Noam
Chomsky alerta: EUA desprezam todas as chances de acordo, em conflitos globais
explosivos. Que loucura fará o presidente, quando seu capital político se
esgotar?
Entrevista
a Dan Falcone | Tradução: Inês Castilho | Outras Palavras
A
proliferação nuclear e as mudanças climáticas são hoje motivo de preocupação
aguda, levada ao extremo em razão do governo de Donald Trump, nos EUA.
Nesta entrevista exclusiva para a Truthout, o intelectual dissidente Noam
Chomsky debate a cobertura da mídia sobre esses temas, ressaltando as tensões
dos EUA com a Rússia, o Irã e a Coreia do Norte, bem como o recente ataque
aéreo dos EUA a uma base da Força Aérea da Síria.
Como
você vê a angustiante falta de debate, na mídia hegemônica, sobre mudanças
climáticas e proliferação nuclear?
Se
você quiser aprender sobre armas nucleares e a razão pela qual esse tema não
está sendo tratado, dê uma olhada na edição de 1º de março do Bulletin
of the Atomic Scientists (Boletim dos Cientistas Atômicos), onde há um
artigo absolutamente espetacular escrito por dois verdadeiros experts –
Hans M. Kristensen e Ted Postol, do MIT (Massachussets Institute of
Technology). Eles discutem os novos sistemas de direcionamento inventados no
Programa de Modernização de Obama, agora em plena escalada com Trump, e que são
extremamente perigosos. Afirmam, com base em informações disponíveis, que os
sistemas de mísseis dos EUA foram de tal forma aperfeiçoados que agora são
capazes de aniquilar instantaneamente o efeito de dissuasão da Rússia.
É
um enorme excesso, que acaba com a estabilidade nuclear – e, claro, os russos
sabem disso. A implicação é que, se em algum momento os EUA sentirem-se
ameaçados, serão levados a fazer um ataque preventivo – porque do contrário
estão mortos, entende? E isso significa que todos estaremos mortos. Este é o
fato mais importante de que se tem notícia em não sei quanto tempo.
O New
York Times e outras mídias mainstream mantiveram sua prática
convencional de enaltecer o último ataque do Trump contra a Síria, mas
continuaram lamentando-se porque essa doutrina de política exterior é
improvisada. De certa forma, considerando as nomeações do seu gabinete, ele faz
lembrar Bush filho, que escolheu alvos indefesos. Eles alegam estar lutando
contra o terrorismo e a proliferação nuclear, mas parecem estar simplesmente
piorando os problemas.
Eles
com certeza não estão lutando contra a proliferação nuclear. Bem, se quiserem
mesmo fazer isso, há atitudes que podem tomar. O Irã, que na verdade nunca foi
um problema, poderia ter sido resolvido há anos. Há um livro interessante
do ex-embaixador brasileiro Celso Amorim. Em 2010, ele realizou um esforço
conjunto com a Turquia para solucionar a questão do Irã. Ninguém, além dos
Estados Unidos, considera que seja realmente um problema.
Aqui
nos EUA, é a pior ameaça da história da humanidade. Mas Brasil e Turquia
conseguiram um acordo com o Irã em que, basicamente, o país entregaria seu
urânio (pouco) enriquecido para a Turquia armazenar, e em troca as potências
ocidentais (isto é, os EUA) lhe forneceriam tubos de gelo para usar em seus
reatores de uso medicinal. Isso teria liquidado o assunto. Foi imediatamente
rejeitado por Obama e Hillary Clinton. E a razão principal foi que não queriam
ver ninguém mais envolvido no assunto. Supostamente, os norte-americanos é que
deveríamos lidar com o problema – a mas isso não foi dito. A razão ostensiva
foi de que Hillary estava prestes a pressionar o Conselho de Segurança da ONU
para adotar novas sanções contra o Irã, e não queria que essa iniciativa fosse
minada – o que mostra uma atitude voltada para a proliferação. O mesmo está
acontecendo com a Coreia do Norte. [Recentemente] anunciaram mais ações
ofensivas contra a Coreia do Norte.
Misseis
navais vão elevar o nível [do perigo], [mas] há uma opção diplomática? Sim, há.
A Coreia do Norte e a China propuseram o que parece ser uma opção muito
inteligente. A Coreia do Norte deveria acabar com o desenvolvimento de armas
nucleares – manter o estoque como está, não fabricar mais – e, em troca, os EUA
acabariam com essas manobras militares hostis na fronteira da Coreia do Norte –
bombardeiros B52 com capacidade nuclear e por aí vai. Os EUA rejeitaram
imediatamente a oferta. E a imprensa e todo o mundo disse [quase nada]…
Esse
programa de modernização é um exemplo muito claro de como o que importa não é a
segurança. Não há nenhum ganho em segurança, mas destruição maciça da
capacidade de dissuasão do adversário. A única consequência disso é provocar o
risco de um ataque preventivo. E um ataque preventivo leva a um mundo de
inverno nuclear.
