Passos
Coelho tem de explicar porque prefere a demagogia à informação, o medo ao
esclarecimento e a austeridade, essa sim rapa-tacho, à sensatez.
Mariana
Mortágua*
"Querem
deitar a mão às reservas do Banco de Portugal para rapar o fundo ao
tacho". Foi assim que Passos Coelho se referiu à proposta do Grupo de
Trabalho sobre a Dívida Pública para reduzir os futuros acréscimos de novas
provisões do Banco de Portugal (BdP).
Pode
ser que Passos não saiba do que está a falar, mas o mais provável é que esteja
deliberadamente a recorrer a demagogia barata e desinformada para tirar ganhos
políticos do medo que procura criar nas pessoas.
A
matéria é complexa, mas vale a pena ser explicada.
O
BdP tem fundos próprios: capital, reservas, contas de reavaliação e provisões
para riscos gerais. Os dois primeiros estão definidos legalmente e ninguém lhes
mexe, aumentam todos os anos, e as contas de reavaliação são decididas pelo
BCE. Restam então as provisões para riscos gerais, cujo propósito não está
definido.
A
partir de 2015 o BCE decidiu pôr em prática um programa de estímulo que
consiste em comprar títulos de dívida pública aos bancos, ajudando a sua
situação financeira e diminuindo a pressão sobre os juros dessa dívida no
mercado. Fê-lo por toda a Europa e, no caso português, comprou já 26 mil
milhões. Esses títulos encontram-se no balanço do BdP.
O
Estado português continua a pagar os juros dessa dívida, que são centralizados
no BCE e depois distribuídos, como lucros, pelos vários bancos centrais
nacionais de acordo com a sua participação no BCE. Esta regra faz com que a
Alemanha ganhe relativamente mais com este programa. Mas o BdP tem recebido
muito dinheiro desta forma, que retém, constituindo elevadas provisões,
injustificadas, uma vez que o ativo que detém é dívida pública. Note-se que, ao
contrários dos bancos comerciais, que constituem provisões para acautelar
riscos de crédito, o Banco de Portugal não dá crédito de habitação ou a
empresas, pelo que não tem esses riscos. Ora, ao constituir provisões tão
grandes, o Banco não só deixa de distribuir dividendos ao Estado como paga
menos IRC (as provisões foram de 480 milhões em 2016).
A
média destas provisões na Zona Euro foi então de 1,7% e em Portugal de 4,2%. O
que se propõe é que as futuras provisões possam ser menores do que as
anteriores, para que estes lucros, pagos pelo Estado, possam servir para
financiar políticas públicas e sejam portanto usados por Portugal.
A
proposta do Grupo de Trabalho é sensata e correta. É Passos quem tem de
explicar porque prefere a demagogia à informação, o medo ao esclarecimento e a
austeridade, essa sim rapa-tacho, à sensatez.
Artigo
publicado no “Jornal de Notícias” em 2 de maio de 2017
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