Assistimos
nas últimas semanas a uma nova tentativa de suavização da História mediante a
celebração do Centenário da Revolução de Outubro e da ascensão de Lenin ao
poder.
Nelson Oliveira* |
Jornal Tornado
Esta
é apenas uma das várias tentativas de menorização de genocídios ou sacralização
de ditadores que temos vindo a assistir paulatinamente ao longo dos tempos,
precisamente quando temos cada vez mais informação e de forma muito acessível.
“Fotografem,
façam filmes, reúnam testemunhos. A certa altura da História um idiota vai
erguer-se e dizer que isto nunca aconteceu” – General Dwight D. Eisenhower
(1945), após libertar um campo de concentração Nazi.
O
“Negacionismo do Holocausto” é talvez a face mais visível e absurda de uma
tentativa recorrente de hoje em dia se menosprezar, mascarar ou diminuir
propositadamente as implicações, os crimes e o horror praticado por diversos
tipos de pessoas ao longo da História Mundial.
Talvez
já conhecendo este comportamento, o General Americano Dwight D. Eisenhower,
após libertar um campo de concentração nazi solicitou que os países aliados
enviassem uma série de jornalistas e fotógrafos para noticiarem todas aquelas
atrocidades nazis e reunissem provas documentais, porque algum dia, alguém iria
contestar e afirmar que aquelas barbaridades nunca existiram – Mahmoud
Ahmadinejad, ex-presidente do Irão foi um dos vários líderes mundiais que
recentemente negaram a existência do Holocausto. O historiador britânico David
Irving e o campeão mundial de Xadrez Bobby Fisher são outras individualidades
que postulam o negacionismo ou revisionismo do Holocausto.
A
Santificação de Salazar
Em
Portugal e de uma forma cada vez mais acentuada, há quem tente, nomeadamente
através das verdades inquestionáveis das redes sociais, apagar a brutalidade do
Salazarismo e quase que endeusar o ditador – sintoma bem expresso no programa
da RTP (2007) quando este foi eleito o “maior Português de sempre” à frente de
nomes como Aristides de Sousa Mendes.
Imagens
com frases inventadas ou descontextualizadas a promoverem um homem “íntegro,
impoluto, mestre nas finanças e pessoa séria” são recorrentes e difíceis de
contrariar face à voracidade e discurso inflamado das redes sociais, que mesmo
desconhecendo a História, apenas importa destratar o presente e vangloriar o
passado, seja ele qual for.
Dizer
que Salazar “pagava as suas próprias contas”, não só é falso porque foi dos
poucos chefes de Estado que viveu efetivamente no Palácio de S. Bento e
legitimamente, diga-se, às “custas do Estado”; mas sim, uma tentativa de alguns
fascistas que ainda por cá andam de alterarem uma história bem conhecida e
escrita no livro publicado por Franco Nogueira (ex-Ministro de Salazar). Nesse
livro e recordado recentemente pelo jornal online Observador,
explica-se a verdadeira história que levou à crença que o ditador pagava as
“suas contas”.
Salazar
tinha uma amante francesa – Christine Garnier, que sempre que vinha a Portugal
encontrar-se com o Presidente do Conselho, Salazar pagava todas as suas
despesas através da família Espírito Santo, para que esta relação fosse
escondida o máximo possível do círculo mais próximo do poder fascista.
Referirem-se
também a um ditador impoluto que não cedia a nada, nem beneficiava os seus
amigos fascistas é outra questão sem qualquer correspondência com a realidade e
bem patente nos seus arquivos pessoais na Torre do Tombo. António Araújo,
“historiador e constitucionalista, consultor político do Presidente da
República” Cavaco Silva, estudou os arquivos pessoais de Salazar e afirmou ao
Expresso que a “longevidade de Salazar” no poder deveu-se à “administração da
cunha” adiantando que, cito, “não houve praticamente nenhum general que, depois
de exercer funções políticas, não acabasse num conselho de administração de uma
empresa. Nisso, Salazar era habilíssimo. Fiz um levantamento da correspondência
de todos os professores de Direito, de Lisboa e Coimbra, com Salazar, a partir
da documentação existente no Arquivo Oliveira Salazar. Como sabe, Salazar
guardava tudo. Basta ir à Torre do Tombo e consultar o Arquivo Salazar para o
perceber…” (António Araújo, 2012)
Estas
são apenas duas das muitas deturpações sobre o período do Estado Novo que
alguns teimam em prestar o seu saudosismo e apagar uma história de pobreza,
guerra, analfabetismo, miséria, censura e delito de opinião por uma história de
verticalidade e exigência baseada em mentiras misturadas com algumas verdades.
