sexta-feira, 7 de julho de 2017

TRUMP, TEMER E A LÓGICA DO ESPANTALHO



Ao sul e ao norte, os espantalhos-presidentes se agitam em falsas polêmicas para distrair a atenção da opinião pública, enquanto vão obstruindo as janelas, e pontes ,para o futuro

Flávio Aguiar*, Berlim | opinião

Durante 15 anos vivi num sítio em Itapecerica da Serra, nas vizinhanças de São Paulo. Ali me deparei e empreguei, pela primeira vez, com a “lógica do espantalho”. 

A casa do sítio tinha um janelão que ia do teto ao chão, sem cortinas, refletindo a mata em frente. Aquilo atrapalhava os pássaros. Estes são muito parecidos com os humanos: pensam que o espaço é deles, e se engalfinham em disputas de territórios, cantos e beleza. Em geral, eles, como muito humanos, não têm visão bifocal, de profundidade: veem o mundo como se fosse uma tela bidimensional. Para eles, este é um detalhe da sua natureza; para os humanos, da sua formação cultural.

Volta e meia, um pássaro dos pequenos, perseguido por outro, dos grandes, olhava para o janelão e via a mata refletida. Pensava que ali estava uma saída, atirando-se de encontro ao vidro, e morrendo pela pancada, que lhe provocava uma parada cardíaca. Um ou outro eu consegui reanimar. Mas para a maioria o resultado era irreversível.

Foi então que tive a ideia de pôr, por atrás do janelão, um espantalho. Com ajuda de um mancebo (aquele treco antigo, feito para pendurar casaco no cabide, pôr sapatos nos pés e ainda ter lugar para abotoaduras e um chapéu no alto) construí um espantalho. Os pássaros deixaram de se ligar no suposto espaço livre refletido no janelão, para prestar atenção no espantalho. Salvei vidas. E assim me deparei com esta lógica do espantalho.

Ela pode, no entanto, ter outros fins, como meio de distrair seu alvo do que está realmente acontecendo. No campo, o espantalho virou um aposto do passado, em pequenos sítios. Diante do avanço da monocultura destruidora e dos agrotóxicos. Mas na presidência de uma República. Ele ainda se revela muito eficiente.

Dois espantalhos

Temos dois espantalhos no continente norte-americano: ao norte, Trump; ao sul, Temer. Trump é mais dinâmico; Temer, mais empalhado.

Aquele se agita, publica twitters ferinos e furibundos, em que agride repórteres adversos. Com declarações espantosas, verdadeiras diatribes contraditórias, ameaça a Coreia do Norte. Enquanto o porta-aviões de sua ameaça navega na direção contrária. Nega que o aquecimento global tenha a ver com a atividade predatória das grandes corporações. E assim prende a atenção para sua personalidade. Enquanto ele e sua equipe vão fazendo o verdadeiro dano, que é comprometer o futuro do seu país e da humanidade, com suas medidas de pisar nos pobres e salvaguardar os ricos.

G-20

Mutatis mutandis, com Temer acontece o mesmo. Ele se agita cada vez menos. Mas ainda assim se agita. Em relação ao G-20 próximo, em Hamburgo. Diz que vai mas não vai. Depois diz que não vai mas vai. E fica este agito em torno de sua figura patética, enquanto vai destruindo o futuro. Além de querer destruir o passado, da nossa nação. 

O repúdio ao espantalho político é legítimo. Mas não deve nos tolher a visão da janela que nos querem impedir de transpor, e que, ao contrário daquela de minha casa, não contém uma imagem ilusória. Mas sim a de um futuro possível e melhor.

* Flávio Aguiar é colaborador em Berlim e traz análises nada convencionais sobre o que acontece na Europa e no mundo.


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