Hercus
Pereira dos Santos * | opinião
«Povo
de Timor-Leste martir, sofredor, indefeso e pacifico por uma causa justa, nobre
e que muitas vezes os lideres do mundo esqueceram» (Tradução minha do
livro de Jose Mattoso, intitulado Konis Santana no Tuba-rai Timór nian, Lidel,
p.305).
Timor-Leste,
enquanto Estado democrático, um dos barómetros essenciais para o qualificar são
os votos. São eles que determinam o destino de uma decisão importante para a
vida do Estado, como a eleição legislativa, presidencial e a eleição dos
líderes comunitários. Qualquer decisão do Parlamento Nacional em relação à
criação das leis e sobre um determinado assunto importante do Estado também é
determinada através dos votos e os votos dos deputados também determinam a vida
de qualquer governo da República Democrática de Timor-Leste. Mesmo o nascimento
de Timor-Leste como um Estado reconhecido internacionalmente também se deu
através dos votos no dia 30 de Agosto de 1999.
Podemos
concordar que os votos determinam a qualidade da democracia de um Estado
democrático. Mas não devemos olhar só para a quantidade dos votos, mas o mais
importante é que devemos assegurar um bom mecanismo para que não se diga que a
voz da máquina é a voz do povo. Que seja a máquina a ganhar e não o povo. Nenhum
estado pode ser chamado de estado democrático enquanto não estabelecer e
assegurar um bom mecanismo de votação nas eleições, para os órgãos de soberania
e o poder local, por sufrágio universal, direto, livre, secreto, pessoal e
periódico, segundo o artigo 65, número 1, da Constituição da República
Democrática de Timor-Leste. A Declaração Universal dos Direitos do Homem
partilha o mesmo espírito quando diz no seu artigo 21, número 3, que «A vontade
do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve exprimir-se
através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e
igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarda a
liberdade de voto.»
Eu,
como um simples académico, penso que para um país muito pequeno como
Timor-Leste na eleição legislativa deve ser aplicado o sistema maioritário,
numa volta, com base em círculos individuais em cada sub-distrito. Não como o
sistema proporcional; representação proporcional com o método de Hondt. No
sistema maioritário numa volta com base em círculos individuais atribui-se
maior responsabilidade política do candidato eleito perante os eleitores. Os
deputados eleitos têm uma responsabilidade política direta para com os
eleitores. Se os deputados eleitos desempenharem bem as suas funções no
Parlamento Nacional e corresponderem bem às expectativas dos eleitores,
certamente serão eleitos de novo na próxima vez. Caso contrário, eles não serão
reeleitos. Há uma responsabilidade clara dos deputados. Como é possível um
deputado chamar-se representante do povo se no momento da eleição o povo não o
conhece; nesse caso, o povo não vota nele. Por isso, logicamente esse deputado
não tem necessidade de se responsabilizar perante os eleitores porque ele mesmo
não sabe quem são os seus eleitores. Ele apenas serve para o interesse do
partido e muitas vezes há a tendência para servir cegamente o partido com a
intenção de continuar a ganhar a confiança do partido para manter a sua posição
política. Isso certamente contribui para o status quo. Por isso, eu espero
(apenas como esperança) que em Timor-Leste se aplique sistema maioritário de
uma volta com base em círculos individuais como acontece em Inglaterra, em
França ena Alemanha, onde os deputados eleitos dispõem de um escritório para
atender o público na sua circunscrição. Há assim uma relação de proximidade
entre os eleitores e os eleitos. Só desta forma podemos dizer que o povo, como
detentor do poder, delega efetivamente o seu poder nesses deputados eleitos.
Quando os deputados eleitos desviam essa confiança do povo, então o povo tem
razão para tirar essa delegação do poder através da sua não recondução na
próxima eleição.
Não
devemos esquecer também que o voto em si é um direito do cidadão e mais do que
um direito é um dever e isso significa que o estado não pode criminalizar um
cidadão que não queira, por livre vontade, participar em qualquer eleição. Por
isso, qualquer lei ou decreto-lei que penalizem a não participação de um
cidadão em qualquer eleição será inconstitucional. Enquanto Rousseau disse que
os votos determinam a vontade geral e a vontade geral é a vontade de maioria,
isso não significa que seja a vontade de todos. Basta a vontade da maioria. E,
por conseguinte, a vontade geral é a vontade do corpo político; a vontade do
Estado. A vontade geral traduz o interesse coletivo; o bem comum. Mas Locke
afirma-se contra a ideia da vontade de maioria de Rousseau. Locke defende que a
maioria nem sempre tem razão. Por isso, deve-se limitar a vontade da maioria.
