domingo, 3 de dezembro de 2017

HAVERÁ UMA "NOVA ANGOLA" COM JOÃO LOURENÇO?



O investigador suíço Jon Schubert espera mudanças com o novo Presidente. Mas ainda falta atacar outros interesses, lembra o especialista em Angola. E que as reformas de João Lourenço tenham impacto na vida dos angolanos.

Jon Schubert esteve recentemente em Luanda, onde viveu oito anos da sua infância - entre 1984 e 1992, quando o pai trabalhou como missionário na capital angolana - para o lançamento do seu novo livro "Working the System - A Political Etnography of the New Angola" (ainda sem tradução em português). Foi precisamente nessa altura que o novo chefe de Estado angolano começou a exonerar várias administrações de empresas estatais, anteriormente nomeadas por José Eduardo dos Santos.

O académico suíço confessa ter sido apanhado de surpresa pelas chamadas "exonerações implacáveis"do novo Presidente. No livro "Uma Etnografia Política da Nova Angola", escreveu até que João Lourenço não seria homem de grandes reformas. Agora, porém, já acredita que "JLo" está disposto a realizar mudanças e agir de forma mais independente.

A DW África conversou com o investigador da Universidade de Genebra sobre as recentes medidas, os interesses económicos que ainda é preciso atacar e o que falta ainda fazer para que nasça, de facto, uma verdadeira "Nova Angola".

DW África: Esteve recentemente em Angola, onde acompanhou algumas das chamadas "exonerações implacáveis" de João Lourenço - nem os filhos de José Eduardo dos Santos foram poupados. Estas medidas apanharam-no de surpresa?

Jon Schubert (JS): Foi uma surpresa e não só para mim. Muitas pessoas com quem conversei ficaram muito surpreendidas com a rapidez dessas exonerações. No início da minha estadia, as pessoas ainda diziam que João Lourenço tinha de avançar com muita cautela, que tinha armadilhas de todo o lado e que, como o ex-Presidente ainda se mantém na direção do partido, ele tinha um espaço muito limitado para atuar. E durante a minha estadia essas exonerações começaram com uma rapidez extraordinária. Parece que o Presidente João Lourenço está disposto a usar os direitos, os poderes constitucionais que ele tem para atuar com mais independência do que se pensava ainda antes das eleições.

DW África: Aliás, no seu novo livro "Uma Etnografia Política da Nova Angola" conclui que João Lourenço, por ser demasiado fiel a José Eduardo dos Santos, provavelmente não iria fazer grandes reformas. E que seria preciso mais do que a mudança de Presidente para mudar as relações políticas, económicas e sociais em Angola e a maneira como o sistema funciona. Se escrevesse o final do livro hoje, a conclusão seria outra?

JS: Não sei se estou inteiramente arrependido do que escrevi. Acho que, na verdade, vai ser preciso mais do que a mudança de Presidente para mudar fundamentalmente as relações económicas e políticas em Angola. Mas as coisas que antigamente só se diziam mais ou menos às escondidas, à pequena voz, agora as pessoas já dizem abertamente "o legado do ex-Presidente". Assegurou a paz, mas a factura ficou muito pesada, como já me disseram. E isso é um alívio que é muito notável.

DW África: E os angolanos com quem tem falado como é que estão a reagir a estas súbitas mudanças? Quais são as expectativas? Há mais optimismo ou cepticismo?

JS: Muito mais optimismo, é quase uma euforia. Sobretudo no caso dos próprios filhos do ex-Presidente. Já se sabia há anos que isso estava mal e que não era a forma certa de gerir o país. Ainda é cedo para falar em pessoas serem presas ou em processos judiciais, mas pelo menos tiraram-nos desses cargos muito visíveis. Já é um passo importante.

DW África: Na sua opinião, o que falta ainda fazer? É preciso atacar outros interesses económicos considerados intocáveis? 

JS: Parece que, até agora, ele está a limitar-se aos interesses económicos do próprio círculo muito restrito do ex-Presidente e da família do José Eduardo dos Santos, o que lhe dá um apoio da população e também dentro do partido. Há muitos anos que havia pessoas descontentes com essa monopolização do poder. Há outros interesses económicos dentro do sistema, dentro das Forças Armadas e dentro do partido, que são capazes de manter-se ainda algum tempo. Ainda é muito cedo para dizer se João Lourenço vais realmente com alguma seriedade atacar também esses outros interesses ou não.

DW África: Na sua obra, analisa detalhadamente a relação entre o poder e povo e explica como funciona esse sistema - a "Nova Angola" segundo quem lá vive. É quase uma espécie de guia para navegar todos os dias nas "águas políticas" desse sistema desigual e complexo? 

JS: O que eu tentei compreender com esse estudo foi como é que esse relacionamento se constrói, quais são as relações sociais através das quais o relacionamento entre o povo e o poder se constrói. E isso não obstante o facto de as pessoas dizerem que é um relacionamento que está mal, que é um relacionamento que é péssimo. Há e houve opressão e violência, mas não só. Há processos de negociação que criam uma certa forma de autoridade pública ou até legitimidade política.

DW África: Será que é agora que vai realmente nascer uma "Nova Angola", como refere no seu livro?

JS: A "Nova Angola" do título é essa que foi imposta pelo Governo do MPLA e José Eduardo dos Santos depois do fim da guerra. É essa Angola que tem de conquistar o seu lugar certo no palco internacional, com a economia a crescer e sobretudo também com a dominância incontestável do MPLA. E vai ser interessante ver agora se com a crise, que talvez obrigue também a levar a cabo essa diversificação da economia, da qual se fala já há anos, se vai construir realmente uma nova Angola, com um relacionamento político e económico diferente ou não. 

DW África: Será esse também o "caminho da salvação" para o MPLA continuar no poder?

JS:  Essas iniciativas de João Lourenço são, pelo menos na minha óptica, a única maneira de assegurar um futuro político para esse partido. As eleições de 2017 dificilmente seriam ganhas com o ex-Presidente à frente da lista. E se essas reformas tiverem um impacto visível na vida das pessoas, talvez o MPLA ainda possa continuar a dominar o palco político nos próximos anos.

Madalena Sampaio | Deutsche Welle

Sem comentários:

Mais lidas da semana