Miguel
Tiago, deputado do Partido Comunista Português, é o entrevistado de hoje do
Vozes ao Minuto.
No
Parlamento há cerca de 12 anos, Miguel Tiago tornou-se um dos nomes mais
conhecidos no seio do PCP. Os primeiros anos da sua juventude
aproximaram-no de causas estudantis e, daí até à Juventude Comunista
Portuguesa, foi um passo pequeno, tendo em conta a educação que teve.
O
deputado, de 38 anos, cedeu uma entrevista ao Notícias ao Minuto onde
falou sobre o início da sua vida enquanto militante do PCP, da atualidade, da
'Geringonça', do Bloco de Esquerda e do Presidente da República.
Miguel
Tiago recorda que a solução governativa à Esquerda, à qual não chamaria maioria
parlamentar, surgiu num momento em que a Esquerda sentiu que tinha de 'travar'
as políticas de Direita.
Para
que tal continue a ser possível, o deputado enfatiza que o PCP é
essencial. E, embora os comunistas queiram fazer mais, não deixam de dar valor
ao caminho de reposição que está a ser seguido.
Apesar
disso, a ideia de 'juntos somos mais fortes' é contrariada por Miguel Tiago,
convicto de que se a Esquerda estivesse, de facto, junta em apenas um partido,
chegaria a menos franjas da sociedade. O Bloco de Esquerda merece-lhe
ainda alguns comentários, por acreditar que tem muito mais atenção
mediática do que o PCP.
Quanto
ao Presidente da República, o deputado acusa a comunicação social de fazer
de Marcelo Rebelo de Sousa uma figura religiosa, frisando que a busca por
popularidade é um dos maiores objetivos do chefe de Estado.
O
Partido Comunista faz parte da maioria parlamentar à Esquerda que apoia o
Governo. Alguma vez lhe passou pela cabeça uma 'Geringonça'?
Tenho
dificuldade em falar de 'maioria parlamentar'. Há uma maioria de deputados
na Assembleia da República que tem viabilizado o funcionamento do Governo. Nem
se pode dizer que o PCP apoia o Governo, o PCP viabiliza o Governo
porque não o deita abaixo. Este não é um programa que nós aplicaríamos em
Portugal. Esta situação é complexa e tem a ver com as situações concretas em
que nos encontramos, em que tínhamos uma Direita que estava pronta a destruir
ainda do que já tinha destruído, pronta a cilindrar os direitos dos
portugueses e a continuar aquele rumo.
Foi
uma necessidade de travar aquilo que estava a acontecer?
Foi
uma necessidade de travar aquilo que estava a acontecer. O PCP percebeu que poderia
não apenas viabilizar um governo do PS mas também, de certa forma, condicionar
um governo do PS que não tivesse uma maioria absoluta, por exemplo. Num governo
de maioria absoluta do PS o PCP não teria nada a dizer, ou a negociar,
porque sabemos que quando isso acontece o PS faz a política igual à de Direita.
Mas
o PCP entendeu que neste quadro era preciso travar o PSD e
o CDS e alguém teria de ir para o Governo. Perante a nomeação do
António Costa, o que o PCP fez foi não apresentar uma moção de
rejeição, ou seja, permitiu que o Governo entrasse em funções.
Mas
foi assinado um acordo entre o PCP e o Governo PS...
Foi
assinado um acordo por exigência do Cavaco Silva que não queria, nem por nada,
cumprir a Constituição. O PCP disse 'a nossa palavra é tão válida
como qualquer papel que assinemos' e Cavaco Silva pressionou para viabilizar
aquele governo porque não queria, estava ressabiado e revoltado
contra o próprio povo porque não tinha sido dada maioria a quem ele queria. Fez
de tudo para combater a possibilidade de outro governo ser constituído e o PCP identificou
um conjunto de elementos a que se pode chamar de posição comum entre dois
partidos. Identificámos o que era possível construir com base no cruzamento
entre os dois programas, é uma coisa simples, não implica que
o PCP desista de nada do seu programa, nem que o PS desista.