Enquanto Rousseau afirma que não é preciso limitar a vontade de maioria. As
minorias é que nunca têm razão. Podemos ver esse fenómeno sempre dentro do
Parlamento Nacional, mesmo antes, no tempo da Assembleia Constituinte. O
partido mais votado com maioria absoluta ou a coligação de partidos de aliança
de maioria parlamentar sempre julgaram que eles tinham ase melhores soluções
para a vida do estado; para a vida do povo. Que eles representam melhor o
estado; o povo. A voz da maioria é a voz do povo. As minorias mesmo que tenham
razão não são valorizadas. Muitas vezes, a última solução de um longo debate é
fazer-se no final uma votação e assim perde a minoria. Acontece desde a
primeira legislatura até agora. É a democracia dos votos.
Todos
nós sabemos que a democracia vem da palavra grega Demokratia; ‘demos’ significa
povo e ‘kratos’ significa poder. Por conseguinte, a democracia significa povo
que tem poder. O poder está nas mãos do povo ou o povo governa. Seguindo a
Declaração de Viena, que diz que “a democracia é baseada na vontade livremente
expressa do povo para determinar os seus próprios sistemas, político,
económico, social e cultural e sua participação completa em todos os aspetos de
suas vidas.” Antigamente na Grécia, a democracia era direta. Todos os cidadãos
se reuniam numa assembleia, onde tomavam as principais decisões públicas.
Quando Sua Excelência o Primeiro-Ministro Dr. Marie Alkatiri dizia que ia fazer
um referendo sobre o Programa do Sétimo Governo Constitucional, eu
interroguei-me: será que Timor-Leste volta a aplicar a democracia direta como
faziam os cidadãos gregos do tempo antigo?
Fazer
um referendo sobre o programa do governo não é só inconstitucional (e qualquer
lei ou decreto-lei que viabiliza o referendo sobre o programa do governo será
inconstitucional), mas mais do que isso, para mim, refletea coragem de Sua
Excelência o Primeiro-Ministro ou se calhar uma tentativa de questionar a
democracia representativa, onde o Parlamento Nacional é representante do povo.
Sugere ainda que qualquer governo, para a sua estabilidade governativa, depende
fortemente do Parlamento Nacional como um resultado lógico do sistema
Semi-Presidencial que Timor-Leste opta. Diz o Professor Pedro Bacelar de
Vasconcelos que«o parlamento continuaria, portanto, a ser um lugar da
«sociedade», o espaço onde os «privados» acedem às definições do «bem comum»,
numa quase analogia com a acepção clássica de «legislação» enquanto revelação
da razão setecentista, em cujo nome irá, justamente fazer leis, a título
exclusivo, em determinadas matérias, segundo a hierarquia constitucional,
fiscalizar o governo, a administração entregue ao seu comando, o conjunto da
máquina do Estado» (Vasconcelos, Pedro Carlos Bacelar, Teoria Geral do Controlo
Jurídico do Poder Público, Lisboa, Edições Cosmos, 1996, p. 137). Eu
acredito que o Sua Excelência o Primeiro-Ministro nao tem intencao para fazer
referendo para o programa do Governo. Mas será que Sua Excelência o
Primeiro-Ministro queria pôr em prática uma democracia participativa onde daria
maior liberdade e acesso do povo para apresentar ideias para traçar o programa
do governo para o seu próprio bem? Um outro modelo que conduz à governação
aberta como tinha feito anteriormente, na sua primeira governação do Primeiro
Governo Constitucional? Se for assim, é de louvor essa iniciativa de Sua
Excelência o Primeiro-Ministro Dr. Marie Alkatiri. Porque hoje em dia a
democracia direta é difícil de realizar enquanto que a democracia
representativa também tem muitos fracassos. Mas fazer um referendo para o programa
do governo é inaceitável do ponto de vista da constituição. Está em choque com
a competência do Parlamento Nacional segundo a nossa constituição,no artigo 108
número 2: «O Primeiro-Ministro submete o programa do Governo, aprovado em
Conselho de Ministros, à apreciação do Parlamento Nacional, no prazo máximo de
trinta dias a contar da data do início de funções do Governo»; no artigo 109,
número 1 «O programa do Governo é submetido à apreciação do Parlamento Nacional
e, se este não se encontrar em funcionamento, é obrigatoriamente convocado para
o efeito», e no artigo 107 «o Governo responde perante o Presidente da
República e o Parlamento Nacional pela condução e execução da política interna
e externa, nos termos da Constituição e da lei»; no artigo 95, número 3, alínea
d «Deliberar sobre o Plano e o Orçamento do Estado e o respectivo relatório de
execução». Por isso, diz o artigo 66, número 3,na primeira parte «Não podem ser
sujeitas a referendo as matérias da competência exclusiva do Parlamento
Nacional». Mas se todas as leis têm de ser submetidas a referendo popular dá
para entender que isso tem como fundamento o pensamento de Rousseau, o que hoje
em dia podemos ver como o exemplo da consulta pública sobre um esboço de uma
determinada lei ou decreto-lei. Na democracia representativa, como em
Timor-Leste, pode fazer-se referendos para as questões de relevante interesse
nacional, mas não para o programa do governo nem se pode fazer um decreto-lei
para realizar o referendo para o programa do governo porque se corre o risco de
inconstitucionalidade. Ensinam Locke e Montesquie que toda a legislação
ordinária é inconstitucional quando não está em conformidade com a
constituição.
