Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite* | Porto Alegre
| Brasil
Em
11 de setembro de 1836, o general Antônio de Sousa Netto (1801-1866) proclamou
a República Rio-Grandense, após vencer a Batalha do Seival, próximo à cidade de
Bagé, ocorrida durante Revolução Farroupilha (1835-1845). A partir deste ato, o
conflito que tinha a princípio um caráter reivindicatório, combatendo o
centralismo político do império, os altos impostos sobre o charque, o couro e a
propriedade rural, resultou na mais longeva guerra civil da história do Brasil.
O
maestro e sua banda são presos
No
ano de 1837, o maestro Joaquim José de Mendanha (1800-1885), natural de Minas
Gerais, assumiu, como regente, a banda do 2º Batalhão de Caçadores de Primeira
Linha, que havia se deslocado para a Província de São Pedro (RS) em apoio às
forças imperiais. Em 30 de abril de 1838, o maestro se encontrava com sua
banda, na Vila de Rio Pardo, quando o local foi atacado pelos farroupilhas.
Neste importante combate, conhecido como o do Barro Vermelho, os liberais
farroupilhas venceram e aprisionaram-no com sua banda.
Mendanha
compõe o Hino
Aprisionado
o maestro e seus músicos, os farroupilhas aproveitaram a ocasião para
exigir-lhe que compusesse um hino para a novel República Rio-Grandense. Diante
da condição de prisioneiro de guerra, compôs o que lhe foi exigido. Esta
primeira versão do hino publicada, em 1955, pelo historiador Walter Spalding
(1901-1976), teve a letra escrita pelo capitão farroupilha Serafim Joaquim de
Alencastre e foi executado pela primeira vez no dia 06 de maio de 1838. O
maestro e sua banda acompanharam os farroupilhas durante um ano
Sua
2ª versão
Em
sua edição de 4/05/1839, o Órgão Oficial da República Riograndense, “O Povo”
(1839-1840), publicou uma letra do Hino Farroupilha, conforme foi cantada, na
2ª Capital farroupilha, Caçapava, no baile em comemoração ao primeiro
aniversário do Combate do Barro Vermelho, ocorrido, em 1838, na cidade de Rio
Pardo. Esta versão é diferente da primeira letra e de autor desconhecido. O
jornal denominou de Hino da Nação. Ao ser executado num baile comemorativo, com
a presença de nomes importantes, consolidou o nome do maestro Mendanha na
história do Rio Grande do Sul. De acordo com Walter Spalding, em seu livro
“Revolução Farroupilha”, publicado em 1987, p. 146:
“Foi
esta música, por se ter conservado, que deu celebridade a Joaquim José
Mendanha. Não fosse isso, em virtude de sua modéstia, talvez jamais seu nome
fosse recordado, pois, conforme dissemos, tudo quanto compôs se perdeu ou
perdeu sua identidade ao cair em domínio público, passando para o campo do
folclore”.
Sua
3ª versão
No
ano de 1933, quando se iniciavam os preparativos para comemorar o Centenário da
Revolução Farroupilha (1935), o Instituto Histórico e Geográfico do RS (IHGRS)
aprovou uma letra, que agradou o gosto popular, ficando esta como versão
definitiva. O responsável, pela terceira letra do hino, foi o poeta e
compositor Francisco Pinto da Fontoura (1793 -?), cuja alcunha era “Chiquinho
da Vovó”. Esta versão aprovada, como oficial, teria sido escrita após o término
da Revolução Farroupilha.
A
partitura desta versão já havia sido publicada no jornal “A Federação”
(1884-1937), do Partido Republicano Rio-grandense (PRR), em 03 de dezembro de
1887. Em 1934, o professor e doutor Antônio Tavares Corte Real revisou a música
composta pelo maestro Mendanha, visando à adaptação dos versos de “Chiquinho da
Vovó”.
Um
Hino polêmico
No
Diário Oficial do Estado de 07 de janeiro de 1966, em plena Ditadura Militar, a
melodia e a letra foram oficializadas como Hino Farroupilha ou Hino
Rio-grandense, de acordo com a Lei 5213, de 05 de janeiro de 1966, sendo
cortada a segunda estrofe da letra original do “Chiquinho da Vovó”. É bem
provável que a palavra “tiranos”, presente num verso, não tenha agradado aos militares.
“Entre
nós reviva Atenas /Para assombro dos tiranos; /Sejamos gregos na glória /
Virtude, romanos”.
Outra
questão que desperta polêmica é quanto aos versos presentes no estribilho do
Hino Oficial, aos quais alguns críticos atribuem a presença de um componente
racista, embora isto não se constitua numa opinião generalizada. Alguns
concluem: a estrofe registra que a ausência da virtude resulta em escravidão;
logo o negro que resistiu e lutou, a exemplo dos bravos “Lanceiros Negros”, em
busca de liberdade, seria destituído de virtude. O Jornal “A Federação”
(1884-1937) reproduziu esta letra em 3/12/1887. Segue a estrofe que gera discussão:
“Mas
não basta para ser livre / Ser forte, aguerrido e bravo. / Povo que não tem
virtude, /Acaba por ser escravo.”
