Pedro
Carlos Bacelar de Vasconcelos * | Jornal de Notícias | opinião
Confrontado
com o assalto ao paiol de Tancos, o ministro da Defesa declarou que assumia a
respetiva responsabilidade política. Disse tudo quanto havia a dizer sobre o
roubo das armas. Perante um crime de extrema gravidade praticado no interior de
instalações militares e à sua guarda, o ministro reagiu com a prudência que lhe
é exigida, com a mesma serenidade e determinação que já tinha demonstrado
perante os acidentes mortais ocorridos no curso de comandos, em 2016 - uma
fatalidade paradoxal que apesar de recorrente, sempre ficou impune no passado.
Também a ministra da Administração Interna, perante a catástrofe do incêndio de
Pedrógão e das 64 vítimas mortais que nele padeceram, respondeu sem hesitar:
"Não me demito." Reconheceu que essa seria, certamente, a solução
mais fácil! Mas o dever de um governante é proceder ao apuramento dos factos,
determinar as falhas, identificar as causas, deslindar a complexidade do
problema para encontrar as soluções adequadas. Um pedido de demissão, neste
contexto, só poderia ser interpretado como inaceitável cedência à demagogia
irresponsável de alguns líderes da Oposição e à lógica sensacional e
imediatista da Comunicação Social. Teria sido mais fácil, admitiu a ministra,
mas estaria a iludir as suas próprias responsabilidades políticas.
A
responsabilidade é a contrapartida da confiança. Quem recebe um mandato para
cumprir uma determinada missão, presta contas do que faz a quem nele delega
esse poder. Os soberanos absolutos do "antigo regime" desconheciam a
"responsabilidade política". A sua legitimidade dinástica e de origem
divina apenas os tornava responsáveis perante os imortais. Tudo mudou, porém, a
partir do século XVIII. A consagração constitucional, por via revolucionária,
do princípio da soberania popular alterou radicalmente esse estado de coisas e
os governantes das democracias modernas estão constitucionalmente vinculados ao
dever de prestação de contas ao povo soberano. No essencial, a responsabilidade
política consuma-se através do sufrágio eleitoral e nas relações entre os
órgãos de soberania. O Governo é politicamente responsável perante a Assembleia
da República que o pode derrubar, retirando-lhe a sua confiança. O
primeiro-ministro responde perante o presidente e os ministros perante o
primeiro-ministro. Em circunstâncias extraordinárias, pode também o presidente
da República demitir o Governo e dissolver o Parlamento, convocando eleições
antecipadas. O afastamento do cargo, porém, é sempre uma situação limite: os
deputados e o Governo não estão acima da lei e até o presidente da República é
destituído e impedido de se recandidatar, caso o Supremo Tribunal de Justiça o
condene por crime praticado no exercício das suas funções.
A
responsabilidade é o correlato da confiança e pode revestir, como acima se
mostrou, as mais diversas formas - responsabilidade civil, disciplinar,
criminal, política - consoante a sanção e o ato em que se funda a exigência de
reparação, ainda que a lei não o proíba nem sequer tenha existido intenção de
prejudicar. O que há de comum ao incêndio de Pedrógão e ao assalto do paiol de
Tancos é que a imputação dos danos se distribui por uma infinidade de virtuais
autores: Proteção Civil, bombeiros, serviço de informações, cinco regimentos
com os respetivos comandantes, ministros, Governo e, por fim, até o comandante
Supremo das Forças Armadas - o presidente da República. Só com extrema
precipitação e máxima leviandade é possível imputar culpas nesta fase
incipiente de apuramento de responsabilidades. E depois de apurados todos os
factos e falhas, há ainda que refletir seriamente sobre os resultados obtidos
para reordenar corretamente a floresta, para repensar as modalidades de combate
aos incêndios, para adequar os dispositivos militares às missões que hoje são
chamados a cumprir. É isso o que se espera deste Governo, dos seus ministros e,
claro, do atual chefe de Estado.
*
Deputado e professor de Direito Constitucional
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