Muitas
vezes os políticos só “enganam” o povo para conquistar os votos no momento da
eleição com promessas bonitas, mas depois da eleição o povo continua viver na
pobreza e na miséria. Como Rousseau diz em relação à democracia inglesa, «o
povo inglês pensa que é livre, no que se engana redondamente: só o é durante a
eleição dos membros do Parlamento; logo que estes são eleitos, fica seu escravo
e não é nada.» Então deve haver uma nova democracia que seja participativa como
uma resposta nova para encorajar o povo a tomar parte ativamente no processo de
desenvolvimento do país. Por isso, a sociedade timorense deve estar ativa e
criativa para contribuir para a construção de um estado que possa corresponder
às suas expectativas. Desse modo, é bom que o estado (o governo) tome essa
iniciativa de criar uma ponte de ligação entre o povo e o governo e entre o
eleitor e o eleito. A ponte é como um mecanismo adequado para acomodar e
defender os interesses do povo no processo da Construção do Estado. Por isso,
devemos louvar a contribuição da sociedade civil; das organizações não
governamentais, da Igreja Católica e de outras confissões religiosas que
procuram dar o melhor para o processo da Construção do Estado de Timor-Leste.
Além disso, devemos louvar também a coragem dos jovens universitários que tomam
a iniciativa de levar, apresentar e defender as aspirações do povo. O estado
deve criar um mecanismo melhor para dar mais espaço para defender a liberdade
de expressão nesse estado chamado República Democrática de Timor-Leste. Os
atuais líderes do Estado de Timor-Leste eram jovens corajosos que não estavam
calados e de braços cruzados, no seu tempo, ao ver a injustiça que a sociedade
timorense enfrentou. Eles lutavam com todo o sofrimento inerente para defender
o interesse do povo. O que hoje os jovens universitários fazem é tal igual como
o que os líderes da resistência faziam antes. Será que os líderes da
resistência hoje em dia, no tempo da Independência, se tornaram iguais aos
governantes indonésios? Então qual é a diferença entre viver no tempo da
ocupação indonésia e viver no tempo da independência? Construiu-se o estado
independente de Timor-Leste para quê? Para viver tal como antes? Para que serve
o Estado de Timor-Leste? Ou, como pergunta Rosseau, «Qual é o fim da associação
política?» e ele depois responde, «É a conservação e a prosperidade dos seus
membros». Já o Professor Diogo Freitas do Amaral diz que «os fins essenciais e
permanentes do Estado, são, desde sempre, a segurança, a justiça, e o
bem-estar; mas nos dias de hoje também abrangem a prevenção de riscos
emergentes do desenvolvimento técnico e científico, a preservação do meio
ambiente e das condições naturais básicas essenciais ao desenvolvimento da vida
na Terra e a cooperação com os demais Estados no quadro da comunidade
Internacional, de acordo com a Carta das Nações Unidas, em vista da promoção da
paz e do respeito pelos direitos do homem» (AMARAL, Diogo Freitas, Uma
Introdução à Política, Bertrand Editora, Lisboa, 2014, p. 101).
