Governo
conservador espanhol reprime luta pela independência. População resiste.
Fala-se em “estado de emergência de fato”. Um brasileiro explica por que votará
Flávio
Carvalho* | Outras Palavras
Os
sinais de que a democracia está em crise em toda a parte eclodiram ontem (20/9)
em Barcelona, capital da Catalunha. Por ordem do governo espanhol, chefiado
pelo primeiro-ministro conservador Mariano Rajoy, policiais enviados desde
Madrid desencadearam uma vasta operação repressiva contra a luta catalã pela
independência. Catorze membros do governo regional foram presos, entre eles, o
vice-presidente da Catalunha. Dez milhões de cédulas de votação, para um
plebiscito pró-autonomia marcado para 1º de outubro, foram confiscadas,
assim como as convocações para 45 mil mesários.
A
população respondeu. Poucas horas depois da operação policial, dezenas de
milhares de pessoas, a maioria muito jovens, foram às ruas. Em alguns casos, os
manifestantes cercaram integrantes da polícia nacional, encarregada da
repressão. A multidão gritou em coro: “Forças de ocupação fora!” e “As ruas são
nossas!”. A mobilização foi retomada hoje (21/9). A prefeita de Barcelona, Ada
Colau, exortou os que se manifestam a se manter nas ruas, pacificamente.
Acrescentou que a provocação de Rajoy daria ainda mais força aos anseios de
independência. Já o presidente da região, Carles Puigdemont, acusou o Estado
Espanhol de impor um “estado de emergência de fato” e de conspirar contra os
poderes locais apertando o torniquete sobre as finanças catalãs.
Nada
indica, neste momento, que a violência freará o plebiscito. No texto a seguir,
Flávio Carvalho, um brasileiro que reside em Barcelona, explica as razões que o
levarão a comparecer às urnas. “Parem de falar em meu nome”, diz ele, aludindo
à crise da representação: “Deixem-me votar. Essa solução já foi inventada,
séculos atrás. Chama-se democracia”… (Antonio Martins)
Cinco
argumentos em favor do plebiscito catalão
1.
Dos doze anos que moro na Catalunha, mesmo quem não é independentista já não
aguenta mais escutar a boca dos políticos dizerem, supostamente em meu nome, o
que eu mesmo quero dizer. Parem de ficar especulando que a maioria “quer isso
ou aquilo”! Deixem-me votar, afinal, e expressar-me, definitivamente. E
coletivamente, junto ao povo que eu escolhi para compartilhar minha vida, em
família, em paz. Essa solução já foi inventada, séculos atrás, se chama
democracia e consiste em poder, simplesmente e livremente, colocar um voto numa
urna. Contra os que não gostam disso ou morrem de medo de urnas, eu vou votar
no dia 1 de outubro.
2.
Como brasileiro, na pior das crises políticas do meu país de origem, o Brasil,
eu sempre apostei pelos valores republicanos. Digam o que quiserem, mas, para
mim, a antítese da república é a monarquia. E eu me agarro com unhas e dentes a
qualquer possibilidade republicana de abolir monarquias em qualquer lugar do
mundo. Na Espanha, no dia 1, vou votar pela república e por uma opinião
política antimonarquista. Viva a liberdade de expressão.
3.
Gosto muito de diversas coisas da Espanha. E da Catalunha. E não gosto de
outras. Nem da Espanha nem da Catalunha. Mas não se trata de enfrentamentos nem
de desgostos. E sim de uma possibilidade de que um casal, por exemplo, possa
viver mais plenamente suas vidas, separados e reconstruindo seus futuros, com
respeito, confiança, diálogo e esperanças. Nem melhor, nem pior. Livres!
Violência de gênero é também quando o dominador não permite que a pessoa
dominada possa decidir livremente sobre o seu futuro. E assim a obriga a
sobreviver ao seu lado, decidindo unilateralmente o que “é melhor pra você, que
está ficando louca… meu bem”. Votarei contra a opressão. Um voto pela
liberdade, sobretudo.
4.
Adquiri, com muito esforço, a nacionalidade espanhola. Evidentemente, sem
renunciar (jamais!) à nacionalidade brasileira. Mas nunca fui nem nunca serei
nacionalista. Eu simplesmente defendo o direito de autodeterminação dos povos
(do povo palestino e dos saharauis, além de vários exemplos sem
visibilidade no mundo). Pois, para mim, aprovar moções de apoio aos processos
de autodeterminação dos povos de vários cantos do mundo sempre foi muito mais
que um trâmite a cumprir no final de inúmeros congressos de organizações de
esquerda que participei desde o final dos anos 90. É um gesto de coerência.
Votarei pelos tratados internacionais que reafirmam a autodeterminação como um
direito humano. Fundamental.
5.
Compreendo perfeitamente o quanto é difícil e estranho para meus amigos
brasileiros compreenderem essa minha posição política. Prefiro até que eles
fujam de comparações esdrúxulas e descontextualizadas. Se cada cabeça é um
mundo, comparar países diversos, com histórias que foram contadas sempre pelos
vencedores (opressores) pode ser um caminho muito perigoso. Assim como meus
amigos brasileiros desconhecem que a unidade espanhola foi forjada pela
ditadura ocidental que mais tempo durou no poder, eu já estive sem informação
sobre isso. Eu deveria ter lido mais sobre Apolônio de Carvalho… Mas sempre há
tempo para o conhecimento. Já estive absolutamente desinformado sobre o que
podia estar acontecendo na Catalunha e somente pautando a minha opinião pelo
que engolia dos grandes meios de comunicação. Estando aqui, aprendi a ter
certeza que esse bloqueio informativo muito interessa ao Reino da Espanha. Ao
Rei e ao seu Presidente, do partido de direita (e dos que já disseram um dia
que já foram de esquerda) que herdou o resquício dos franquistas. Por essas e
por outras, decidi, não sem pagar um preço por isso, me informar, ler, debater,
conhecer… escutar. E agora, como não podia ser diferente, me dedico a fomentar
mais esse debate, principalmente com compatriotas brasileiros. Sem esquecer que
os mesmos espanhóis que são hoje contra o Referendo, foram contra que se
falasse sobre isso nas ruas, proibindo até mesmo que se falasse no idioma
próprio: o catalão. Somente por isso, por conhecer inúmeros vizinhos que já
foram proibidos de falar a língua dos seus próprios pais, já tenho suficiente
razão para simpatizar com o catalanismo de esquerdas, anticapitalista e
libertário.
Por
tudo isso, no dia 1 de outubro, a não ser que me prendam por isso, votarei SIM
no Referendo catalão. Por Gandhi. Por Mandela. Que no seu tempo, também foram
injustamente considerados “ilegais”.
E
pelo escritor e dramaturgo italiano Dario Fo, Prêmio Nobel, como os tantos
outros Prêmios Nobel da Paz e personalidades internacionais que assinaram o
manifesto LETS CATALANS VOTE!
* Flávio Carvalho, sociólogo. Barcelona, 7 de setembro de 2017, dia da
Independência (do Brasil).
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