No
fundo, qual é a posição do PCP nesta solução?
A
posição do PCP é exatamente essa: garantir que enquanto a
situação política o permitir, todos os direitos dos trabalhadores que possam
ser recuperados, o sejam. O compromisso que o PCP assumiu foi de
aproveitar todas as oportunidades para melhorar a vida dos portugueses.
Nós
sabemos que se o PS continuar no Governo e, ainda mais, se reforçar a sua
maioria, mais cedo ou mais tarde estagnamos porque o país não está a resolver
os seus problemas estruturais, ou seja, o país precisa de produzir mais, de
valorizar o trabalho, as pensões, de diminuir a dívida, de se endividar
menos, do controlo público da banca, de sair do euro. Portanto, há elementos
que nós identificamos como absolutamente fundamentais que não estão a ser
percorridos, o que não significa que, neste espaço que está criado, não haja
alguns avanços, reposição de salários, de feriados, revogação da lei do aborto,
um conjunto de elementos que percebemos que com esta configuração podemos
resolver já.
As
outras coisas que o PCP considera absolutamente fundamentais
continuará a dizer que são necessárias. O PS não as quer fazer e, portanto, o
povo português também tem nas mãos a grande tarefa de ir avaliando até que
ponto é que este Governo PS pode continuar a seguir um caminho de progresso ou
até que ponto é que vai embater no muro.
Esse
muro é o euro, a dívida, a União Europeia, e o PCP o que propõe é
demolir esse muro e ultrapassá-lo. Enfim, está nas mãos dos portugueses se
querem reforçar aqueles que defendem partir o muro ou aqueles que preferem
continuar a caminhar de cabeça baixa ao lado do muro e não avançar.
A
maioria parlamentar só é conseguida em conjunto. Isso representa uma pressão
social para que tudo corra bem, pelo menos até às próximas eleições?
Eventualmente
haverá uma certa pressão popular, social e mediática, até, para que
ninguém parta esta solução. Porquê? Na minha opinião, parece-me que há uma
certa satisfação com esta solução política porque está a melhorar a vida das
pessoas e que, portanto, há e houve sempre o mito de que era preciso unir a
'Esquerda' [entre aspas a pedido de Miguel Tiago, por usar o termo Esquerda
para facilitar]. Afinal de contas, o PCP sempre disse que se os
resultados eleitorais permitirem, a 'Esquerda' entende-se, não é preciso haver
só um partido. Aliás, se houvesse só um partido de Esquerda, provavelmente não
teríamos conseguido este resultado. É precisamente porque há um conjunto de
partidos que se dizem de Esquerda que apanham franjas muito diferentes da
população e se tentássemos juntar estes partidos num só reduziríamos muito.
A
questão é sempre esta: 'em torno do que é que nos vamos unir?'. Havendo as
condições, a 'Esquerda' consegue pontos de encontro, não há uma união, mas é
uma concertação para levar a cabo um programa.
Essa
pressão social parece-me que vem de uma certa satisfação e, portanto, aqueles
que partirem a solução vão ser hostilizados e culpados por terem partido uma
solução que até estava a funcionar.
Na
minha opinião, eventualmente existe essa pressão, mas o PCP agirá
sempre de acordo com os seus princípios e de acordo com o balanço que o
seu coletivo fizer. O PCP quebrará ou não com este programa
na medida da sua própria avaliação e não de qualquer pressão. Enquanto participamos
nesta solução política é porque fazemos o balanço de que é isto que é acertado
fazer.
Mas
também há pressões no sentido contrário, de algumas franjas da sociedade que
dizem 'agora estão feitos com o PS'.
Olhando
para o que tem sido conseguido e com os olhos postos no futuro,
o PCP alguma vez ponderaria ir coligado com os restantes partidos a
eleições?