Nós
também podemos seguramente dizer que construir o estado é basicamente construir
a vida do povo. Todo o processo da construção do Estado não vale para nada
enquanto o povo continuar a viver na miséria. Isso também é uma traição ao
princípio fundamental da resistência; a libertação do povo. Mais do que isso,
Timor-Leste também deve respeitar e valorizar os Direitos Humanos no seu
processo de desenvolvimento como um resultado lógico de que a luta pela
independência de Timor-Leste foi uma luta pelos Direitos Humanos e então
Timor-Leste independente deve ter respeito e valorizar os Direitos Humanos para
mostrar ao mundo a sua consistência na defesa dos Direitos Humanos. No tempo da
resistência, uma das balas mais importante para ganhar a luta foi, sem dúvida,
a invocação da violação dos Direitos Humanos em Timor-Leste.
Timor-Leste
precisa mesmo de respeitar e valorizar os Direitos Humanos. Porque hoje em dia
o estado é considerado como civilizado e é bem-visto no mundo por no seu
processo de desenvolvimento nacional respeitar e valorizar os Direitos Humanos.
Como diz AmartyaSen, «The ideia of human rights has gained a great deal of
ground in recent years, and it has acquired something of an oficial status in
international discourse. Weightly committees meet regularly to talk about the
fulfillment and violation of human rights in different countries in the world. Certainly
the rhetoric of human rights is much more widely accepted today – indeed much
more frequently invoked – than it has ever been in the past. At least the
language of national and international communication seems to reflect a shift
in priorities and emphasis, compared with a few decades ago. Human rights have
also become an important part of the literature on development»(SEN, Amartya,
Development as Freedom, Oxford University Press, 1999, p. 227).
Em
relação à formação do governo em Timor-Leste, é sempre como um resultado da
eleição legislativa onde Timor-Leste, seguindo o exemplo de Portugal, opta pelo
sistema de estado semi-presidencialista. Como uma consequência lógica desse
sistema, o governo presta “contas” ao Parlamento Nacional e a vida do governo
está nas mãos dos senhores ilustres deputados do Parlamento Nacional.
Eu
concordo com Sua Excelência o Presidente da República Dr. Francisco Guterres –
Lu Olo quando diz que há muitas interpretações da constituição neste momento em
relação à formação do Sétimo Governo Constitucional. Para mim, se há muitas
interpretações mostra que todos nós estamos preocupados com a vida do estado e
que cada um de nós procura dar a sua contribuição para a nossa terra querida
Timor-Leste. Para mim, a formação do Sétimo Governo é constitucional, segundo o
artigo 106 número 1 que diz que «O Primeiro-Ministro é indigitado pelo partido
mais votado ou pela aliança de partidos com maioria parlamentar e nomeado pelo
Presidente da República, ouvidos os partidos políticos representados no
Parlamento Nacional». Esse artigo, gramaticalmente, mostra claramente que o
partido mais votado e a aliança de partidos com maioria parlamentar tem a mesma
oportunidade e o mesmo direito constitucional para formar o governo. Cabe ao
Presidente da República decidir, tendo em conta as forças políticas dentro do
Parlamento Nacional. Ou seja, o Presidente da República enquanto indigita o
Primeiro-Ministro deve ter em consideração os votos dos ilustres deputados do
Parlamento Nacional para poderem assegurar a estabilidade governativa durante o
mandato do governo de 5 anos.
No
meu ver, Sua Excelência o Presidente da República Dr. Francisco Guterres
“arrisca” indigitar o Primeiro-Ministro do partido mais votado mesmo que tenha
votos minoritários no Parlamento Nacional. Caso contrário,acontece como
anteriormente com o Dr. José Ramos Horta, que no seu mandato como Presidente da
República indigitou o Primeiro-Ministro da aliança de partidos com maioria
parlamentar. Os dois Presidentes da República tomam uma decisão constitucional.
Por isso, eu não percebo como é possível este artigo tão claro como a luz do
dia permitir muitas interpretações. Diz Montesquieu «In claris non fit
interpretatio». Por isso, os aplicadores do Direito devem interpretar este
artigo restrito à letra da lei. Baseando apenas no elemento literal ou
gramatical. Se um texto normativo tem alguma insuficiência então dá para fazer
interpretação segundo o espírito da lei. Procuramos fazer interpretação segundo
a intenção do legislador histórico, teleológico e sistemático. Baseando no
elemento lógico e racional. Mas para mim o artigo 106 é muito claro. Mesmo
assim devo respeitar todas as interpretações possíveis porque é assim que
funciona no mundo e em especial no mundo académico e mesmo no mundo jurídico
também. Além de existir a cultura jurídica civilista-europa continental, tem
uma outra cultura jurídico que é a cultura anglo-saxónica, onde a
interpretação, segundo a minha Professora da História de Direito, Professora
Joana Aguiar e Silva, pode basear-se no sentimento dos juízes, no mood dos
juízes; se o juiz quando acorda se sente mal, esse mal-estar pode influenciar a
decisão. Tenho percebido também que muitas vezes a interpretação é apenas uma questão
de perceção. Tudo depende de que ângulo queremos ver. Um certo objeto pode ser
visto de várias maneiras. Uma coisa é certa, num Estado de Direito Democrático
como Timor-Leste, todos nós, os cidadãos, temos o mesmo direito para
interpretar os textos normativos e a política do Estado segundo o nosso ponto
de vista e o nosso interesse. Muitas vezes, a corrupção da interpretação é
feita por causa dos interesses pessoais, dos grupos ou dos partidos.
