Miguel
Guedes | Jornal de Notícias | opinião
É
bem provável que boa parte dos compradores dos vistos gold portugueses nunca
cheguem a viver em Portugal. Não só porque a isso não são obrigados mas também
porque nunca foi segredo para ninguém que escapar da prisão para viajar é
tarefa árdua. Alguns deles estão hoje presos. Outros, acusados ou em
investigação. A maioria, não cuida de cá vir apesar de ter tentado
encontrar-nos a custo no mapa. A autorização de residência que permite circular
em todo o espaço Schengen, adquirida pela módica quantia imóvel de 500 mil
euros com um conjunto de obrigações facilmente iludíveis, foi a maior pechincha
do Governo PSD/CDS em tempo de troika. Infelizmente, não para portugueses. Para
portugueses não saiu nada barato. E foi assim que alguns cidadãos do Mundo com
mais do que um pé-de-meia no chinelo, passaram a saber - em 2013 e 2014 - onde
ficava Portugal. Aquele país facilitador e que se pôs convenientemente a jeito
para ser a primeira das máquinas de lavar da Europa. Entretanto, alguns deles e
em sede própria, desataram a lavar a jato.
Nesses
anos dourados de aperto do cinto, poucos foram os que estrangularam pelo nó da
gravata. Nestas coisas das benesses de mercado, o colarinho ainda tem um peso
muito específico. Aqueles que agora vociferam contra a nova lei da imigração
por permitir a autorização de residência a quem apresente promessa de contrato
de trabalho e inscrição na Segurança Social, são aqueles que nunca cuidaram de
perguntar de onde vinha o dinheiro para a compra dos imóveis portugueses
prontos a lavar ou de saber quantos postos de trabalho reais foram criados
pelos vistosos vistos. Oito. Já se cantava na canção-peçonha "Uma casa
portuguesa": "A alegria da pobreza está nesta grande riqueza de dar e
ficar contente". Para Passos e Portas, esta cantilena valeu ouro nos anos
dos vistos dourados.
O
Diabo não apareceu mas, enquanto gozava descanso e esfregava o olho, a Standard
& Poor"s retirou Portugal do lixo. Em boa verdade, ninguém se cansou
de esperar: a Moody"s pode reavaliar o rating de Portugal antes do previsto
e a Fitch admite alterar o seu calendário de avaliações. O Diabo está confuso.
Estas três agências, patronos da notação financeira mundial, não deram pela
falência da Lehman Brothers em 2008 e reagiram com surpresa à crise das dívidas
soberanas, mas (pasme-se) olham para Portugal com animação depois da transfusão
de sangue a que nos obrigaram. Talvez tenham a sensação do dever cumprido,
abutres deixando o quase cadáver. Agora que Mário Centeno, no ponto de aceitar
o rebuçado, admite caucionar positivamente o agressor submetendo-se à votação
para liderar o "futuro-extinto" Eurogrupo, confirma-se que o Diabo
não apareceu mas que deve estar a cantar, divertido, "Uma casa
portuguesa". Vai ser tão bom, não foi?
*
Músico e jurista
O
autor escreve segundo a antiga ortografia
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