Manuel
Carvalho da Silva | Jornal de Notícias | opinião
Se
tomássemos como base de análise das eleições presidenciais francesas e a
opinião publicada ao longo dos últimos anos nos grandes meios de comunicação,
teríamos de nos surpreender com o panorama político que agora nos é apresentado
a duas semanas da primeira volta. O candidato oficial do Partido Socialista
francês, Benoît Hamon, surge com menos de 10% nas sondagens. O candidato
agregador da restante Esquerda, Jean-Luc Mélenchon, consegue chegar a terceiro
lugar e ultrapassa o candidato da Direita gaulista, François Fillon. Mélenchon
é portador de um programa estratégico de rutura política com a austeridade de
Hollande, não evitando temas como a necessária reforma política do sistema
presidencialista francês esclerosado, ou o confronto com as políticas europeias
de austeridade. Não sabemos se conseguirá ultrapassar o "blairismo"
vazio, mas abrangente, de Emmanuel Macron ou o protofascismo de Marine Le Pen.
No entanto, o seu possível sucesso deve ser analisado com objetividade e tido
em conta na busca de soluções políticas democráticas, alternativas ao rumo
dominante nos países da União Europeia (UE).
O
Partido Socialista francês será mais um partido social-democrata a
estilhaçar-se. Veremos, lá para o fim do ano, se o SPD alemão contraria esta
tendência e, acima de tudo, com que propostas concretas se apresentará perante
o povo alemão e perante os europeus. Mas, seja qual for o resultado das
eleições na Alemanha, uma coisa é clara: no atual contexto europeu, as relações
de forças existentes inviabilizam mudanças positivas. Não é possível responder
positivamente aos anseios dos povos e conseguir desenvolvimento dos países, com
a UE mantendo as estruturas e os tratados em que assenta, as prioridades
políticas definidas e as práticas de relacionamento interno e externo porque se
pauta. É preciso ruturas e que estas privilegiem valores de solidariedade, de
paz, de democracia e de soberania dos povos.
Em
Portugal, a situação confortável do PS nas sondagens pode criar a ilusão - a
muitos dos seus militantes - de que este partido é hoje uma espécie de
irredutível aldeia de lusitanos num império de austeridade. Foi acertado e,
acima de tudo, muito útil para os portugueses, que o PS tenha seguido o rumo
que seguiu, trabalhando com todas as forças de Esquerda a base parlamentar que
suporta o seu Governo. O PS tem beneficiado muito dos contributos do BE e do
PCP. E será dramático se, face às contradições e negação das propostas da
Direita, facilitar um cenário em que estes partidos são a Oposição de ocasião.
O
PS, com mérito, tem conseguido "comprar tempo" de vida política. São
muito positivos os pequenos passos dados a favor das pessoas e a melhoria da
confiança na economia. Mas não pode continuar a adiar as necessárias ruturas
com aspetos estruturantes da anterior política em campos tão relevantes como o
trabalho, a saúde, a contratação coletiva ou a segurança social. Sabemos que
estes são campos que enfrentam poderes maiores, nacionais e europeus, e que
obrigam a instabilizar o centrão de interesses. Contudo, para a máquina
funcionar e nos dar futuro, é preciso retirar areia da engrenagem.
Por
exemplo, o combate à precariedade incomoda interesses instalados, mas a
precariedade é um pedregulho na engrenagem do desenvolvimento. Pode ser
desgastante a discussão que torne mais justo o acesso à reforma de
trabalhadores com longas carreiras contributivas, mas ainda assim é preciso
arrumar estes problemas para se tratar solidamente do futuro da Segurança
Social.
Algumas
propostas do BE e do PCP podem gerar tensão, mas isso não é drama. Pode até ser
vantajoso se no processo de governação houver um amplo diálogo com múltiplos
atores sociais e forte vontade de mobilização da sociedade.
É
possível e indispensável discutir seriamente os engulhos da caducidade dos
contratos coletivos de trabalho ou a recuperação de bases do princípio do
tratamento mais favorável. Com empenho haverá soluções equilibradas. Urge
valorizar o trabalho para diminuir o fosso que marca a distribuição da riqueza
entre capital e trabalho em desfavor deste.
*Investigador
e professor universitário
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