A
dúvida de plágio
Durante
um período, propagou-se que a música do Hino Rio-Grandense era baseada numa
valsa de Johann Strauss (1825-1899). Esta ideia, após minuciosa pesquisa de
Antônio Tavares Corte Real, doutor em Música, pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), foi desconsiderada.
Embora
o hino tenha suscitado, no transcorrer do tempo, algumas polêmicas, é indiscutível
o seu valor estético e sua importância para os gaúchos. O maestro negro, como
ficou conhecido, legou-nos, por meio de seu talento, uma bela composição que é
executada nas cerimônias mais significativas do Rio Grande do Sul junto com o
Hino Nacional.
O
maestro adota Porto Alegre
A
Revolução Farroupilha, ainda, transcorria, quando o maestro Mendanha fixou
residência, em 1842, em Porto Alegre. Ele contou com o apoio de seu amigo o
Barão de Caxias, presidente da província, para que se dedicasse,
exclusivamente, à música. E assim o fez… O maestro fundou uma orquestra, criou
um coral com as senhoras da sociedade porto-alegrense e dirigiu os coros da
Igreja das Dores e da Matriz. Em 02 de dezembro de 1855, ele fundou a Sociedade
Musical de Porto Alegre. Um momento significativo e bastante emocionante, na
vida do maestro Joaquim Mendanha, ocorreu, em 27 de junho de 1858, quando ele
regeu na inauguração do Teatro São Pedro uma orquestra de 24 músicos para
deleite da elite local.
No
ano de 1877, O maestro recebeu a comenda imperial da Ordem da Rosa por
iniciativa do seu amigo o Duque de Caxias, na época, presidente do Conselho de
Ministros do Império. Figura simpática e amável, o maestro conquistava amizades
por onde passava e teve seu nome registrado numa crônica de Achyles Porto
Alegre (1848-1926), cujo título “O velho Mendanha” foi uma homenagem do
escritor ao maestro. Segue um trecho:
“Diante
de seus músicos, com a sua casaca bem talhada, gravata branca, e comenda ao
peito, riscando no ar o compasso musical com a sua batuta, o velho maestro nada
mais ambicionava na vida”.
Joaquim
Mendanha também criou a Irmandade de Santa Cecília, padroeira dos músicos,
dando um grande destaque às festividades, que, ainda, acontecem no dia 22 de
novembro a cada ano.
Segue
o comentário do nosso cronista, Achylles Porto Alegre, sobre o maestro Mendanha:
“Nos
últimos dias da existência subia a escada do coro agarrado ao braço de um de
seus discípulos. Quase sempre era o professor Lino quem se incumbia de levá–lo
às alturas, com paciência e carinho. E quando o maestro chegava ao coro criava
alma nova, parecia que havia remoçado alguns anos, era outra criatura”.
Ao
final da Revolução Farroupilha, segundo o historiador Dante de Laytano
(1908-2000), ele retornou a Rio Pardo, visando a exumar os restos mortais de
seu comandante, o coronel Lisboa, para dar-lhe um destino apropriado de acordo
com sua dedicação ao Exército Imperial.
Após
o acordo de Paz, em Ponche Verde, em 1845, o maestro, que era monarquista
convicto, regeu à porta do antigo Palácio, em Porto Alegre, uma banda de
música, prestando uma homenagem ao Barão de Caxias, seu amigo e presidente da
Província, que havia ganho de dom Pedro II o título de “O Pacificador”. O nome
do maestro se encontra entre os subsescritores das despesas para o banquete, em
1845, em homenagem ao imperador dom Pedro II e à sua esposa imperatriz Teresa
Cristina.
O
maestro negro, Joaquim Mendanha, faleceu, em 02 de setembro de 1885, aos 85
anos, legando às gerações vindouras a composição do Hino Rio-Grandense, além de
várias realizações importantes no campo da música. Seu talento e o pioneirismo
de seu trabalho se destacaram numa época de conservadorismo e escravidão. Com
certeza, o maestro, natural de Minas Gerais,, que viveu em Porto Alegre, por
quase 50 anos, dedicando-se à música, merece o reconhecimento dos gaúchos de todas
as querências que apreciam a arte musical.
*
Pesquisador e Coordenador do setor de imprensa do Musecom
Vídeo/
Hino Farroupilha: / Hino Farroupilha :
http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/jornal-do-almoco/videos/v/em-1838-durante-a-revolucao-farroupilha-foi-composta-a-melodia-do-hino-rio-grandense/2553024/
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