partido, sobre o estado actual da situação económica e social do país e o tom crítico e de maior exigência empregues, constituíram a nota dominante do aviso à navegação que esta reunião do Comité Central teve o condão de lançar.

De facto, ao referir-se à avaliação preliminar da execução do Plano de Desenvolvimento Económico e Social dos três primeiros anos do mandato eleitoral de 2012, o Presidente José Eduardo dos Santos destacou como positivos os resultados alcançados nos domínios da organização e gestão das finanças públicas, do controlo e gestão da dívida pública, da construção e desenvolvimento das infra-estruturas e da gestão política social. Já não foi da mesma opinião no capítulo da resposta à necessidade de aumentar a produção e de melhorar a gestão das empresas públicas. Foi igualmente crítico em relação ao funcionamento do sector bancário, à falta de apoio ao empresário privado angolano e ao enquadramento dos quadros recém-formados. O líder do MPLA considerou fundamental que seja dada maior atenção ao desempenho dos quadros com tarefas de gestão, e combater com mais firmeza a gestão económica danosa ou irresponsável nas empresas públicas, e a falta de disciplina na execução dos orçamentos afectos aos serviços da Administração Pública Central e Local.

Se o anúncio da retirada da cena política do Presidente José Eduardo dos Santos em 2018 foi uma das revelações que mais mexeu com a opinião pública, nem por isso deixou de ter também impacto o facto de o presidente do MPLA ter declarado que “a supervisão dos bancos comerciais e a regulamentação da sua actividade pelo Banco Central deixam muito a desejar, sendo os interesses dos clientes, famílias e empresas gravemente prejudicados sem qualquer responsabilização pelos danos causados”.

É, de facto, uma situação que tem estado a contribuir para acentuar ainda mais as dificuldades surgidas com a queda do preço do petróleo no mercado internacional, considerando-se muitos dos clientes de bancos com contas em moeda estrangeira injustamente lesados por estarem impedidos de movimentar os respectivos valores, que deste modo se encontram cativos.

O Congresso Ordinário do MPLA só acontece em Agosto mas, até lá, é certo que as questões trazidas à discussão vão continuar a merecer várias abordagens e alimentar tertúlias um pouco por todo o lado. A intervenção do Presidente José Eduardo dos Santos abre expectativas em relação aos próximos desenvolvimentos, nomeadamente no que concerne à vida interna do partido maioritário, que vai renovar em 45 por cento os seus quadros directivos e que terão a responsabilidade de imprimir novo fôlego ao trabalho partidário, bem como em relação ao desempenho dos bancos comerciais. 

O MPLA, que é sem sombra de dúvidas a maior e mais forte agremiação política em Angola, sempre demonstrou capacidade para ultrapassar as situações e os momentos mais difíceis da sua existência enquanto formação política com vocação para liderar processos de transformação política, económica e social.

Em tempos em que a crise económica e financeira internacional afecta de modo significativo as expectativas de crescimento económico de vários países e em que Angola não é excepção, em tempos em que o que se exige é audácia para mudar o curso dos acontecimentos, em tempos em que estão claramente identificados os erros e as insuficiências que impedem que a formação política maioritária e o seu Executivo tenham maior dinamismo em certos sectores de actividade que, sabemos, podem responder melhor aos actuais desafios que se colocam ao desenvolvimento e consolidação do Estado angolano, é preciso, como defendeu o Presidente José Eduardo dos Santos, que haja reforço da fiscalização  da gestão da coisa pública e se salvaguarde o interesse da maioria, face aos oportunismos que vemos surgirem e que procuram fazer das dificuldades uma fonte para enriquecimento ilícito.

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