Cantora
guineense apresenta-se este sábado (15.07), em Lisboa. Em entrevista à DW
África, Eneida Marta fala em sonho por uma Guiné-Bissau democrática e apela à
classe política a não brincar com o futuro do país.
A
cantora guineense Eneida Marta nasceu em Bissau, numa época auspiciosa - em que
o seu país se preparava para proclamar a independência de Portugal. Quarenta
e cinco anos depois, a liberdade, tal como o amor, marcam as suas canções.
E, nesta senda, não se distancia do dia-a-dia da Guiné-Bissau. Não fala de
desilusão, porque canta muito a parte positiva do seu país natal.
Eneida
Marta apresenta-se na noite deste sábado (15.07) no Anfiteatro Aberto da
Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. A artista, filha de pai cabo-verdiano,
será acompanhada pelos músicos Juvenal Cabral (baixo), Olívio Gonzalez (piano e
teclado), Ibrahima Galissa (kora), Iuri Oliveira (percussão) e José Debray
(guitarra semi-acústica), e mostra seu último álbum "Lôpe Kai, Nha Sunhu",
ao público lisboeta.
Em
entrevista à DW África, a artista fala sobre a situação política da
Guiné-Bissau.
DW
África: Inquieta-se com o clima de crispação que se vive no país há já largos
meses.
Eneida
Marta (EM): Bastante, porque vejo que as pessoas estão a pôr os interesses
pessoais em primeiro lugar do que o interesse do país. Nua e crua, digo que é
uma infantilidade aquilo que está a acontecer. As pessoas estão a lutar
pelo seu bem-estar, porque aquilo que me passa é que, se estiverem no
poder [acham que] é uma carreira ou uma profissão. Mas não é uma profissão.
'Estás aí para servir o povo, para o bem do povo, e não para servir os
interesses próprios'. Infelizmente, as pessoas estão a lutar por um rebuçado e
estão a brincar com o futuro do país.
DW
África: E acha que a classe política não tem noção disso?
EM: Êpa,
se têm não demonstram, infelizmente.
DW
África: Como cidadã, fazendo parte da sociedade civil, propõe alguma solução
útil para se ultrapassar a crise política institucional?
EM: Não
seria apresentar uma solução, mas sim fazer um apelo: que crescessem. E que
pensassem que, aquilo que acontecer ao nosso país vai refletir-se nos filhos,
nos netos e por aí fora. Hoje, eles podem não estar a perceber aquilo que está
a acontecer porque têm tudo. Quando dói um dente a um filho, mandam para o
dentista no estrangeiro. Mas, à frente, isso vai custar. Daí o apelo para que
crescessem.
DW
África: Culpa alguém em concreto, ou acha que cada guineense tem a sua
quota-parte?
EM: Todos
têm a sua quota parte [de responsabilidade]. Se calhar, até eu. Porque talvez
não esteja a fazer aquilo que deveria estar a fazer, mas não de propósito.
Talvez por alguma ignorância minha. E cada um de nós guineenses tem a sua culpa
nisto. Eu costumo dizer, não tenho lados, não tenho partes. Eu estou pela
Guiné-Bissau e pelos meus irmãos.
DW
África: Mas os guineenses, sobretudo os jovens que marcham pelas ruas de
Bissau, estão inconformados com a crise que se arrasta?
EM: Lá
está, o país está totalmente dividido. E também, nós não temos essa cultura de
marchas [de protesto]. O guineense é um povo super, ou altamente, conformado
com o que tem. Infelizmente num sentido e felizmente noutro. Porque se fossemos
inconformados também, se calhar, poderíamos estar numa guerra civil. Quem sabe?
Mas também dou graças a Deus termos essa parte pacífica e, então, isso das
marchas não faz mesmo parte da nossa cultura. Consigo perceber porque é que
eles não conseguem movimentar a massa: Porque a pessoa acorda de manhã [e
pensa], marcha, calor, então as pessoas desligam-se totalmente daquilo e
conformam-se.
DW
África: No seu último álbum fala de sonhos. Há esperanças de que esta crise
será ultrapassada?
EM: Sim,
sem sombras de dúvidas. Até porque eu consigo tirar coisas positivas dessa
crise que está a acontecer na Guiné-Bissau. Tudo o que seja conquistado de uma
forma fácil, no futuro, acaba por não ter uma sustentabilidade, acaba por não
ter um alicerce consistente. Acho que, nesta fase, é necessário passarmos por
isso para que as pessoas aprendam. Eu acho também que a Guiné-Bissau entrou na
democracia sem saber o que é a democracia. Então, isto está a servir realmente
para que as pessoas saibam, porque a população não está preparada para a
democracia. E os nossos próprios políticos, também acho que não estão
preparados para a democracia. É um percurso que tinha que acontecer. Claro que
sim, é um país que tem muito para dar e eu acho que estamos mesmo na fase final
de toda essa brincadeira.
Apesar
disso, é com mensagem de otimismo que Eneida Marta sobe ao palco, esta noite,
no jardim de verão da Fundação Gulbenkian, depois de ter participado, em
maio deste ano, no Afrika Festival em Würzburg, na Alemanha. A trabalhar
já no próximo álbum, a cantora guineense inicia, em Portugal, uma série de
concertos pela Europa, através dos quais se propõe a mostrar a identidade
musical da Guiné-Bissau, cruzando géneros locais - como o gumbé com o jazz.
João
Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle
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