Como
disse anteriormente, acho que se houvesse a criação de uma só força política,
nós perderíamos muito. Por exemplo, eu jamais votaria no Bloco de Esquerda, por
isso, se o Bloco e o PCP se unissem, eu ficaria numa situação
delicada, eu e se calhar muitos outros que são do Bloco e nunca votariam
no PCP, não se identificam, é legítimo. Às vezes unir não soma, subtrai.
Neste
caso, separados são mais fortes?
Julgo
que quanto mais forte for a capacidade de cada uma das forças da
'Esquerda', quanto mais sólido for o seu projeto próprio, mais forte
será qualquer solução deste tipo, acho que é uma solução irrepetível, que
foi uma solução para responder a um caso muito concreto, para combater a
ascensão de um governo PSD/CDS que iria continuar um programa que já
tínhamos visto o que era.
Na
minha opinião, coligar não é uma questão que não está minimamente em cima da
mesa e julgo que não faria sentido como desenvolvimento da política atual.
Se
houvesse uma identificação do PCP com o programa do Governo, até se
podia dizer que o PCP e o PS podiam ir coligados, mas não há.
O PCP continua a dizer que este programa não satisfaz as necessidades
do país.
Na
leitura das autárquicas, houve quem dissesse que os maus resultados
do PCP se deveram a uma descaracterização do partido pela colagem ao
Governo. Que interpretação é que isso lhe merece?
O PCP fez
a sua avaliação do resultado das autárquicas, eu não nego que não possa haver
essa perceção, ou seja, que não possa haver pessoas que identificando
o PCP com situação atual, com o Governo atual, e fazendo um
bom balanço do que se está a passar, acabem por votar na força que está no Governo.
Não nego que isso possa ter acontecido, mas seria errado dizer que foi essa a
questão decisiva, porque não há uma questão decisiva, há várias e cada uma na
sua realidade concreta. Estamos a falar de 10 câmaras municipais em que,
em cada uma delas, há razões diferentes.
Diria
que, independentemente de achar que o PCP não está nada colado ao PS,
admito que possa haver quem pense isso. Uma coisa é a reflexão interna que
o PCP faz, outra coisa é a opinião publicada e a opinião dos
fazedores de opinião que mastigam a opinião antes de as pessoas pensarem, como
os herdeiros do Marcelo Rebelo de Sousa que estão pôr toda a televisão e
jornais a dizer a mesma coisa. Não há um comunista nos comentadores. Há
do PSD, do PS, do Bloco, do CDS, mas não há um comunista e eles dizem
todos a mesma coisa.
Às
vezes as pessoas dizem que quem pensa por nós é o comité central, mas
nós recusamo-nos a que a televisão pense por nós, pensamos por nós, com o
nosso coletivo. O comité central desempenha um papel nisso, mas foi eleito
por nós, é a quem damos o nosso voto, as televisões e os comentadores não foram
eleitos por ninguém e pensam por nós todos.
Como
olha para a Câmara de Almada, por exemplo, em que o PS vence ao fim de
mais de 40 anos de liderança comunista?
Sou
de Setúbal, felizmente no meu concelho nós reforçámos a votação, e sinceramente
não consigo avaliar quais terão sido os problemas de Almada. Perdemos por 230
votos e nesse caso admito que possa ter havido várias justificações e critérios
nas populações. O Bloco assumiu que tinha como objetivo tirar a
maioria absoluta à CDU, o PS quase assumiu que foi surpreendido com o
resultado. Poderá ter havido um conjunto de condições que
levaram àquele resultado.
Aquilo
que sei é que a CDU em Almada tem um património de intervenção
absolutamente fantástico, um modelo.
Como
é que havendo esse património, o PS escolhe o PSD para falar em
coligação?
O
PS, pelo que me apercebi, quis dar ao PCP pelouros que não tinham
grande relevo político e o PCP tem quatro vereadores, como o PS, e o
que seria justo e adequado aos resultados seria uma presidência da
Câmara cabendo ao partido mais votado, mas uma divisão
das áreas políticas de relevo entre as duas forças que, na prática,
tiveram resultados iguais, porque 230 votos... Não houve esse entendimento, a
presidente é que faz a proposta da divisão dos pelouros e
o PCP entendeu que não havia condições para garantir que o mandato
iria correr da melhor forma.