Como
cidadão, eu queria dar o meu apoio ao Sétimo Governo Constitucional. Isso quer
dizer que sou a favor aos partidos da coligação e contra os partidos de aliança
da maioria parlamentar? Não! Não sou contra nem pró qualquer partido político
nem qualquer político. Mas sou a favor de um governo minoritário apenas por
interesse nacional e para o bem do país e do povo. Porque eu acredito que é
muito bom para a democracia de Timor-Leste se daqui para frente for possível em
toda a existência do estado de Timor-Leste, termos um governo minoritário que
sirva apenas o interesse do povo através do controlo político do parlamento
responsável. Ou seja, se o governo está disponível para acomodar o interesse do
partido da oposição e se o governo tiver um bom programa para o bem do país,
então o partido da oposição deve ter responsabilidade para apoiar a execução
deste programa e se o governo se desvia do seu programa então o Parlamento
Nacional pode chamar a atenção para que o governo execute bem o seu programa,
de acordo com o que está planeado. Se o governo não quiser ouvir a chamada de
atenção do Parlamento Nacional e se o governo cometer um grande e grave erro, o
Parlamento Nacional pode apresentar uma moção de censura, segundo o artigo 111,
número 1, «O Parlamento Nacional pode votar moções de censura ao Governo sobre
a execução do seu programa ou assunto de relevante interesse nacional, por
iniciativa de um quarto dos Deputados em efetividade de funções». Contudo, não
se deve apresentar uma moção de censura enquanto o governo ainda nao executou o
seu programa. Caso contrário, podemos perguntar a moção de censura para governo
como um órgão do Estado: o executivo, ou para o programa do Governo. Devemos
separar as coisas. O Governo como um órgão de soberania resulta de eleição
legislativa e a indigitacao do Primeiro-Ministro cabe à competência exclusiva
do Presidente da República. Ninguém pode questionar a constitucionalidade da
formação do Sétimo Governo. Os deputados só podem apresentar moção de censura
para o programa do Governo. Mas como os deputados podem apresentar uma moção de
censura para um programa que o governo ainda não executou? Non sense! Eu
compreendo que os partidos de aliança da maioria parlamentar queiram derrubar o
Sétimo Governo Constitucional dentro desses meses para que o Presidente da
República não possa dissolver o Parlamento Nacional e fiquem assim os partidos
de aliança da maioria parlamentar. Esperam que, pela falta da existência de um
órgão de soberania, o Governo, então o Presidente da República pareça ser
obrigado a indigitar o Primeiro-Ministro do partido que fica no segundo lugar
ou dos partidos de aliança da maioria parlamentar. Por outro lado, o
Primeiro-Ministro do Sétimo Governo Constitucional parece que “está a adiar”
para não apresentar o programa do Sétimo Governo Constitucional pela segunda
vez dentro dos seis meses para o Parlamento Nacional com intenção de
ultrapassar os seis meses. Pois, se o Parlamento Nacional rejeitar pela segunda
vez o programa do governo, então o Presidente da República tem legitimidade
constitucional para derrubar o Parlamento Nacional e por conseguinte a eleição
antecipada irá acontecer. Desse fenómeno, eu vejo que os políticos procuram as
lacunas da ordem normativa para defender e atingir os seus objetivos. Para mim,
a solução do problema pode ser através da remodelação do governo. O Primeiro
Ministro deve remodelar o seu governo integrando também ou o partido CNRT ou o
partido Khunto no seu governo para garantir a estabilidade governativa.
Eu
creio firmemente que como um governo minoritário, o governo vai ter muito
cuidado para prestar bem um serviço ao país para não entrar em conflito com o
Parlamento Nacional. Para um governo minoritário deve-se aplicar este lema
“salus publica suprema lex”. Só assim ganha mais credibilidade perante o povo.
