sexta-feira, 28 de abril de 2017

Portugal | FÁTIMA, FUTEBOL E FUNÇÃO PÚBLICA


David Pontes* | Jornal de Notícias | opinião

Eu, crente na Fórmula 1, me confesso, caro patrão, e por isso lhe peço, pelas alminhas, pelo respeito que tenho a José Manuel Fangio e a Graham Hill, que me dê uma folga na sexta-feira, dia 12 de maio, para que eu possa chegar sem sobressaltos a Barcelona, onde no domingo vai decorrer o quinto grande prémio da temporada.

Pense em todos nós, amantes da velocidade, que temos uma igreja (o Estoril) sem missa, desde que em 1996 o "grande circo" nos abandonou. Imagine o que é nunca poder presenciar ao vivo aquele que é o maior interesse da minha vida e siga o exemplo de António Costa, que diz que não é crente, mas respeita "as crenças dos outros".

Eu bem sei que a Fórmula 1 não se pode comparar com a fé católica, que é uma coisa bem mais séria que carros às voltinhas, embora eu tenha para mim que algumas coisas que o Ayrton Senna fazia na chuva eram verdadeiros milagres. Se pensarmos bem, a Fórmula 1 nem sequer se pode comparar com o futebol que, a par de Fátima, é um dos "efes" da troika, dos "efes" que se mantêm bem vivos em Portugal.

E, se pensarmos melhor, o terceiro "efe", agora, deve ser o da Função Pública. Para eles, há tolerância de ponto e nem sequer o Bloco de Esquerda, normalmente tão afoito nestas coisas da laicidade, da separação do Estado e da Igreja, levantou a voz contra esta benesse dada pelo Governo.

Se me der folga (entre nós, não precisamos de usar essa expressão enganadora da "tolerância de ponto"), só a empresa é que sai um bocadinho prejudicada e nem muito, porque já sei que na segunda-feira vou ter de trabalhar a dobrar. Já com a Função Pública, mesmo que eles não sejam todos católicos, é certo que, nas palavras do primeiro-ministro, vão todos desejar "participar na visita do Papa Francisco a Portugal". Por isso, pelo menos as aulas já foram à vida. E lá vão andar os pais, que não são funcionários do Estado, à nora para encontrar um lugar para os miúdos ficarem.

Patrão, siga o exemplo de António Costa, que mesmo sabendo que já está tudo esgotado há meses em Fátima, sinal de que milhares planearam atempadamente a sua ida, foi generoso com os seus funcionários para permitir que "diminuam as condições de congestionamento". Eu bem sei que não vou poder recompensá-lo um dia com o meu voto, que isto aqui na empresa não é uma democracia, mas fique certo que se me deixar ir à Formula 1, no dia 12, eu ficarei eternamente grato.

*Subdiretor

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