Há
uns dias, num artigo de opinião no blog Manifesto 74, disse que
"a matriz do BE é próxima da matriz do PS, com as diferenças naturais
entre dois partidos sociais-democratas, de organização e método burgueses mas
com composições e enraizamentos diferentes". Que ideia quis passar
com esta frase?
Acho
que isso é uma constatação. Estamos a falar de dois partidos que funcionam à
luz de partidos da burguesia e para isso é preciso compreender o que é que os
comunistas entendem por partidos operários e burgueses. Há um conjunto de
critérios que nós entendemos que devem ser cumpridos para que um partido seja
considerado comunista, um deles é a forma de organização que passa pela
aplicação do centralismo democrático, pela organização com base no local de
trabalho e não no de residência, elementos que entendemos que marcam a
diferença não só nas posições, mas na organização.
Por
exemplo, no PCP não nos organizamos por listas para disputar o comité
central, nem as direções. Nós propomos os nomes e as pessoas ou aceitam a
tarefa ou não aceitam a tarefa. Votamos uma proposta feita por todos nós. Não
se apresenta uma lista contra ninguém, duas pessoas falam e chegam a um
consenso, tendo em conta o que é melhor para o partido. Isto faz toda a
diferença, faz com que não haja disputas internas eleitorais, com que não haja
distorção, porque depois em todas as organizações há uns mais famosos do que os
outros.
Para
ser um partido comunista tem de haver unidade na direção e
na ação. Coisa que o Bloco assumidamente não tem, o próprio
Bloco não se identifica como partido comunista.
As
pessoas acham que usar o termo burguesia é do século passado. O termo pode ser
do século passado, mas dizer que não existe burguesia hoje é um disparate. A
burguesia está aí e está a dominar o planeta, podemos chamar-lhe grandes
capitalistas, cooperações, o que quiser, mas o que são na verdade é a grande
burguesia, porque a definição de burguesia é aqueles que detêm os meios de
produção.
O
Bloco, nos últimos anos, tem-se afirmado com bons resultados eleitorais. Há uma
'competição' entre Bloco e PCP?
O
Bloco tem aumentado e o PCP também e isso demonstra que o Bloco não
está a crescer à custa do PCP, para isso era preciso
o PCP diminuir, e isso só aconteceu nestas autárquicas e não sabemos
se os nossos votos foram para o Bloco. Aliás, não foram de certeza, porque
o PCP perdeu mais votos do que aqueles que o Bloco ganhou.
Provavelmente os votos que saíram do PCP ou não foram à urna ou foram
para o PS.
Não
sei se há uma competição. Acho que o facto de o PCP ser uma
âncora nas suas posições faz com que o Bloco também tenha de se chegar à
Esquerda.
Se
olharmos para as condições que a Catarina Martins impôs na noite eleitoral ao
Costa para viabilizar um governo eram só três. A Catarina Martins dava de
barato o governo do Costa, e depois o PCP fez um conjunto de
condições e, a seguir, o Bloco também veio fazer um conjunto de condições.
Portanto, foi o facto de o PCP fazer muito mais condições que levou o
Bloco a pedir mais. O Bloco só queria coisas banalíssimas e
o PCP foi muito além disso.
Mas
há uma competição saudável que faz crescer ambos?
Não
lhe chamaria competição. A política também é feita de referenciais e havendo um
partido que fixa o referencial muito no socialismo, na rutura com o
capitalismo, é natural que outros partidos se cheguem à Esquerda e que à
Direita aconteça o contrário.
