Está
em marcha uma gigantesca operação de ilusionismo, para fazer crer que as
tragédias e sofrimento que o capitalismo mundial seguramente trará aos povos
(fosse quem fosse o presidente dos EUA) serão culpa apenas do inquilino de
turno na Casa Branca. Está visto que tudo corria bem até agora: nem havia
guerras, nem exploração e pobreza, nem a mais desavergonhada corrupção.
O
Ministro dos Negócios Estrangeiros – e talvez futuro presidente – alemão,
Steinmeier, declara que com Trump «a velha ordem mundial do Século XX acabou
para sempre» (RT, 22.1.17). Ilustres comentadores choram o fim da «ordem
liberal» mundial. Para além de reais contradições, está em marcha uma
gigantesca operação de ilusionismo, para fazer crer que as tragédias e
sofrimento que o capitalismo mundial seguramente trará aos povos (fosse quem
fosse o presidente dos EUA) serão culpa apenas do inquilino de turno na Casa
Branca. E para que as tragédias e sofrimento do passado recente – desde as
guerras que destruíram o Médio Oriente, a Ucrânia e outras paragens, ao
empobrecimento forçado dos povos enquanto anafados banqueiros recebem os
dinheiros do erário público – sejam mais tarde falsamente recordados como a
Terra Prometida do Leite, do Mel e da Ordem Liberal.
A
quadra natalícia trouxe mais um exemplo da verdadeira ‘ordem liberal’. A
directora-geral do FMI, sempre intransigente carniceiro dos povos em nome do ‘rigor’
e da ‘boa gestão’ dos fundos públicos, foi condenada por negligência pelo
tribunal especial francês que julga os membros do governo. Mas não recebeu
qualquer pena, nem vai perder o seu cargo no FMI. A história é nada edificante,
mas muito instrutiva. Em 1992, Bernard Tapie foi nomeado ministro, pelo então
Presidente e ’son ami’, Mitterrand. Na altura as mulheres de César ainda tinham
de parecer virtuosas e Tapie foi aconselhado a vender a sua participação
maioritária na Adidas, operação gerida pelo banco Crédit Lyonnais. No ano
seguinte, a Adidas foi vendida por mais do dobro do valor entregue a Tapie, que
se sentiu lesado e pôs o caso em tribunal. Em 2007, Tapie muda de cavalo e
apoia Sarkozy. Já com Sarkozy presidente e Lagarde a sua ministra da Economia e
Finanças, o caso Tapie é retirado dos tribunais e entregue a uma comissão
arbitral, que se pronuncia pelo pagamento de 403 milhões de euros (!) a Tapie,
como compensação por danos sofridos. A Agência para as Participações Estatais
(APE) opõe-se repetidamente e por escrito, mas Lagarde, ministra tutelar da
APE, avança com a compensação que entretanto, dada a falência do Crédit
Lyonnais, sai dos cofres públicos. Em 2015, o Tribunal de Recurso de Paris
considera que o parecer da comissão arbitral é «fraude», dadas as «antigas,
estreitas e repetidas» ligações dum dos seus três membros com Tapie e o seu
advogado (Le Monde, 22.7.16). O ex-chefe de gabinete de Lagarde e actual
director-geral do gigante das telecomunicações francesas Orange, Stéphane
Richard, está «sob investigação formal por ’suspeita de fraude organizada’», em
relação ao caso (New York Times, 27.8.14). Mas Lagarde vai continuar a ditar
cortes troikeiros aos povos do mundo, recebendo mais de meio milhão de dólares
por ano, livre de impostos (Guardian, 29.5.12) e sob os aplausos da ‘ordem
liberal’. Em 2009 o Financial Times declarou-a a melhor ministra das Finanças
da Europa e o ex-secretário do Tesouro de Bill Clinton afirma agora que ela «é
a melhor coisa que aconteceu ao FMI desde há muito tempo» e que a sentença do
Tribunal francês foi um «dia negro para a justiça francesa» (Guardian,
19.12.16).
Lagarde
foi antecedida no FMI pelo ‘admirador’ de empregadas de hotel, Strauss Kahn.
Que por sua vez foi antecedido pelo espanhol Rodrigo Rato, vice-presidente dum
governo PP, e preso em Espanha em 2015 acusado de «fraude, apropriação indevida
de bens e branqueamento de capitais» (El País, 17.4.15). Rato levou o banco
espanhol Bankia à falência em 2012 e o seu nome surge nos Panama Papers. É uma
overdose de virtuoso rigor.
Para
os povos, escolher entre Trump ou a ‘ordem liberal’ é como achar que a mafia
mudava se fosse a família Gambino ou Meyer Lansky a gerir os casinos de Havana.
Mais vale fazer como Fidel e a Revolução Cubana, há 58 anos, ou a Revolução de
Outubro, faz 100 anos: correr com eles todos.
Sem comentários:
Enviar um comentário