Reino
Alauita incapaz de entender o que é um julgamento justo
Iniciou-se
a 26 de Dezembro o julgamento civil de 24 activistas saharauis de direitos
humanos saharauis, 21 dos quais estão detidos há mais de 6 anos. O julgamento
foi suspendido e retomado no passado dia 23 de Janeiro. Após 3 dias de um
julgamento em que os acusados foram impedidos de ouvir a totalidade dos
procedimentos o processo foi novamente suspenso até ao próximo dia 13 de Março.
Em
Fevereiro de 2013, este grupo foi julgado em tribunal militar. Neste julgamento
inicial, 25 activistas foram acusados e julgados, 24 dos quais já estavam
detidos há três anos sem julgamento e um com pedido de exílio em Espanha, que
foi condenado à revelia.
As
sentenças vão de 20 anos a cadeia perpétua, sendo que nunca nenhum crime foi
provado pela acusação nem foram aceites as provas de inocência, as únicas
provas presentes foram confissões obtidas sob tortura extrema que os acusados
não puderam ler. Dois presos foram libertados com mais de dois anos de prisão
efectiva e um está em liberdade condicional devido ao estado de saúde
debilitado em que se encontra.
Após
três anos de protestos, relatórios e acções de solidariedade, em que a
comunidade internacional condenou este julgamento ilegal, Marrocos decide fazer
um novo julgamento desta vez civil. Os 21 presos serão acusados e julgados de
novo com as mesmas acusações, e não sendo isto ilegalidade suficiente para
Marrocos (não se pode ser condenado duas vezes pelo mesmo crime) ainda irão
julgar novamente os dois ex-presos que foram libertados com pena cumprida em
2013, assim como o activista que se encontra em liberdade condicional.
Asilo
político em Espanha
Hassanna
Aalia, a quem foi concedido o asilo político em Espanha, devido ao facto de ser
acusado de crimes que não cometeu e correr perigo de vida, não foi incluído no
processo, provavelmente porque Marrocos não está interessado em ouvir os
advogados de defesa apresentarem a justificação da sua ausência e as razões
pelas quais Espanha concedeu o asilo político. Este facto é sem dúvida um dos
maiores problemas para Marrocos uma vez que desmascara a farsa destes
procedimentos que são perseguição política de activistas de direitos humanos.
Naama
Asfari, preso político com sentença de 30 anos, é outro problema para Marrocos
uma vez que através da associação francesa ACAT foi apresentada uma
denúncia/queixa a Comissão de Tortura das Nações Unidas que em Dezembro 2016
condenou Marrocos pela prática de tortura, detenção arbitrária e processo
jurídico nulo, provando que tanto Naama Asfari como os restantes presos de
Gdeim Izik são vítimas de perseguição política.
Tone
Moe, observadora internacional da Noruega acreditada pela FUSO diz que, em
primeiro lugar, é preciso notar que o direito a um julgamento justo é uma
salvaguarda básica quando se respeitam os direitos humanos mais elementares. O
julgamento de apelação contra o grupo de Gdeim Izik é, a este respeito,
um tanto hipócrita. Por um lado, temos um juiz que constantemente se refere ao
“direito a um julgamento justo” e pede o direito para os réus. Entretanto, é
evidente que o juiz não sabe o que significa um julgamento justo.
Julgamento
hipócrita
Quando
se trata do direito a uma audiência pública, o juiz do processo refere-se
constantemente à divisão entre a sua sala de audiência e as “medidas de
segurança que não são da sua conta”. Entretanto, havia uma clara segmentação na
entrada, uma vez que membros das famílias dos acusados e saharauis não podiam entrar. Esta
segmentação violou o direito a uma audiência pública. Além disso, testemunha a
discriminação em que vivem os saharauis, quando é explícito no artigo 14 do PIDCP (Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos) que a legislação
nacional deve proibir qualquer tipo de discriminação.
Juíz
não sabe o que é princípio da presunção da inocência
A
presunção de inocência, conforme codificada no artigo 14 do PIDCP, é uma parte
fundamental do direito a um julgamento justo. A presunção de inocência é
claramente violado no julgamento do Gdeim Izik. A defesa das vítimas disse que
os acusados eram assassinos e
tiranos brutais, não tendo o juiz jamais chamado a atenção para os termos
utlizados. Os meios de comunicação e o promotor chamaram os acusados de assassinos e as supostas vítimas como
mártires, durante semanas, em todos os meios de comunicação social e
continuaram com a mesma terminologia durante o julgamento. Isto dá uma
indicação clara da falta de equidade, tendo em consideração que é
fundamental que o juiz defenda o princípio do ónus da prova, que é colocado na
acusação.
Confissões
obtidas através de tortura
O
artigo 293 do Código Penal marroquino proíbe o uso de “confissões” obtidas
através da tortura e outros maus tratos, afirmando que uma “confissão” obtida
por “violência ou coerção não deve ser considerada como prova pelo tribunal”.
Neste caso a principal evidência contra os acusados são documentos e confissões obtidos através
de tortura violenta. Essa evidência é ilegal, mas foi admitida como prova pelo
tribunal. Além disso, Marrocos não investigou as numerosas alegações de tortura
dos prisioneiros, o que constitui uma violação adicional. O Procurador Geral
desmentiu que tivesse havido denúncia por parte dos acusados, o que é
falso visto que, no julgamento de 2013, os observadores presentes presenciaram
a denúncia, descrição e viram as feridas e cicatrizes dos activistas saharauis
como foi publicado em vários relatórios.
Os
21 presos tiveram que assistir ao seu julgamento numa jaula de vidro sem
possibilidade de ouvir todos os oradores, nem lhes foi facultada a
possibilidade de tirar apontamentos não podendo ter consigo material para
escrever, também foi denunciado o facto de um dos advogados de defesa nunca ter
tido oportunidade de visitar os presos.
“Estamos
presos por sermos activistas de direitos humanos, por defendermos o direito à
autodeterminação”
No
exterior, as famílias e cidadãos saharauis que se manifestaram pacificamente
durante os três dias de julgamento apoiando os acusados e exigindo a
autodeterminação, foram atacados por “hordas” de marroquinos organizados e
apoiados pela policia que lhes atiravam com garrafas de água, de ácido,
laranjas e ratazanas mortas.
Abdallahi
Sbaai que se encontrava dentro do tribunal foi chamado à parte por agentes da
policia que lhe disseram: ou desapareces daqui ou levamos-te num saco para
cadáveres.
Isto
aconteceu após uma “explosão” de gritaria dentro do tribunal (ver video) quando
uma das advogadas francesas da defesa invocou a ocupação do Sahara Ocidental, e
foi impedida de continuar a apresentar o memorando que tinha preparado.
Sempre
que entravam na sala ao serem conduzidos para a “jaula de vidro” os presos
gritavam Labadil Labadil antakrir al massir (não há outra solução que a
autodeterminação). Sidi Abdallahi Abhaha gritou em espanhol: somos activistas
de direitos humanos, defendemos a autodeterminação, apoiamos a POLISARIO.
Naama
Asfari, ao exigir material de escrita que lhes foi retirado logo na primeira
sessão disse: a minha caneta é a minha arma, enquanto que El Bachir
Boutanguiza afirmou: “O lápis é a nossa voz, com ele acalmamos as nossas
feridas e a nossa dor, tanto na intimidade como para o público”.
Isabel
Lourenço – Jornal Tornado
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