Em
Portugal, nos últimos anos, vimos uma deslocação para a Direita de todos os
partidos políticos. Todos os partidos foram mais para a Direita e julgo que
o PCP foi a tal âncora, ficou onde estava, por isso é que nos
acusaram sempre de vivermos no passado, porque não nos deslocarmos para a
Direita. Agora, estamos numa outra conjuntura nacional, e os partidos que se dizem
de Esquerda estão todos a ver quais é que são mais de Esquerda e isso obriga-os
a aproximarem-se daquele que nunca saiu da Esquerda.
O PCP é
um referencial de Esquerda em Portugal e ajuda a construir, em seu torno,
posições de outros partidos e que puxa o Bloco e o PS.
O
Bloco tem uma característica que até agora ainda não venceu completamente que é
uma grande dependência da conjuntura, do mediatismo, se está a ser bem ou
maltratado na comunicação social e, portanto, os seus resultados são muito
flutuantes em relação à atenção que lhes é dada.
Por
que razão diz isso?
Na
campanha eleitoral, o Bloco, sem autarquia nenhuma, teve muito mais
atenção mediática e minutos de televisão do que o PCP que
tinha 34 autarquias. Foi dada ao Bloco mais
importância que ao PCP com este número de autarquias.
Em
Lisboa, nenhuma sondagem nas últimas eleições dizia que o PCP ficaria
à frente do Bloco. Há quatro anos o PCP elegeu dois vereadores e o
Bloco nenhum, agora o PCP dois e o Bloco um.
O
Bloco depende muito da atenção que lhe é dada, quando lhe cortam o
gás, não tem meios para combater, ainda não tem uma presença na vida
nacional tão forte quanto isso. E toda a atenção que tem, arrisco dizer, é, de
certa forma, dada pela comunicação social. O Bloco não precisa de existir e
aparece em todo o lado na mesma, o PCP está em todo o lado e não
existe. É o oposto um do outro.
E
no que toca à 'Geringonça', tem havido mais cedências ao Bloco de
Esquerda do ao PCP?
O
que eu acho é que o Bloco, no seu afã de querer fazer desta solução governativa
uma conquista sua e uma coisa espetacular e muito boa para o
país, uma solução de gala e 'finalmente, as Esquerdas unidas é que é' -
que é diferente do PCP que não diz ao país que esta solução é a
melhor coisa de sempre, mas sim que foi a solução possível -, acaba por às
vezes perder o norte.
O
Bloco está na moda?
Não
sei se o Bloco está na moda, mas fazem com que o Bloco esteja na moda. Se as
pessoas tentassem ir um pouco além dos jornais e tentassem olhar para o
trabalho dos grupos parlamentares, por exemplo, provavelmente se lhes
pusessem os grupos parlamentares do Bloco e do PCP à frente, as
pessoas não saberiam dizer qual era o do Bloco com tantas cabeças brancas,
porque o que passa lá para fora é exatamente o contrário.
Eu
não sei se o Bloco está na moda ou se a imagem que se passa do Bloco está a ser
promovida e as pessoas, tendo em conta o papel da comunicação social, acabam
por ser 'contaminadas' por isso.
No
que toca ao Orçamento do Estado, e caso o PCP não fizesse parte desta
maioria, que propostas teriam ficado de fora?
Por
alto, não estaria o IVA reduzido para os instrumentos musicais, a
poupança dos trabalhadores no IRS, porque toda a gente vai pagar
menos IRS neste ano de 2018 e da parte do Governo só estava
estabelecido o desaparecimento da sobretaxa, que só ia atingir uma parte da
população, e o PCP introduziu mais critérios, nomeadamente o aumento
do mínimo de existência que é o valor abaixo do qual as pessoas não
pagam IRS. As progressões nas carreiras decididas apenas em dois momentos,
estava previsto ser em dois anos e em quatro fases.
Ainda estamos
na especialidade onde iremos propor muito mais coisas. O PCP tem
feito uma força tremenda para que a verba do apoio às artes suba, não só para o
Orçamento da Cultura, mas sim a parte de apoio às artes que fará com que os
teatros e companhias continuem a produzir.
