Golpes
de Estado. Sabotagem de novos polos de poder, como os BRICS. Estímulo às
guerras religiosas. Destruição deliberada de Estados-Nação. Como deter os EUA,
em seu declínio apocalíptico?
Nazanín
Armanian | Outras Palavras | Tradução: Antonio Martins
“O
que é mais importante para a história mundial? O Taliban ou o colapso do
império soviético?” Foi a resposta do ex-assessor de segurança do presidente
Jimmy Carter, Zbigniew Brzezinski, à pergunta da revista francesa “Le Nouvel
Observateur” (em 21/1/1998) sobre as atrocidades cometidas pelos jihadistas da
Al Qaeda.
Nesta
entrevista, Brzezinski confessa algo mais: os jihadistas não chegaram do
Paquistão para libertar sua pátria dos ocupantes soviéticos infiéis. Seis meses
antes da entrada do Exército Vermelho no Afeganistão, os EUA puseram em marcha
a Operação Ciclone. Enviaram ao Afeganistão, em julho de 1979, 30 mil
mercenários, armados inclusive com mísseis Stinger para arrasar o país,
difundir o terror, derrubar o governo marxista do doutor Nayibolá e atrair a
União Soviética a uma cilada: o país seria convertido em seu Vietnã.
E
conseguiram. De passagem, violaram milhares de mulheres, decapitaram milhares
de homens e provocaram a fuga de cerca de 18 milhões de pessoas de suas casas –
quase nada… O caos continua até hoje.
Esta
foi a pedra angular sobre a qual se levantou o terrorismo “jihadista” e a que
Samuel Huntington deu cobertura teórica, com seu Choque de
Civilizações. Assim, os EUA conseguiram dividir os pobres e deserdados do
Ocidente e do Oriente, fazendo com que se matassem no Afeganistão, Iraque,
Iugoslávia, Iêmen, Líbia e Síria. Confirmava-se a sentença de Paul Valery: “A
guerra é um massacre entre gente que não se conhece, em proveito de gente que
se conhece mas não se massacra”.
Conseguiram
neutralizar a oposição de milhões de pessoas às guerras e converter a empatia
em ódio. Com o método nazista de que “uma mentira repetida mil vezes
converte-se numa verdade”: O atentado de 11 de Setembro não foi cometido pelos
talibãs afegãos. Em 2001, a CIA havia implicado o governo da Arábia Saudita no
massacres. Por que, então, os EUA invadiram e ocuparam o Afeganistão?
O
Iraque não tinha armas de destruição em massa. O único país no Oriente Médio
que as possui, e de forma ilegal, é Israel – graças aos EUA e à França.
Tampouco os EUA necessitavam invadir o Iraque para se apoderar de seu petróleo.
Demolir o Estado iraquiano tinha vários motivos, como eliminar um potencial
inimigo de Israel e ocupar militarmente o coração do Oriente Médio.
As
cartas com antrax que mataram 5 pessoas nos EUA, em 2001, não eram enviadas por
Saddam Hussein, ao contrário do que jurava o general Collin Powell – mas por
Bruce Ivins, biólogo dos laboratórios militares de Fort Derrick, em Maryland,
que “se suicidou” em 2008.
A
(possível) morte de Bin Laden, agente da CIA, foi oculta até a pantomima
organizada em 1º de maio de 2011 por Obama, no assalto hollywoodiano das tropas
SEAL a uma casa em Abottabad. A primeira-ministra do Paquistão, Benazir Bhutto,
já havia afirmado em 2 de novembro de 2007 que o saudita havia sido assassinado
por um possível agente do serviço secreto britânico M16 (talvez em 2002).
Benazir foi assassinada menos de um mês depois desta revelação. Manter Bin
Laden “vivo” durante 8 ou 9 anos serviu aos EUA para aumentar o orçamento do
Pentágono (de 301 milhões de dólares em 2001 a US$ 720 milhões, em 2011); para
ampliar os contratos de compra de armas da Boeing, Lockheed Martin, Raytheon e
outras; para vender milhões de aparelhos de segurança e câmeras de
vídeovigilância, espalhar cárceres ilegais pelo mundo, legitimar e legalizar o
uso da tortura, praticar assassinatos seletivos e coletivos (chamados de “danos
colaterais”) e para conceder a si mesmo o direito exclusivo de invadir e
bombardear o país que deseje.
Uma
vez testados os jihadistas no Afeganistão, a OTAN enviou-os à Iugoslávia, com o
nome de Exército de Libertação do Kosovo; depois à Líbia, sob o nome de “Ansar
al Sharia” e à Síria, onde primeiro foram denominados “rebeldes” e em seguida
tiveram cinco ou seis nomes diferentes. Nesta corporação terrorista
internacional, a CIA encarrega-se do treinamento; a Arábia Saudita e o Qatar,
do “caixa automático” – como disse o ministro alemão de Desenvolvimento, Gerd
Mueller; e a Turquia, membro da OTAN, acolhe, treina e cura os homens do Estado
Islâmico. São os mesmos países que formam a “coalizão antiterrorista”…
Como
dezenas de serviços de inteligência, os exércitos de cerca de 50 países e meio
milhão de efetivos da OTAN instalados no Iraque e Afeganistão gastaram bilhões
de dólares e euros na “guerra mundial contra o terrorismo”, durante quinze
longos anos – e não puderam acabar com alguns milhares de homens armados com a
espada e a adaga da Al Qaeda?
