quinta-feira, 4 de maio de 2017

Portugal | QUE SE EXPLIQUE PASSOS COELHO


Passos Coelho tem de explicar porque prefere a demagogia à informação, o medo ao esclarecimento e a austeridade, essa sim rapa-tacho, à sensatez.

Mariana Mortágua*

"Querem deitar a mão às reservas do Banco de Portugal para rapar o fundo ao tacho". Foi assim que Passos Coelho se referiu à proposta do Grupo de Trabalho sobre a Dívida Pública para reduzir os futuros acréscimos de novas provisões do Banco de Portugal (BdP).

Pode ser que Passos não saiba do que está a falar, mas o mais provável é que esteja deliberadamente a recorrer a demagogia barata e desinformada para tirar ganhos políticos do medo que procura criar nas pessoas.

A matéria é complexa, mas vale a pena ser explicada.

O BdP tem fundos próprios: capital, reservas, contas de reavaliação e provisões para riscos gerais. Os dois primeiros estão definidos legalmente e ninguém lhes mexe, aumentam todos os anos, e as contas de reavaliação são decididas pelo BCE. Restam então as provisões para riscos gerais, cujo propósito não está definido.

A partir de 2015 o BCE decidiu pôr em prática um programa de estímulo que consiste em comprar títulos de dívida pública aos bancos, ajudando a sua situação financeira e diminuindo a pressão sobre os juros dessa dívida no mercado. Fê-lo por toda a Europa e, no caso português, comprou já 26 mil milhões. Esses títulos encontram-se no balanço do BdP.

O Estado português continua a pagar os juros dessa dívida, que são centralizados no BCE e depois distribuídos, como lucros, pelos vários bancos centrais nacionais de acordo com a sua participação no BCE. Esta regra faz com que a Alemanha ganhe relativamente mais com este programa. Mas o BdP tem recebido muito dinheiro desta forma, que retém, constituindo elevadas provisões, injustificadas, uma vez que o ativo que detém é dívida pública. Note-se que, ao contrários dos bancos comerciais, que constituem provisões para acautelar riscos de crédito, o Banco de Portugal não dá crédito de habitação ou a empresas, pelo que não tem esses riscos. Ora, ao constituir provisões tão grandes, o Banco não só deixa de distribuir dividendos ao Estado como paga menos IRC (as provisões foram de 480 milhões em 2016).

A média destas provisões na Zona Euro foi então de 1,7% e em Portugal de 4,2%. O que se propõe é que as futuras provisões possam ser menores do que as anteriores, para que estes lucros, pagos pelo Estado, possam servir para financiar políticas públicas e sejam portanto usados por Portugal.

A proposta do Grupo de Trabalho é sensata e correta. É Passos quem tem de explicar porque prefere a demagogia à informação, o medo ao esclarecimento e a austeridade, essa sim rapa-tacho, à sensatez.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 2 de maio de 2017

*Esquerda.net | Mariana Mortágua | Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.

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