Acredita
que a reposição dos rendimentos e pensões está a ser mais lenta do que era
possível ou concorda com o Governo quando diz que não pode ser feito tudo de
uma vez?
Cumprindo
as imposições da União Europeia, se calhar era difícil fazer melhor. Mas mesmo
assim seria possível porque o Governo está a jogar para um défice abaixo do que
podia, portanto, significa que podíamos ter usado aquele dinheiro e
não usámos por opção. O Governo não quis usar dinheiro que podia usar,
portanto, talvez não desse para tudo mas podia ter sido libertado mais algum.
Não
se ganha muito com isso, não investir o que se pode investir não é bom. Em
última análise poderiam dizer que défice zero seria bom, mas isso corresponde a
praticamente tudo a zeros, era não gastar nada do Estado. Muito provavelmente
isso significaria as pessoas na miséria. O Governo optou por ter um défice
abaixo daquele que podia, se fosse até ao limite permitido talvez pudesse ir um
bocadinho mais longe mas, ainda assim, nunca iria tão longe quanto necessário.
Estamos
muito longe de fazer aquilo que seria digno e justo mas, ainda assim, não
seria correto não reconhecer que os passos que estão a ser dados
estão no sentido correto de repor e não de retirar mais.
A
União Europeia é o maior 'travão' aos objetivos da maioria
de Esquerda?
O
maior travão é o PS, porque o PS é que escolhe obedecer à União Europeia, é uma
escolha nossa. O país tem todos os instrumentos para decidir o seu próprio
destinos se quiser. Enquanto os partidos do Governo continuarem a achar que têm
de ser mais papistas do que o Papa, mais unionistas do que a União Europeia,
enquanto países como a França e a Alemanha se estão marimbando para as
regras da UE, enquanto os governos acharem que devem prestar vassalagem à UE e
os portugueses continuarem a votar nesses governos, diria que o principal
obstáculo são os partidos em Portugal que decidem cumprir as regras da UE em
vez de lhes fazerem frente e em vez de afirmarem o bem-estar dos portugueses
como questão fundamental.
Isso
significa que o Governo mudou mas que o querer ser 'bom aluno' permanece?
Sim,
sim, sim. Acho que sim. Até porque o PS faz gala de estar a conseguir inverter
a política sem quebrar nenhuma regra da União Europeia, aliás dizem que cumprem
mais as regras do que o anterior governo.
O
problema é que, enquanto andamos com a conversa de que somos muito europeus,
que gostamos muito da União Europeia porque é moderna e tal, ninguém faz as
contas de quanto é que estamos a perder por dia para ter euro, quanto é que
perdemos nos últimos 20 anos para poder estar no mercado comum, são
milhões de euros por dia que saem do país para o estrangeiro.
O
custo não justifica esta ilusão de modernidade. E estes partidos como
o PSD, o PS, o CDS e o BE dizem-se europeístas e não
percebem que o futuro está na democracia e não no federalismo.
Algumas
vozes têm falado de uma vassalagem de Bloco e PCP ao Governo, o que
responde a estas pessoas?
O PCP não
tem interesse absolutamente nenhum, de ponto de vista algum, em prestar
qualquer tipo de vassalagem, pelo contrário. O PCP, até do ponto de vista
eleitoral, tem o interesse exatamente oposto, que é estar na solução
mas continuar a puxar e a pedir mais, dizendo que o PS não é suficiente.
Noutra perspetiva,
o país foi assolado por milhares de incêndios este verão. O Governo foi muito
criticado devido à tragédia de Pedrógão mas, principalmente, por não
ter havido mudanças até aos incêndios de 15 de outubro. As criticas são
justas?
Essas
críticas têm uma dimensão de justeza porque o Governo não tomou as medidas
necessárias para manter a vigilância e os níveis de alerta. Haverá opções
que podem e devem ser questionadas, mas o que importa mais do que isso é
atender ao conjunto de opções políticas deste Governo e de anteriores que
permitiram que a situação chegasse aqui.
