Ao
sul e ao norte, os espantalhos-presidentes se agitam em falsas polêmicas para
distrair a atenção da opinião pública, enquanto vão obstruindo as janelas, e
pontes ,para o futuro
Flávio
Aguiar*, Berlim | opinião
Durante
15 anos vivi num sítio em Itapecerica da Serra, nas vizinhanças de São Paulo.
Ali me deparei e empreguei, pela primeira vez, com a “lógica do
espantalho”.
A
casa do sítio tinha um janelão que ia do teto ao chão, sem cortinas, refletindo
a mata em frente. Aquilo atrapalhava os pássaros. Estes são muito parecidos com
os humanos: pensam que o espaço é deles, e se engalfinham em disputas de
territórios, cantos e beleza. Em geral, eles, como muito humanos, não têm visão
bifocal, de profundidade: veem o mundo como se fosse uma tela bidimensional.
Para eles, este é um detalhe da sua natureza; para os humanos, da sua formação
cultural.
Volta
e meia, um pássaro dos pequenos, perseguido por outro, dos grandes, olhava para
o janelão e via a mata refletida. Pensava que ali estava uma saída, atirando-se
de encontro ao vidro, e morrendo pela pancada, que lhe provocava uma parada
cardíaca. Um ou outro eu consegui reanimar. Mas para a maioria o resultado era
irreversível.
Foi
então que tive a ideia de pôr, por atrás do janelão, um espantalho. Com ajuda
de um mancebo (aquele treco antigo, feito para pendurar casaco no cabide, pôr
sapatos nos pés e ainda ter lugar para abotoaduras e um chapéu no alto)
construí um espantalho. Os pássaros deixaram de se ligar no suposto espaço
livre refletido no janelão, para prestar atenção no espantalho. Salvei vidas. E
assim me deparei com esta lógica do espantalho.
Ela
pode, no entanto, ter outros fins, como meio de distrair seu alvo do que está
realmente acontecendo. No campo, o espantalho virou um aposto do passado, em
pequenos sítios. Diante do avanço da monocultura destruidora e dos agrotóxicos.
Mas na presidência de uma República. Ele ainda se revela muito eficiente.
Dois
espantalhos
Temos
dois espantalhos no continente norte-americano: ao norte, Trump; ao sul, Temer.
Trump é mais dinâmico; Temer, mais empalhado.
Aquele
se agita, publica twitters ferinos e furibundos, em que agride
repórteres adversos. Com declarações espantosas, verdadeiras diatribes
contraditórias, ameaça a Coreia do Norte. Enquanto o porta-aviões de sua ameaça
navega na direção contrária. Nega que o aquecimento global tenha a ver com a
atividade predatória das grandes corporações. E assim prende a atenção para sua
personalidade. Enquanto ele e sua equipe vão fazendo o verdadeiro dano, que é
comprometer o futuro do seu país e da humanidade, com suas medidas de pisar nos
pobres e salvaguardar os ricos.
G-20
Mutatis
mutandis, com Temer acontece o mesmo. Ele se agita cada vez menos. Mas ainda
assim se agita. Em relação ao G-20 próximo, em Hamburgo. Diz que vai mas não
vai. Depois diz que não vai mas vai. E fica este agito em torno de sua figura
patética, enquanto vai destruindo o futuro. Além de querer destruir o passado,
da nossa nação.
O
repúdio ao espantalho político é legítimo. Mas não deve nos tolher a visão da
janela que nos querem impedir de transpor, e que, ao contrário daquela de minha
casa, não contém uma imagem ilusória. Mas sim a de um futuro possível e melhor.
* Flávio
Aguiar é colaborador em Berlim e traz análises nada convencionais sobre o
que acontece na Europa e no mundo.
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