Sofia
Lorena*
A
intervenção do Governo espanhol na Catalunha justificou-se com a necessidade de
“repor a legalidade” e “devolver aos catalães a normalidade” interrompida pelo
desafio dos independentistas. Uma semana depois da entrada em vigor dos
decretos de aplicação do artigo 155 da Constituição, com a dissolução do
parlamento autonómico e a destituição da Generalitat, nas casas e ruas da
Catalunha há tudo menos normalidade.
“E
se volta a ganhar o independentismo?”, pergunta no seu “blogue contra a DUI”
(declaração unilateral de independência) o insuspeito Lluís Bassets,
director-adjunto do El País. “Como no banho turco passamos da água a
ferver à água gelada”, começa Bassets. “Numa semana pensamos que vamos entrar
numa nova normalidade e na seguinte regressamos à tensão máxima. De novo, pesa
mais a política das emoções, impulsionada pelo encarceramento de meio governo e
a fuga da outra metade”, descreve.
Se
é compreensível que Carles Puigdemont, na sua estratégia de defesa, exija saber
de Madrid se vai respeitar os resultados das eleições autonómicas marcadas para
21 de Dezembro na Catalunha por Mariano Rajoy, já é menos normal que Bassets
precise das mesmas garantias. “Partimos do princípio, a respeito do qual se
necessitariam de esclarecimentos bem explícitos por parte da Moncloa, do
levantamento do artigo 155 no dia seguinte às eleições”.
Com
os saltos entre banhos de água gelada e queimaduras de água a ferver que se
prepararam para as próximas semanas, não vale a pena fixarmo-nos demasiado em
cada sondagem. Certo é que Rajoy perdeu depressa o respeito e o capital
político que conseguira ao transformar o recurso a um artigo muito polémico
numa transferência de poderes aparentemente serena e minimizada pela
convocatória rápida de eleições. Cansados e confusos, os independentistas só se
manifestaram de forma simbólica e a mobilização doutros tempos parecia ter
ficado no passado.
Tudo
isto desapareceu na quinta-feira, quando a juíza Carmen Lamelas decretou prisão
preventiva para o vice-presidente de Puigdemont e líder da ERC, Oriol
Junqueras, e oito dos seus ex-conselheiros. A juíza, claro está, é
independente. Já o Procurador-Geral que pediu a prisão preventiva “deve
obedecer ao Governo em assuntos de Estado”, escreve Joan Tapia, veterano
jornalista catalão, ex-director do jornal La Vanguardia, nas páginas do
diário El Periódico. A Catalunha “é um assunto de Estado”, insiste.
Tapia
sublinha a contradição entre duas decisões judiciais quase simultâneas – enquanto
Lamelas mandava meio governo para a prisão, o Tribunal Supremo dava
aos seis membros da Mesa do Parlamento catalão uma semana para preparar as suas
declarações, uma vez que tinham sido notificados com pouco mais de 24 horas de
antecedência.
Há
poucos dados adquiridos na Catalunha destes dias. Segundo uma sondagem do La
Vanguardia, 80% dos eleitores planeiam ir às urnas em Dezembro. A semana
passada, vários analistas garantiam ao PÚBLICO que a participação de 77%, de
2015, nunca seria ultrapassada. Confusos com a fuga de Puigdemont para Bruxelas
e a incapacidade para aplicar a independência proclamada, os independentistas
poderiam ficar em casa. Agora, com os seus eleitos na prisão, as organizações
soberanistas marcam mobilizações diárias e já planeiam uma visita a Bruxelas.
“Os
possíveis erros de cálculo do soberanismo são sempre legitimados pela reacção,
cega de vingança, do Governo e da Justiça espanhóis”, escreve no diário
independentista Ara a directora, Esther Vera. Com o regresso da indignação,
“tudo se voltou a envenenar e há questões inquietantes sobre a identidade do
agente provocador”, conclui Tapia. “É o pior do pior”.
*em
Análise/opinião | Público
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