A
depauperação dos meios de combate a incêndios, a inexistência de uma política
florestal e de ordenamento florestal, a proliferação do eucalipto, matas, até
públicas, sem limpeza, o desmembramento dos guardas florestais e dos vigilantes
da natureza... Um conjunto de opções que foram do PSD, do PS, do CDS,
deste e de outros governos que não contribuíram em nada e que agravaram o
problema.
Isto
conjugado com a seca e com aquelas temperaturas criou a situação perfeita para
que o fogo criminoso e não criminoso ocorressem. Eu acho que o fogo é todo
criminoso porque aconteceu porque alguém criou as condições para que
acontecesse, mesmo que ninguém tenha ido colocar fogo.
Os
incêndios vieram enaltecer, ainda mais, o 'Presidente dos afetos', como é
conhecido Marcelo Rebelo de Sousa. O povo está rendido?
Não
consigo responder a isso. Marcelo Rebelo de Sousa conta com uma campanha
eleitoral de décadas, financiada, e é muito difícil o estar daquela figura na
política portuguesa. Não há comparação com nada, nunca ninguém teve 12
anos de campanha eleitoral e foi pago para a fazer.
Qualquer perceção que tenhamos está contaminada por esta promoção
absolutamente desproporcionada em relação a outras pessoas, e uma opção da
comunicação social quase religiosa. É intocável, é extraordinário e ninguém
pode dizer o contrário ou duvidar e se duvidas és invejoso.
O
que é que se sabe de Marcelo Rebelo de Sousa? Sei que era amigo de Ricardo Salgado,
que é namorado de uma administradora do BES na altura em que
o BES fez as maiores trafulhices possíveis, que passava férias à
borla, que ganhava milhares de euros para comentar umas coisas
na TVI, tentou ser líder do PSD e falhou. Não me lembro de
andar a correr o país e a dar a mão às pessoas que precisavam.
No
seu Facebook, escreveu uma publicação sobre o Presidente da República,
referindo que "o verdadeiro carácter e a verdadeira natureza de um
presidente da República veem-se, não apenas no momento em que ocupa o
cargo, mas no que fez antes e no que fará depois". Há um Marcelo antes e
depois?
Esse
é um desafio que eu faço a mim próprio que é avaliarmo-nos
independentemente do cargo. Avaliar o nosso caráter em função de uma
determinada tarefa não me parece adequado. Se eu só me preocupo com as pessoas
agora que sou deputado mas passei a minha vida toda a marimbar-me, não há
qualquer coisa errada?
Marcelo
Rebelo de Sousa falou de umas agressões que houve à porta de uma discoteca, mas
não me lembro de se pronunciar sobre as agressões a trabalhadores, a cidadãos
da Cova da Moura pela polícia, de ir mostrar solidariedade para com
trabalhadores que têm salários em atraso.
Marcelo
tinha sido considerado um apoio do Governo até aos incêndios, altura em mostrou
estar contra a forma como o assunto estava a ser tratado. Acha que foi o início
de um 'virar de costas' ou não pode ser visto dessa forma?
O
que me parece é que Marcelo é um protagonista da política portuguesa que foi
pintado como apartidário, mas nós sabemos muito bem de onde vem, foi líder
do PSD, e é muito inteligente do ponto de vista tático e na
forma de se comportar na política. Sabe exatamente o que tem de dizer
em cada momento para garantir uma certa popularidade, que é um
dos objetivos dele enquanto Presidente.
Não
deve ser visto como um 'amigo' do Governo?
Não.
Julgo que Marcelo Rebelo de Sousa percebe que, neste momento, falar contra a
solução de Governo tirar-lhe-ia popularidade. O que não significa que ele não
esteja à espera do momento certo para falar contra.
Tenho
dúvidas da solidez e firmesa política de Marcelo e não me refiro
enquanto Presidente, mas sobretudo ao que vimos ao longo da sua história.
Inês
André de Figueiredo | Notícias ao Minuto | Foto: Blas Manuel
Entrevista
em 15.11.2017
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