Se isso se tornar em realidade, o desenvolvimento de Timor-Leste vai se ver
rapidamente porque todos querem servir e contribuir apenas para o bem do povo.
E se o partido dar oposição não apoiar o governo minoritário que tem um bom
programa para o país, então devemos perguntar o que é quer a oposição? Tenho
consciência que todo o partido sempre tem um objetivo que é o poder; a
governação do país. Mas se for um pouco mais longe, um partido deve ter também
uma responsabilidade perante a vida do povo e o país. Ou seja, um partido deve
pôr o interesse do país; o bem do povo, acima de todos os outros interesses.
Isso é um ideal. Devo admitir que na realidade é muito difícil. Tudo depende da
maturidade dos políticos. Por isso, a pergunta deve ser, o que querem os
políticos? O poder, claro. E ambicionam o poder para quê? A resposta já depende
da consciência de cada político e então isso vai variar de um para outro. O que
eu tenho receio espelha-se nestas palavras de Rousseau «nada é mais perigoso do
que a influência dos interesses privados nos negócios públicos…». Isso é um
grande obstáculo para a democracia e para o desenvolvimento do país.
Em
Timor-Leste, eu observo que há um outro obstáculo muito grande neste momento,
que é aquilo que eu chamo a democracia Maun-Boot, que é a democracia onde a
tomada da decisão serve apenas ao interesse e ao gosto de Maun-Boot. O
Maun-Boot dentro dos órgãos do Estado. O Maun-Boot dentro do partido político e
o Maun-Boot dentro de qualquer organização de caráter laico ou religioso. Em
relação ao Maun-Boot dentro dos órgãos do Estado, lembro-me (salvo erro) de uma
pergunta interessante de Sua Excelência o Primeiro-Ministro Dr. Marie Alkatiri
no último dia da apresentação do seu programa no Parlamento Nacional que era:
«até quando o apadrinhamento das instituições do Estado?». Eu não sei qual era
o sentido dessa pergunta. Mas essa pergunta corresponde a esse fenómeno da
democracia Maun-Boot dentro dos órgãos do Estado. Porém, a democracia Maun-Boot
não é muito grave como acontece na Indonésia com a democracia guiada, no
Paquistão com a democracia básica, no Egipto com a democracia presidencial, em
Espanha com a democracia orgânica, no Paraguai com a democracia selectiva, no
Dominican com a neo-democracia. Mas em qualquer lado do mundo, não é
democracia, contra-senso, se o poder se concentra só num mesmo homem ou num
mesmo grupo de políticos. Em Timor-Leste, baseando-me nas palavras de
Montesquieu, posso dizer que «Tudo estaria perdido se o mesmo homem, um
Maun-Boot, ou o mesmo grupo de políticos exercessem “a sombra” os três poderes
que são o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os
crimes ou os diferendos dos particulares».
Eu
penso que deve se aplicar uma democracia que dê maior igualdade e participação
do povo no processo de desenvolvimento. Como diz a Professora Patrícia
Jerónimo, «Democracia significa participação e significa também igualdade.
“Igualdade de direitos”, “igualdade no falar” e “igualdade no poder”.
(JERÓNIMO, Patrícia, Os Direitos Humanos à Escala das Civilizações: Proposta de
análise a partir do Confronto dos Modelos Ocidental e Islâmico, Almedina,
2001). Fora disso, apenas existe uma falsa democracia. Por outro lado, eu
partilho também a ideia de Sua Excelência o Bispo da Diocese de Dili, Dom
Virgílio do Carmo da Silva, SDB, quando diz que «em Timor-Leste é preciso o
espírito de heroísmo para lutar contra o egoísmo e a arrogância. Estes
tornam-se grandes obstáculos para este povo e esta nação». (Suara Timor
Lorosae, 14 de Novembro de 2017, p. 3). A democracia de Maun-Boot tem mesmo
esses dois aspetos; o egoísmo e a arrogância. Como dizem os antigos romanos,
«Quodprincipiplacuitlegisviogorem», o que agrada ao príncipe tem a força da
lei. No contexto da democracia de Maun-Boot, no contexto estadual, posso dizer «o
que agrada ao Maun-Boot tem a força da lei».
