Há
quase um ano que os bolseiros de Marrocos não recebem qualquer subsídio do
INAGBE. Muitos dependem da boa vontade dos colegas marroquinos e há relatos de
quem chega a mendigar por comida.
Akçana
Barros viu-se obrigada a trabalhar num bar para conseguir dar continuidade aos
seus estudos em Portugal. As cerca de dez horas de trabalho exigidas pelo empregador
têm sido para si o “calcanhar de Aquiles” para conciliar o atendimento no
balcão com os estudos. Matriculada no curso de Administração de Unidades de
Saúde, pela Universidade Autónoma de Lisboa, Akçana explica ao Rede Angola que
tem passado por algumas dificuldades para se manter como estudante no exterior
do país.
“Já
pensei em desistir várias vezes. Está cada vez mais difícil estudar fora de
Angola nesse contexto”, reclamou. Além da renda de casa, Akçana conta com
dívidas na faculdade e por conta disso corre o risco de perder os exames
e comprometer o ano lectivo.
Os
motivos alegados pelos estudantes na diáspora têm a ver com a actual situação
financeira do país o que já obrigou muitos a encontrarem alternativas menos
boas para continuarem com os estudos, enquanto outros viram-se obrigados a
regressar ao país.
Nos
primeiros anos, apesar das burocracias nas transferências, os pais de Akçana
conseguiam enviar algum dinheiro para o seu sustento no exterior. Com o passar
do tempo, as coisas ficaram cada vez mais difíceis: a compra de
divisas no mercado paralelo torna-se mais onerosa e as transferências quase
impossíveis.
Os
relatos penosos de estudantes angolanos no exterior parecem aumentar a cada dia
que passa, tanto de bolseiros do Instituto Nacional de Gestão Bolsas de
Estudos (INABE), como dos que estão por conta própria.
O
depoimento mais recente é o dos bolseiros de Marrocos, que para se alimentarem
chegam a mendigar porta-a-porta. Estão há quase um ano sem qualquer subsídio do
INAGBE. “A nossa situação aqui em Marrocos vai de mal a pior. Nós estamos há 9
meses sem receber os subsídios de bolsas. Muitos estudantes estão sem casa e
não têm o que comer. Não têm nem mesmo dinheiro para apanhar táxi para ir à
escola”, explicou uma das bolseiras daquele país à Rádio Luanda, sem
se identificar.
“Nós
precisamos de ajuda. Temos colegas que estão a ficar com perturbações mentais
por causa dessa situação. Somos meninas e já não sabemos o que mais vamos
fazer, nem sei onde vou dormir amanhã”, acrescentou. De acordo com os
estudantes, as refeições são, muitas vezes, entregues por estudantes de
outros países e em situações extremas a única solução é mesmo mendigar à
porta dos marroquinos. “Estamos a ser enxotados das nossas casas por falta de
pagamento. Tem estudantes que por falta de dinheiro vão a pé na escola e não é
próximo. Passamos por várias situações. E o INAGBE parece nunca estar a par de
nada. Batemos à porta na casa do marroquinos para pedir comida”, explicou.
A
cada dia que passa os estudantes acumulam dívidas, não só com os senhorios, mas
também com colegas a quem pedem ajuda para comprar materiais escolares,
transporte e alimentação. “Neste momento estamos todos cheios de dívidas e não
sabemos como pagar. Não sei o que será das nossas vidas nos próximos dias neste
país”, lamenta outra estudante, que também não quis dar o nome. Os
bolseiros de Marrocos criticam o que dizem ser a arrogância
dos funcionários do INAGBE, que os tratam de forma indelicada, chegando
mesmo a pedir aos alunos que se “virem”, caso contrário “peguem nas malas e
regressem”.
“Como
se não bastasse perdermos aulas por falta de materiais e transporte ainda
pedem-nos para validar o ano caso contrário cortam as bolsas. Há colegas que
estão frustrados. Mas com fome, doenças e falta de material é complicado termos
bons aproveitamento na escola”, lamenta. “Em nome da comunidade angolana aqui
em Marrocos peço que façam alguma coisa por nós”, conta a estudante à Radio
Luanda.
Espírito
solidário
A
interajuda, em alguns casos, tem falado mais alto, com relatos de estudantes
que, por exemplo, em Portugal organizam festas solidárias para apoiar os que
passam por maiores dificuldades. Existem ainda iniciativas de
acolhimento para aqueles que estão com problemas nas rendas. No ano
passado, os pais dos estudantes bolseiros da Rússia, o Brasil, a Ucrânia,
França e Alemanha protestaram nas instalações do INAGBE contra o atraso de oito
meses no pagamento de subsídios.
Numa
carta enviada ao Rede Angola, na altura, os estudantes relataram que
chegavam a procurar “comida nos contentores de lixo”, e “algumas das nossas
irmãs, futuras doutoras e engenheiras, estão a vender os seus corpos para
sobreviverem”, e que foram completamente abandonados “pelo nosso governo que
não quer saber dos seus futuros quadros”.
O INAGBE
foi acusado de estar a atribuir novas bolsas externas a outros candidatos num
momento em que vários estudantes estão a sofrer fora de Angola por falta de
subsídio.
INAGBE
reconhece incumprimento
O Rede
Angola contactou o director-geral do Instituto Nacional de Gestão de
Bolsas de Estudo (INAGBE), Moisés Kafala Neto, que se negou a prestar qualquer
depoimento alegando que já o tinha feito à Rádio Luanda.
“Nós
já prestamos uma entrevista à Rádio Luanda e tudo o que dissemos reiteramos”,
afirmou.
“Já
imaginou quantas emissoras temos no país, quantos jornais temos. Se prestarmos
depoimento a todos não termos tempo para trabalhar. Na informação que passamos
à Rádio Luanda tem todas as possíveis respostas”, acrescentou Moisés
Neto.
No
depoimento à Rádio Luanda, o responsável do INAGBE confirmou as dívidas
que a instituição tem para com os bolseiros de Marrocos, justificando
a situação com a crise.
“Foram
feitos pagamentos até Junho de 2016. E nós temos dois pagamentos já executados.
As transferências foram feitas já nas contas dos estudantes do Marrocos e
demoram de 10 a 15 dias. Foram emitidas na semana passada”, disse Moisés
Kafala àquela estação.
O
responsável pediu “alguma paciência” aos bolseiros que passam por várias
dificuldades no exterior e garantiu que a secção do INAGBE que atende o Magrebe
(Argélia, Marrocos e Tunísia) já dialogou com os estudantes.
“No
entanto, estão já processados os meses de Outubro e Novembro de 2016, incluído
os de Janeiro a Março deste ano faltando somente a homologação em moedas
estrangeira para a transferência desses valores”, explicou o director do
INAGBE.
O
responsável negou, ainda, que não esteja a acompanhar a situação dos bolseiros,
afirmando que há contactos permanentes com os estudantes.
“Tanto
que no mês de Setembro teve uma equipa de técnicos de INABGE que fizeram um
trabalho de prova de vida de estudantes em Marrocos. Nós não nos esquecemos de
nenhum estudante no exterior do país”, concluiu.
Rede Angola – Foto: Bolseiros do INAGBE [Ampe Rogério/RA]
Sem comentários:
Enviar um comentário