sábado, 23 de setembro de 2017

CASTELA versus CATALUNHA | Conflito em Barcelona: as razões do plebiscito



Governo conservador espanhol reprime luta pela independência. População resiste. Fala-se em “estado de emergência de fato”. Um brasileiro explica por que votará

Flávio Carvalho* | Outras Palavras

Os sinais de que a democracia está em crise em toda a parte eclodiram ontem (20/9) em Barcelona, capital da Catalunha. Por ordem do governo espanhol, chefiado pelo primeiro-ministro conservador Mariano Rajoy, policiais enviados desde Madrid desencadearam uma vasta operação repressiva contra a luta catalã pela independência. Catorze membros do governo regional foram presos, entre eles, o vice-presidente da Catalunha. Dez milhões de cédulas de votação, para um plebiscito pró-autonomia marcado para 1º de outubro, foram confiscadas, assim como as convocações para 45 mil mesários.

A população respondeu. Poucas horas depois da operação policial, dezenas de milhares de pessoas, a maioria muito jovens, foram às ruas. Em alguns casos, os manifestantes cercaram integrantes da polícia nacional, encarregada da repressão. A multidão gritou em coro: “Forças de ocupação fora!” e “As ruas são nossas!”. A mobilização foi retomada hoje (21/9). A prefeita de Barcelona, Ada Colau, exortou os que se manifestam a se manter nas ruas, pacificamente. Acrescentou que a provocação de Rajoy daria ainda mais força aos anseios de independência. Já o presidente da região, Carles Puigdemont, acusou o Estado Espanhol de impor um “estado de emergência de fato” e de conspirar contra os poderes locais apertando o torniquete sobre as finanças catalãs.

Nada indica, neste momento, que a violência freará o plebiscito. No texto a seguir, Flávio Carvalho, um brasileiro que reside em Barcelona, explica as razões que o levarão a comparecer às urnas. “Parem de falar em meu nome”, diz ele, aludindo à crise da representação: “Deixem-me votar. Essa solução já foi inventada, séculos atrás. Chama-se democracia”… (Antonio Martins)

Cinco argumentos em favor do plebiscito catalão

1. Dos doze anos que moro na Catalunha, mesmo quem não é independentista já não aguenta mais escutar a boca dos políticos dizerem, supostamente em meu nome, o que eu mesmo quero dizer. Parem de ficar especulando que a maioria “quer isso ou aquilo”! Deixem-me votar, afinal, e expressar-me, definitivamente. E coletivamente, junto ao povo que eu escolhi para compartilhar minha vida, em família, em paz. Essa solução já foi inventada, séculos atrás, se chama democracia e consiste em poder, simplesmente e livremente, colocar um voto numa urna. Contra os que não gostam disso ou morrem de medo de urnas, eu vou votar no dia 1 de outubro.

2. Como brasileiro, na pior das crises políticas do meu país de origem, o Brasil, eu sempre apostei pelos valores republicanos. Digam o que quiserem, mas, para mim, a antítese da república é a monarquia. E eu me agarro com unhas e dentes a qualquer possibilidade republicana de abolir monarquias em qualquer lugar do mundo. Na Espanha, no dia 1, vou votar pela república e por uma opinião política antimonarquista. Viva a liberdade de expressão.

3. Gosto muito de diversas coisas da Espanha. E da Catalunha. E não gosto de outras. Nem da Espanha nem da Catalunha. Mas não se trata de enfrentamentos nem de desgostos. E sim de uma possibilidade de que um casal, por exemplo, possa viver mais plenamente suas vidas, separados e reconstruindo seus futuros, com respeito, confiança, diálogo e esperanças. Nem melhor, nem pior. Livres! Violência de gênero é também quando o dominador não permite que a pessoa dominada possa decidir livremente sobre o seu futuro. E assim a obriga a sobreviver ao seu lado, decidindo unilateralmente o que “é melhor pra você, que está ficando louca… meu bem”. Votarei contra a opressão. Um voto pela liberdade, sobretudo.

4. Adquiri, com muito esforço, a nacionalidade espanhola. Evidentemente, sem renunciar (jamais!) à nacionalidade brasileira. Mas nunca fui nem nunca serei nacionalista. Eu simplesmente defendo o direito de autodeterminação dos povos (do povo palestino e dos saharauis, além de vários exemplos sem visibilidade no mundo). Pois, para mim, aprovar moções de apoio aos processos de autodeterminação dos povos de vários cantos do mundo sempre foi muito mais que um trâmite a cumprir no final de inúmeros congressos de organizações de esquerda que participei desde o final dos anos 90. É um gesto de coerência. Votarei pelos tratados internacionais que reafirmam a autodeterminação como um direito humano. Fundamental.

5. Compreendo perfeitamente o quanto é difícil e estranho para meus amigos brasileiros compreenderem essa minha posição política. Prefiro até que eles fujam de comparações esdrúxulas e descontextualizadas. Se cada cabeça é um mundo, comparar países diversos, com histórias que foram contadas sempre pelos vencedores (opressores) pode ser um caminho muito perigoso. Assim como meus amigos brasileiros desconhecem que a unidade espanhola foi forjada pela ditadura ocidental que mais tempo durou no poder, eu já estive sem informação sobre isso. Eu deveria ter lido mais sobre Apolônio de Carvalho… Mas sempre há tempo para o conhecimento. Já estive absolutamente desinformado sobre o que podia estar acontecendo na Catalunha e somente pautando a minha opinião pelo que engolia dos grandes meios de comunicação. Estando aqui, aprendi a ter certeza que esse bloqueio informativo muito interessa ao Reino da Espanha. Ao Rei e ao seu Presidente, do partido de direita (e dos que já disseram um dia que já foram de esquerda) que herdou o resquício dos franquistas. Por essas e por outras, decidi, não sem pagar um preço por isso, me informar, ler, debater, conhecer… escutar. E agora, como não podia ser diferente, me dedico a fomentar mais esse debate, principalmente com compatriotas brasileiros. Sem esquecer que os mesmos espanhóis que são hoje contra o Referendo, foram contra que se falasse sobre isso nas ruas, proibindo até mesmo que se falasse no idioma próprio: o catalão. Somente por isso, por conhecer inúmeros vizinhos que já foram proibidos de falar a língua dos seus próprios pais, já tenho suficiente razão para simpatizar com o catalanismo de esquerdas, anticapitalista e libertário.

Por tudo isso, no dia 1 de outubro, a não ser que me prendam por isso, votarei SIM no Referendo catalão. Por Gandhi. Por Mandela. Que no seu tempo, também foram injustamente considerados “ilegais”.

E pelo escritor e dramaturgo italiano Dario Fo, Prêmio Nobel, como os tantos outros Prêmios Nobel da Paz e personalidades internacionais que assinaram o manifesto LETS CATALANS VOTE!
* Flávio Carvalho, sociólogo. Barcelona, 7 de setembro de 2017, dia da Independência (do Brasil).

Sem comentários:

Mais lidas da semana