Eu
fico preocupado quando vejo os políticos a tentarem enganar o povo. Mas tenho
mais preocupação quando noto o silêncio das forças sociais; dos académicos, da
sociedade civil, da Igreja Católica e das outras confissões religiosas, perante
a mentira política, a injustiça, a violação dos direitos e dos Direitos Humanos
do cidadão, a pobreza, etc. Se houver essa situação, deve significar que existe
algo que ainda não funciona bem. Por isso, dou o meu louvor ao Movimento
Universitário e Juventude de Timor-Leste, como uma das forças sociais, para
contribuir para um bom funcionamento dos órgãos do Estado de Timor-Leste para
servir bem o povo de Timor-Leste. Nenhumcidadão pode ter restrições, tem
direito de controlar um bom funcionamento dos órgãos públicos. Por isso, o
Estado deve colaborar com qualquer manifestação pacífica dos jovens estudantes
timorenses, sobretudo quando os jovens estudantes universitários fazem uma
manifestação não para o seu interesse pessoal. Eles não ganham nada como isso.
Mas eles, tal como os grandes líderes timorenses de hoje, no tempo da ocupação
ilegal Indonésia, não ficaram de braços cruzados ao ver a injustiça que ocorreu
na sociedade. Eles lutaram com bravura contra a injustiça do povo oprimido de
Timor-Leste. Eles sofreram com as autoridades arrogantes e com o ditador. Eles
foram capturados, torturados e aprisionados. Será que os nossos líderes, no
tempo de hoje, em Timor-Leste independente, se tornaram iguais aos generais
indonésios? Porque os nossos líderes não continuam ser como antes. Será que
essa bravura de lutar contra a injustiça é apenas uma das características dos
jovens? Ou é apenas uma das características dos oprimidos? Agora os líderes da
resistência já são velhos e perdem esse espírito de bravura e luta contra a
injustiça? Ou esses líderes já têm uma boa vida, à volta de tudo o que querem
na vida, e então já perderam essa tal bravura? Quando os atuais líderes
timorenses estiverem quase a cometer uma injustiça, por favor lembrem-se da
injustiça que sentiram no tempo passado. Agora em Timor-Leste independente
querem tornar-se um novo opressor para o povo? E então podemos perguntar qual
foi o sentido da luta no tempo da ocupação? Não foi para libertar a pátria e
libertar o povo?
Eu
espero que os nossos líderes de Timor-Leste Independente, como pessoas
importantes, não se tornem como opressores para o povo de Timor-Leste. Como o
meu ídolo Grande Comandante Nino Konis Santana disse, «Povo de Timor-Leste
mártir, sofredor, indefeso e pacífico por uma causa justa, nobre e que muitas
vezes os líderes do mundo esqueceram» (Tradução minha do livro de José Mattoso
intitulado Konis Santana no Tuba-rai Timór nian, Lidel, p.305). Por isso, os
líderes da resistência não podem criar sofrimento para a vida do povo mártir,
sofredor, indefeso e pacífico de Timor-Leste. Caso contrário, podemos
perguntar: eles lutaram para quê? Eles lutaram para trocar de posição com os
ocupantes indonésios? Para fazerem tal como os militares indonésios fizeram sofrer
o povo de Timor-Leste? Eles lutaram para libertar esta pátria e este povo. A
libertação da pátria já foi feita e a libertação do povo? A libertação do povo
deve ser a sua libertação da pobreza, da injustiça, da mentira política, da
discriminação, etc. A libertação do povo deve ser a libertação de toda a
violação dos Direitos Humanos.
Eu
quero fazer estas perguntas para tocar no coração dos nossos líderes atuais
para que continuem a defender o interesse do povo. Para que eles não esqueçam o
que se passou no tempo passado da escuridão. Para que eles não esqueçam o que
eles prometeram no tempo da luta. Para que eles não se tornem como novos
opressores para este povo de Timor-Leste. Para que eles continuem a defender o
povo de Timor-Leste como fizeram no tempo da resistência. Por isso, todos nós;
líderes da resistência, todas as forças sociais que amam o nosso país de
Timor-Leste, devemos fazer e implementar a sugestão do Grande Comandante Nino
Konis Santana, «…saber resistir sem cessar para procurar a liberdade e a
justiça, os dois fundamentos para a paz»(Tradução minha do livro de José
Mattoso intitulado Konis Santana no Tuba-rai Timór nian, Lidel, p.305).