Assim
fabricaram o Estado Islâmico
Síria,
final de 2013. Os neoconservadores aumentam a pressão sobre o presidente
Obama para enviar tropas à Síria, e necessitam um casus belli. O veto
da Rússia e da China a uma intervenção militar, no Conselho de Segurança da
ONU, a ausência de uma alternativa capaz de governar o país, uma vez derrubado
ou assassinado o presidente Assad, e o temor de uma situação caótica na
fronteira de Israel eram parte do motivo de Obama para negar o plano. No
entanto, o presidente e seus generais perderam a batalha. Os setores mais
belicistas do Pentágono e a CIA, o Qatar, a Arábia Saudita, a Turquia e os
meios de comunicação alinhados assaltam a opinião pública com as imagens de
decapitações e violações cometidas por um tal Estado Islâmico. Quando o mundo
aceita que “é preciso fazer algo”, e por não ter permissão da ONU para atacar a
Síria, o Pentágono, o bombeiro pirômano, desenha uma engenharia militar especial.
Em
junho de 2014, um setor do Estado Islâmico na Síria e trasladado ao Iraque,
país sob controle dos EUA. Permite-se que ocupe com tranquilidade 40% do país,
aterrorizando cerca de oito milhões de pessoas, matando milhares de iraquianos,
violando mulheres e meninas.
Organizou-se
uma poderosa campanha de propaganda sobre a crueldade do Estado Islâmico –
semelhante à que foi feita contra os talibãs, que supostamente apedrejavam as
mulheres afegãs. Assim, foi possível “libertar” aquele país. Até a eurodeputada
Emma Bonino entrou na armadilha, encabeçando a luta contra a burca e olhando o
dedo, em vez da Lua! – e afirmo que, se o quartel-general dos terroristas
estivesse na Síria, este país deveria ser atacado.
Obama
afastou de forma fulminante o primeiro-ministro iraquiano Nuri al Maliki, por
se opor ao uso do território iraquiano para atacar a Síria. Objetivo alcançado:
os EUA puderam por fim bombardear, ilegalmente, a Síria, em setembro de 2014,
sem tocar nos “jihadistas” do Irak. Graças ao Estado Islâmico, hoje Washington
(e Paris, Londres e Berlin) contam hoje, pela primeira vez na História, com
bases militares na Síria. Dali, pensam poder controlar toda a Eurásia. A Síria
deixa de ser o único país do Mediterrâneo livre de bases militares dos EUA.
E
o mais surpreendente: desde então até julho de 2017, o Estado Islâmico mantém
ocupado o norte do Iraque sem que dezenas de milhares de soldados dos EUA
tenham feito nada. Ao final, o exército iraquiano e as milícias
estrangeiras xiitas libertaram Mosul, cometendo terríveis crimes contra os
civis.
O
terrorismo na estratégia do “Império do Caos”
O
terrorismo “jihadista” cumpre quatro papeis principais para os EUA: militarizar
o ambiente, nas relações internacionais, em prejuízo da diplomacia; destruir as
conquistas sociais, instalando Estados policiais (os atentados de Boston, Paris
e inclusive Orlando) e uma vigilância mundial; ocultar as decisões vitais dos
cidadãos; agir como rolo compressor, aplainando o caminho para a invasão por
Washington de determinados países; e provocar o caos, não como meio mas como
objetivo em si.
Durante
a Guerra Fria, Washington mudava os regimes na Ásia, África e América Latina,
por meio de golpes de Estado. Hoje, para colocar povos indomáveis de joelhos,
recorre a bombardeios, envia esquadrões da morte e sanções econômicas para
matá-los, debilitá-los, deixá-los sem hospitais, água potável e alimentos, para
que não levante a cabeça por gerações. Assim, converte Estados poderosos em
falidos para mover-se sem travas por seus territórios sem governo.
Os
EUA, que são desde 1991 a única superpotência mundial, foram incapazes de
manter o controle sobre os países invadidos, devido ao surgimento de outros
atores e alianças regionais, que reivindicam seu lugar no mundo. E decidiram
sabotar a criação de de uma ordem multipolar que alguns tentam gestar,
provocando o caos. Debilitaram o BRICS, conspirando contra Dilma Rousseff e
Lula, no Brasil. Impedem uma integração econômica na Eurásia, proposta pela
Rússia e Alemanha, e arquivada com a guerra na Ucrânia. Minam o projeto chinês
de Nova Rota da Seda e uma integração geoeconômica da Ásia e Pacífico, que
envolveria dois terços da população mundial. Em contrapartida, criam alianças
militares como a “OTAN sunita” e organizações terroristas com finalidade de
afundar o Oriente Médio em grandes guerras religiosas.
Ao
anunciarem que, diante da dificuldade de uma agressão militar, desenharam um
plano para a “mudança de regime” no Irã – um país imenso e muito povoado –os
EUA anunciam que colocarão em marcha uma política de desestabilização do país,
por meio de atentados e tensões étnico-religiosas. A mesma política que podem
aplicar na Coreia do Norte, Venezuela ou Bolívia e outros países de sua lista
do “Eixo do Mal”. Tudo a serviço de perpetuar sua hegemonia global absolutista
– inclusive a tentativa de derrubar um aliado como o presidente turco Erdogan,
cúmulo de intolerância.
Dias
antes dos atentados trágicos na Catalunha, o Estado Islâmico atacou a aldeia
afegã de Mirza Olang. Encheu várias fossas comuns, com ao menos 54 cadáveres de
mulheres e homens e três de crianças decapitadas. Sequestrou cerca de 40
mulheres e meninas, para violá-las.
Conclusão:
o “jihadismo” não é fruto da exclusão dos muçulmanos, nem sequer resultado da
lógica de vasos comunicantes e do regresso dos “terroristas que criamos no
Oriente”. “Vossa causa é nobre e Deus está convosco”, disse Zbigniew Brzezinski
a suas criaturas, os jihadistas.
*
Nazanín Armanian é formada em Ciencias Políticas. Ministra aulas nos cursos
on-line da Universidade de Barcelona. É colunista do diário on-line publico.es.
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