A
Revolução de Outubro e as “maravilhas” da URSS
No
meio destas amnésias seletivas que são mais ou menos recorrentes, nas últimas
duas semanas surgiu outra deturpação e meia-verdade que também merece destaque.
Assinalou-se
o centenário da Revolução de Outubro que, a par dos eventos de Fevereiro de
1917 culminaram com o derrube dos Czares e trouxe uma nova visão política e
social, não só para aquele território, como para o Mundo.
Não
há dúvida que a revolução liderada por Lenin trouxe muitas mudanças positivas
em alternativa a um decrépito poder Czarista. Como recorda Pedro Tadeu (DN)
“foi instituído o voto universal, assistência médica e educação gratuitas,
legalização do divórcio”, entre outras questões fraturantes e que foram
pioneiras.
Houve,
sem dúvida, uma tentativa de criar uma sociedade baseada na igualdade entre
cidadãos e nos primeiros anos sentiu-se alguma evolução económica, não deixando
de ser verdade que era quase impossível um país que tinha batido no fundo não
sentir melhorias mínimas. Mas da teoria ou das intenções à realidade, a
distância é muita…
Com
tantos documentários nas televisões a demonstrarem o que efetivamente foi a
URSS, lamento que algumas pessoas com elevadas responsabilidades políticas,
nomeadamente no PCP, mas também no BE e uma ou outra pessoa no PS, tenham
elogiado esta revolução e principalmente aquilo que ela significou no futuro,
sem que tenham tido em conta as atrocidades que provocaram, as mortes e o
genocídio de milhares e milhares de pessoas ao longo dos anos subsequentes,
mais particularmente nas mãos de Stalin.
Apagar
a história ou dourá-la, tornando-a parcial, é péssimo. Não só porque induz em
erro quem a desconhece, como omite práticas que deveriam em 2017 merecer um
elevado repúdio, venham elas de onde vierem.
José
Milhazes, antigo militante do PCP, Jornalista e ex-correspondente da RTP em
Moscovo, viveu décadas na Rússia e respondeu a Jerónimo de Sousa num artigo de
opinião – “O PCP e a Revolução de Outubro: hoje não é o dia das mentiras”,
referindo-se a algumas evidências que o PCP teima em não reconhecer como
malefícios desta revolução e que em muitos casos, jamais se compadecem com o
verdadeiro Comunismo de Marx.
A
“abolição da propriedade privada” teorizada por Marx e Engels foi levada de
forma literal, retirando o direito de opinião e liberdade individual a cada
cidadão que tentava fugir em massa para o ocidente, tal como atualmente os
Norte Coreanos tentam fugir para a Coreia do Sul.
O
próprio José Milhazes identifica este sentimento com a anedota soviética. “O
que é um trio soviético? É o que resta de uma orquestra do Teatro Bolshoi
depois de uma digressão pelo Ocidente”.
Cerca
de 60 milhões de pessoas foram mortas pelos Bolcheviques. Foram criados os
Gulags – campos de trabalhos forçados para criminosos e presos políticos onde
até há registos de práticas de canibalismo. O Stalinismo ajudou a enfrentar o
Nazismo e a libertar a Europa, mas de seguida capturou parte dela. Estas são
apenas algumas linhas das quais ninguém se poderá orgulhar, muito menos
idolatrar um acontecimento como se fosse “a mãe de todas as revoluções”.
Não
há bons nem maus ditadores. Quem mata propositadamente milhares de pessoas,
quem promove guerras, fome, miséria e censura o livre pensamento, não merece
ser recordado por boas razões, muito menos merece que na era da informação o
povo ignore as evidências históricas e embarque em interpretações douradas de
uma dura e cruel realidade histórica que jamais devemos permitir que se repita.
In:
TVS
*Nelson
Oliveira: Psicólogo clínico, membro da Assembleia Municipal e da Direcção dos
Bombeiros de Lousada
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