Em
saudação ao 11 de Novembro de 2017
Martinho Júnior | Luanda
Em
Angola os impactos do capitalismo neoliberal sob o rótulo de “mercado” têm sido
de tal maneira impantes em Angola, particularmente desde 2002, que estão a
descaracterizar por completo o estado, esvaindo-o!
É
evidente que esse processo chega-nos por arrasto desde sensivelmente 1985,
quando ocorreram as grandes transformações quer com o fim do MPLA – Partido do
Trabalho, quer com a metamorfose da Segurança do Estado e o propositado fim das
“gloriosas” (era assim que os dirigentes diziam nos discursos e comícios)
FAPLA, instrumentos de poder “obsoletos” para os objectivos do impacto em
vista: a implantação do capitalismo neoliberal!
As
instituições, inclusive o próprio MPLA, “levam por tabela” meio adormecidas no
caldo dum movimento de libertação identitário com a criação da própria
nacionalidade, com tensões internas que se vão esbatendo e procurando romper
com o sentido histórico de sua orientação.
Desse
modo o MPLA parece sendo tomado por dentro por interesses que estão apostados
em tudo (quer dizer desde logo em todo o tipo de “negócios” e com os horizontes
próprios do curto prazo, senão mesmo imediatistas), menos na preocupação
programática original!
Se
compararmos o MPLA – Partido de Trabalho (em termos ideológico-doutrinários, de
organização, de disciplina e de mobilização) e a “organização de massas” (?)
que é hoje o MPLA, podemos confirmar quanto os “lobbies” característicos da
selvageria a que chegou este “mercado aberto” (à imagem e semelhança dum
filantropo-especulador que bolou as “Open Societies” e as “revoluções coloridas”),
“lobbies” e “mercados abertos” que correspondem a estímulos e interesses de
grupos, têm um comportamento de “cosa nostra”, ou de “casa alugada”:
desalojaram aquela criatura que estava legitimamente instalada (por que forjada
na luta), para se apoderar e usar da concha a seu bel-prazer (por que a forja
foi o capitalismo neoliberal, tanto por via do choque, como por via da terapia)!
Ao
“obsoleto” marxismo-leninismo abriram espaço para dar guarida a uma
social-democracia que cada vez mais se tisna de democracia cristã, ao nível das
ideologias do “Le Cercle”!...
Em
resultado, na base verifica-se que os Comités são cada vez mais inertes, não só
por causa das ideias vazias de hoje, mas por que só mobilizam quando a época
das eleições se aproxima e isso por que os interessados do costume (entenda-se
aqueles motivados pelas correntes surgidas do neoliberalismo, ou com ele)o
espevitam na tentativa de concorrer aos lugares!
Para
partidos como a UNITA, ou o CASA-CE, esse é um ambiente naturalmente dilecto,
pois Savimbi até tinha sido um dos eleitos “freedom fighters” de Ronald Reagan,
que “inaugurou” a aplicação do capitalismo neoliberal, essencial durante
décadas aos pressupostos da hegemonia unipolar!
Eles,
herdeiros como Samakuva ou Chivukuvuku, estão à vontade e sentem-se em
casa num ambiente desses, um ambiente de menor esforço, pois têm salvaguardado
muitos aspectos fundamentalistas de sua própria génese e trajectória
eminentemente etno-nacionalista!
As
pessoas no decorrer das últimas três décadas passaram a valer assim muito mais
pelo que "têm" (na maior parte dos casos ilegitimamente, ou mesmo
ilegalmente), com a arrogância, a sobranceria, o mercenarismo e a desonestidade
compatível (quanto se vão afastando do bom povo angolano), do que por aquilo
que são, num processo em que a “coisa pública” tem servido cada vez mais como
uma plataforma para fomentar o que é “privado” (por bastas razões alguém bem
avisado fundamentava que “a propriedade é um roubo”), quantas vezes de forma
ilícita ou mesmo criminosa, em prejuízo da cultura de respeito, honestidade e
dignidade para com o estado angolano, de que muitos se passaram a servir ao
invés de servi-lo!
Esse
estado angolano enquanto fiel depositário dos interesses do povo angolano, tem
vindo a vulnerabilizar-se e sistematicamente a fragilizar-se, por que tal como
as outras instituições o estado fica, por esse caminho, cada vez mais refém de
máfias constituídas em grupos familiares na reedição do velho processo de “assimilação”
e as “parcerias público-privadas”, ou a distribuição indiscriminada de actividades
sem concurso público, acabam por o sorver até ao tutano, por via duma empolada
facturação em cada vez menos mãos!...
No
resto, os “indígenas que se amanhem”, como por exemplo a comunidade de antigos
membros da própria Segurança do Estado conforme à ASPAR, onde dou a minha
pessoal contribuição de há 8 anos a esta parte!
Vivi
o tempo em que na Segurança do Estado se havia implementado uma cultura de
respeito, dignidade e rigor para com o estado angolano de que éramos
fundadores, algo que vigorou desde o 11 de Novembro de 1975 até 1985!
Essa
era também uma cultura de amor, de solidariedade, de internacionalismo e com um
carácter inerente à lógica com sentido de vida!
Sem
dúvida que durante essa década essa cultura não foi absorvida por todos no MPLA
e foi um processo de luta contra os tráficos (processo 105/83) que acabou por
ser uma charneira entre as opções da primeira década consubstanciadas na
República Popular de Angola e o que se lhe seguiu: com a prisão e condenação
dos oficiais da Segurança do Estado, o rigor foi-se diluindo e cedendo espaço à
corrupção de forma irremediável e com a visibilidade que hoje se propicia!
Para
mim são mais de 30 anos de luta nesse vazio, mais de 30 anos de “travessia de
deserto” e por isso me parece justo continuar a afirmar conforme aos meus
desaparecidos escritos na prisão de Bentiaba: “a história me absolverá” e, “quando
um dia se fizer luz, que seja o MPLA e todo o povo angolano a tirarem os
legítimos benefícios dela”!
Resgatar
África e os seus povos das longas trevas coloniais e do passado de
obscurantismo e ignorância, em busca de justiça e equilíbrio em benefício de
toda a humanidade, é um caminho de luta irrevogável que consumirá a minha vida
individual até ao fim, sabendo o muito que vai a ela sobrar!
É
assim que me ouso ver ao espelho neste 11 de Novembro de 2017, numa profissão
de fé por uma lógica com sentido de vida!
Confesso
que vivi!
Martinho
Júnior. - Luanda, 19 de Novembro de 2017
Foto:
Monumento do Soldado Desconhecido, recém-inaugurado na Marginal 4 de fevereiro
em Luanda, ao fim e ao cabo onde eu próprio também me revejo!
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