Em
Timor-Leste, precisamos também de formar os jovens estudantes para terem um
espírito crítico (eu agradeço essa formaçãoaos jesuítas) não só para com os
nossos conterrâneos, mas também em relação ao interesse estrangeiro para não
aumentar o sofrimento deste povo. Devemos procurar dar a nossa contribuição
para a formação do Estado de Direito Democrático para o bem do povo. Precisamos
muito de ter cuidado para os jovens universitários não se tornaram apenas como
yes-man and yes-woman. Nós não temos problemas com ninguém nem com qualquer
país. O nosso problema é apenas procurar garantir uma boa vida para este povo e
esta pátria sofredora. Todo o sofrimento, desde os nossos antepassados do tempo
português e do tempo da Indonésia ainda não foi suficiente? Por isso, devemos
dar o nosso louvor ao Movimento Universitário e Juventude de Timor-Leste que se
tornou como uma das forcas sociais para fazer o controlo social e político para
o bem desta terra querida nossa! Bravo, amigos, a luta continua!
Para
Montesquieu, quando o território é pequeno, o estado pode procurar soluções
políticas de tipo democrático. Mas, como um simples académico, penso que a
solução do problema deve ser por via legal-constitucional. Partilho a ideia
intentioinserviredebetlegibus non lgesintentioni, ou seja, todas as atuações
dos partidos políticos devem estarem conformidade com a lei; a constituição.
Por isso, em relação ao Sétimo Governo Constitucional, a solução deve ser por
via constitucional e democrática. Não pode ser por via política. Porque a
formação do governo já é uma questão constitucional, segue o requisito
constitucional, segundo artigo 106 da nossa constituição, e resulta de um ato
democrático que é a eleição legislativa. A solução por via política, de curto
prazo, parece ser uma boa solução, mas a solução política muitas vezes ignora o
respeito pela constituição e pelos princípios básicos da democracia. Se a
solução de todos os problemas do Estado, neste caso a formação do Governo,
acontecer apenas por via política, então corre o risco de enfraquecimento de um
dos princípios fundamentais da construção do estado, que é o princípio do
estado de direito democrático. Por um lado, os partidos políticos de aliança de
maioria parlamentar que querem fazer cair o governo atuam de modo
constitucional e, por outro lado, a eleição antecipada também é constitucional.
Fora disso, é inconstitucional. Sou da opinião da Escola de Direito da
Universidade do Minho, quanto à anotação do artigo 112 da nossa constituição
que diz no número 3: «O juízo de necessidade acerca “do normal funcionamento
das instituições democráticas” é autónomo e de livre apreciação pelo
Presidente. Este apenas deverá previamente reunir o Conselho de Estado e
ouvi-lo quanto à sua intenção. A demissão do Primeiro-Ministro arrasta consigo
a demissão do Governo no seu conjunto.» Eu penso que na formação do Sétimo
Governo Constitucional excluir o partido Khunto não foi uma decisão sábia.
Agora,
se os partidos de aliança de maioria parlamentar fizerem cair o governo, Sua
Excelência o Presidente da República deve, em nome do estado de Direito
Democrático, dissolver o Parlamento Nacional, depois de seis meses da sua
função, e convocar eleições antecipadas.
Eu
partilho a ideia de Sua Excelência o Primeiro-Ministro Dr. Marie Alkatiri e
tenho a convicção pessoal de que se houver eleições antecipada a Fretilin vai
ganhar mais assentos parlamentares do que tem agora. Mesmo assim, eu noto que
há três grupos de votantes neste momento que devemos ter em consideração.
Alguns timorenses votam no partido baseando-se apenas no sentimento histórico
ligado a um determinado partido ou a um determinado político. Outros votam no
partido por uma questão dos interesses pessoais e de grupo. Existe depois um
outro grupo muito pequeno que vota pelo programa do partido. Estes escolhem e
votam no partido que corresponde melhor às suas inspirações e expectativas.
Este último grupo utiliza o seu voto com responsabilidade; faz um voto
responsável. Para fortificar o Estado de Direito Democrático, Timor-Leste deve
fazer muitas formações e procurar promover a educação cívica para fazer crescer
cada vez mais este último grupo.
No
final, espero que todos os políticos, em qualquer formação do governo em
Timor-Leste, tenham em consideração, sine quo non, os votos que podem assegurar
a estabilidade governativa no Parlamento Nacional. Pode ter toda a razão em
relação à formação do governo, mas se não tiver votos suficientes no Parlamento
Nacional toda essa razão não vale para nada. Porque a democracia é sempre a
democracia dos votos.
*
Antigo aluno Direitos Humanos da Escola de Direito da Universidade do Minho.
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