Sem
contar que temos uma presença militar lá. Lembro que uma vez você disse algo
sobre como a dissuasão não era para as armas nucleares, mas para a
militarização da Coreia do Norte apontada para Seul e as Forças Armadas dos
EUA.
Se
os EUA atacassem a Coreia do Norte, com certeza destruiriam aquele país – mas
provavelmente a Coreia do Sul também seria exterminada. Eles concentraram
artilharia apontada para Seul, e não há nada que se possa fazer respeito.
Quanto
às relações dos EUA com a Síria, há soluções políticas? A última vez que Medea
Benjamin escreveu no Democracy Now!, ela dizia como há opções
políticas que nunca foram tentadas para os EUA e a Síria.
Houve
sugestões em 2012. O embaixador russo nas Nações Unidas fez algumas propostas
para um acordo político no qual Hafez Assad seria lentamente removido. O
Ocidente a desconsiderou imediatamente, e não sabemos se ela era real, porque
não veio do Kremlin, e era informal. Mas o fato é que todas essas propostas são
imediatamente refutadas. E simplesmente não se sabe se são verdadeiras.
É
um pouco como o 11 de Setembro. Afinal, o Talibã sinalizou que poderia
extraditar Osama bin Laden, mas os EUA não lhe deram ouvidos. Tinham de usar a
força. Bem, uma das razões é que o Talibã pediu provas, e um dos problemas é
que não apresentaram evidência alguma.
Como
as mudanças climáticas e as ciências climáticas relacionam-se com a questão das
armas nucleares e sua capacidade destrutiva?
Uma
das poucas instituições preocupadas com as mudanças climáticas é o Pentágono.
Eles terão problemas, por exemplo, com a Marinha – a Base Naval de Norfolk será
inundada quando o nível do mar aumentar, e a elevação do nível do mar e outros
sistemas climáticos perigosos irão causar enormes ondas de refugiados.
Dê
uma olhada em Bangladesh. É uma planície costeira – e algumas centenas de
milhões de pessoas. O que eles farão, se as coisas piorarem? Você sabe?
Com
a chegada de Rex Tillerson ao posto de secretário de Estado de Trump, as coisas
parecem ter se “normalizado”, no governo dos EUA. Que perigos ele representa
para o planeta?
É
incrível o que está acontecendo, e o mais espantoso é que ninguém fala disso.
Neste momento – desde 8 de novembro – os Estados Unidos estão literalmente
sozinhos no mundo – primeiro, na sua recusa em unir esforços para fazer algo a
respeito do aquecimento global. Mas, pior ainda, empenhados em agravar a
situação. Em toda parte, está-se tentando fazer alguma coisa. Só os Estados
Unidos esforçam-se para destruir — e não só Trump, mas todo o Partido
Republicano. É difícil encontrar palavras para descrever isso. Não há
informações. Não há debate.
Refiro-me
ao mais importante evento de 8 de novembro – do qual tenho falado algumas
vezes, mas ninguém ouve. Como devem saber, havia uma conferência internacional
em Marrocos, em sequência à conferência de Paris – para dar alguma substância
aos acordos de Paris. Mas no dia 8 de novembro [dia da vitória de Trump], a
conferência foi interrompida. A questão era, nós sobreviveremos? Não
se disse uma única palavra sobre isso. Mais espantoso ainda, o mundo espera que
a China venha socorrê-lo. Os EUA são a máquina destrutiva que está arruinando
tudo. O mundo tem esperança de que a China irá, de alguma maneira, salvá-lo.
O
que isso — o mundo esperar o apoio da China — significa em relação ao
establishment norte-americano?
Significa
que os Estados Unidos são com certeza o país mais perigoso do mundo.
Isso
não é positivo para a democracia — ou a esperança em relação a ela.
Não
tem muito a ver com democracia, porque uma democracia mal e mal funciona sob um
sistema neoliberal. A maioria da população está desconectada dos temas
relevantes. Há uma retórica apaixonada sobre como “não podemos cruzar os
braços”, enquando o país usa armas para matar civis inocentes.
Neste
momento, os Estados Unidos estão apoiando ataques militares da Arábia Saudita
ao Iêmen e uma política de escassez – uma política de fome – que irá matar
dezenas de milhares de pessoas; na verdade, já está matando. Mas alguém fala
sobre isso? Só Gareth
Porter e mais uma ou outra pessoa escrevem [sobre isso].
O
que você pensa sobre a direção em que caminha o governo Trump, e como seria sua
política exterior? É imprevisível, como ele? Ou segue uma trajetória?
Penso
que a política externa não é uma preocupação deles, na verdade. Assim como o
ataque à Síria: não significou quase nada. Alvejaram uma base aérea vazia. Um
dia depois, ela estava funcionando novamente. Aviões voavam a partir dela. Foi
um show para o público interno, você sabe: vejam como sou forte; não sou
como Obama. E então tudo volta ao “normal” – penso que, de fato, o que acontece
é o orçamento d[o presidente da Câmara], Paul Ryan e seus programas
legislativos.
Tudo
isso está ocorrendo sob a cobertura das extravagâncias midiáticas de Trump e
seu secretário de Imprensa, Sean Spicer. Eles caras fazem uma coisa após outra
para captar a atenção da mídia. E funciona. Ligue na CNN e é isso que se ouve,
enquanto são feitas mudanças legislativas que destroem tudo o que o governo tem
de utilidade para a maioria das pessoas. Penso que Paul Ryan é a pessoa mais
perigoda desse governo. Ele sabe o que está fazendo — e é muito sistemático.
Presumo que está por trás das nomeações do gabinete, e é incrível como todas
elas são a escolha de alguém devotado à destruição de uma política pública — ou
para garantir que não funcione. Colocou-se muito foco no EPA (Agência de
Proteção Ambiental), o que já é bem ruim, mas os programas ambientais mais
significativos estão no departamento de Energia — e serão propositalmente
desmontados.
Quer
dizer que Trump nomeia pessoas deliberadamente escolhidas para minar as
políticas públicas?
Sim,
todos os seus secretários: Educação, Ambiente, Trabalho – cada um é escolhido
para minar todos os aspectos do governo que se relacionem a qualquer apoio à
maioria das pessoas e não beneficiem os super-ricos. E isso de forma
absolutamente sistemática. A pergunta que interessa é: por quando tempo o
eleitorado de Trump vai entrar nesse jogo de trapaças. Eles estão levando na
cara mais do que ninguém –m as ainda têm fé no seu homem. Se isso sucumbir – o
que, suponho, mais cedo ou mais tarde vai acontecer – o governo Trump terá de
fazer alguma coisa bem radical para tentar manter o controle.
Qual
a atitude da Rússia quando ao ataque à Síria, a seu ver? Eles acham que foi um
teatro?
Bem,
há algumas questões interessantes aqui. Pode-se buscar a razão por que Assad
teria ficado bem louco, para provocar uma intervenção dos EUA quando está
vencendo a guerra. A pior coisa para ele seria atrair os Estados Unidos pra
dentro do conflito. Por que iria lançar um ataque com armas químicas? Pode-se
imaginar que um ditador com interesses apenas locais venha a fazer isso,
pensando ter sinal verde para tanto. Mas por que os russos permitiriam? Não faz
nenhum sentido. E há de fato questões sobre o que aconteceu. Algumas pessoas
que merecem muita credibilidade – não tipos conspirativisas, mas gente com
sólidas credenciais de inteligência — dizem que o ataque não aconteceu.
Lawrence
Wilkerson afirmou que
a Inteligência dos EUA localizou um avião que provavelmente atingiu um depósito
da Al-Qaeda, onde estava armazenado algum tipo de arma química, que se
espalhou. Eu não sei. Mas isso por certo pede ao menos uma investigação. E as
pessoas [que chegaram a essa conclusão] não são insignificantes.
Você
poderia falar sobre como a esquerda está dividida nessa questão da Síria?
A
esquerda é horrível nisso. De um lado, grande parte é pró Assad. [Nesses
círculos], você não pode criticar Assad, embora saiba que ele é um criminoso de
guerra monstruoso. Qualquer um que o critique está aderindo aos imperialistas
norte-americanos, o que é simplesmente grotesco. Seja o que pensemos sobre os
fatos recentes, Assad é responsável por uma enorme massa de atrocidades. É uma
história de horror.
Outros
dizem que os Estados Unidos simplesmente não deveriam se envolver em outra
guerra. Quer dizer, para eles a narrativa de Washington está certa, e se é
verdade que a Síria usou armas químicas, não seria um grande crime enviar uma
espécie de tiro de advertência para dizer: vocês não podem mais fazer isso. Não
seria a melhor coisa do mundo, mas não seria também um crime capital. Penso
que, no mínimo, deveria ter havido uma investigação sobre o que aconteceu.
Agora, aderir simplesmente ao coro de que estamos, finalmente, reagindo aos
crimes na Síria – isso é ridículo.
Não
concordo com a intervenção dos EUA na Síria, mas também não sou a favor de
Assad. Como pode alguém opor-se a Assad e ao mesmo tempo ser reticente quanto à
intervenção dos EUA?
Algumas
pessoas do campo da esquerda dizem: “veja, não podemos deixar essas atrocidades
continuarem, então vamos entrar na guerra e nos livrar de Assad”. O problema é
que, com isso, abre-se uma guerra nuclear com a Rússia. E a Síria será
dizimada, juntamente com tudo o mais. Então, é preciso dizer: “certo, vamos
acabar com os crimes; mas como, exatamente?”
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