O
investigador suíço Jon Schubert espera mudanças com o novo Presidente. Mas
ainda falta atacar outros interesses, lembra o especialista em Angola. E
que as reformas de João Lourenço tenham impacto na vida dos angolanos.
Jon
Schubert esteve recentemente em Luanda, onde viveu oito anos da sua infância -
entre 1984 e 1992, quando o pai trabalhou como missionário na capital angolana
- para o lançamento do seu novo livro "Working the System - A Political
Etnography of the New Angola" (ainda sem tradução em português). Foi
precisamente nessa altura que o novo chefe de Estado angolano começou a
exonerar várias administrações
de empresas estatais, anteriormente nomeadas por José Eduardo dos Santos.
O
académico suíço confessa ter sido apanhado de surpresa pelas chamadas "exonerações
implacáveis"do novo Presidente. No livro "Uma Etnografia Política
da Nova Angola", escreveu até que João
Lourenço não seria homem de grandes reformas. Agora, porém, já
acredita que "JLo" está disposto a realizar mudanças e agir de forma
mais independente.
A
DW África conversou com o investigador da Universidade de Genebra sobre
as recentes
medidas, os interesses económicos que ainda é preciso atacar e o que falta
ainda fazer para que nasça, de facto, uma verdadeira "Nova Angola".
DW
África: Esteve recentemente em Angola, onde acompanhou algumas das chamadas "exonerações
implacáveis" de João Lourenço - nem os filhos de José Eduardo dos Santos
foram poupados. Estas medidas apanharam-no de surpresa?
Jon
Schubert (JS): Foi uma surpresa e não só para mim. Muitas pessoas com quem
conversei ficaram muito surpreendidas com a rapidez dessas exonerações. No
início da minha estadia, as pessoas ainda diziam que João Lourenço tinha de
avançar com muita cautela, que tinha armadilhas de todo o lado e que, como o
ex-Presidente ainda se mantém na direção do partido, ele tinha um espaço muito
limitado para atuar. E durante a minha estadia essas exonerações começaram com
uma rapidez extraordinária. Parece que o Presidente João Lourenço está disposto
a usar os direitos, os poderes constitucionais que ele tem para atuar com mais independência
do que se pensava ainda antes das eleições.
DW
África: Aliás, no seu novo livro "Uma Etnografia Política da Nova
Angola" conclui que João Lourenço, por ser demasiado fiel a José Eduardo
dos Santos, provavelmente não iria fazer grandes reformas. E que seria preciso
mais do que a mudança de Presidente para mudar as relações políticas,
económicas e sociais em Angola e a maneira como o sistema funciona. Se
escrevesse o final do livro hoje, a conclusão seria outra?
JS: Não
sei se estou inteiramente arrependido do que escrevi. Acho que, na
verdade, vai ser preciso mais do que a mudança de Presidente para mudar
fundamentalmente as relações económicas e políticas em Angola. Mas as coisas
que antigamente só se diziam mais ou menos às escondidas, à pequena voz, agora
as pessoas já dizem abertamente "o legado do
ex-Presidente". Assegurou a paz, mas a factura ficou muito pesada,
como já me disseram. E isso é um alívio que é muito notável.
DW
África: E os angolanos com quem tem falado como é que estão a reagir a
estas súbitas mudanças? Quais são as expectativas? Há mais optimismo ou
cepticismo?
JS: Muito
mais optimismo, é quase uma euforia. Sobretudo no caso dos próprios filhos do
ex-Presidente. Já se sabia há anos que isso estava mal e que não era a forma
certa de gerir o país. Ainda é cedo para falar em pessoas serem presas ou em
processos judiciais, mas pelo menos tiraram-nos desses cargos muito visíveis.
Já é um passo importante.
DW
África: Na sua opinião, o que falta ainda fazer? É preciso atacar
outros interesses económicos considerados intocáveis?
JS: Parece
que, até agora, ele está a limitar-se aos interesses económicos do próprio
círculo muito restrito do ex-Presidente e da família do José Eduardo dos
Santos, o que lhe dá um apoio da população e também dentro do partido. Há
muitos anos que havia pessoas descontentes com essa monopolização do poder. Há
outros interesses económicos dentro do sistema, dentro das Forças Armadas e
dentro do partido, que são capazes de manter-se ainda algum tempo. Ainda é
muito cedo para dizer se João Lourenço vais realmente com alguma
seriedade atacar também esses outros interesses ou não.
DW
África: Na sua obra, analisa detalhadamente a relação entre o poder e povo
e explica como funciona esse sistema - a "Nova Angola" segundo quem
lá vive. É quase uma espécie de guia para navegar todos os dias nas "águas
políticas" desse sistema desigual e complexo?
JS: O
que eu tentei compreender com esse estudo foi como é que esse
relacionamento se constrói, quais são as relações sociais através das
quais o relacionamento entre o povo e o poder se constrói. E isso não
obstante o facto de as pessoas dizerem que é um relacionamento que está
mal, que é um relacionamento que é péssimo. Há e houve opressão e violência,
mas não só. Há processos de negociação que criam uma certa forma de autoridade
pública ou até legitimidade política.
DW
África: Será que é agora que vai realmente nascer uma "Nova
Angola", como refere no seu livro?
JS: A
"Nova Angola" do título é essa que foi imposta pelo Governo do MPLA e
José Eduardo dos Santos depois do fim da guerra. É essa Angola que tem de
conquistar o seu lugar certo no palco internacional, com a economia a crescer e
sobretudo também com a dominância incontestável do MPLA. E vai ser interessante
ver agora se com a crise, que talvez obrigue também a levar a cabo essa
diversificação da economia, da qual se fala já há anos, se vai construir
realmente uma nova Angola, com um relacionamento político e económico diferente
ou não.
DW
África: Será esse também o "caminho da salvação" para o MPLA
continuar no poder?
JS: Essas
iniciativas de João Lourenço são, pelo menos na minha óptica, a única maneira
de assegurar um futuro político para esse partido. As eleições de 2017
dificilmente seriam ganhas com o ex-Presidente à frente da lista. E se essas
reformas tiverem um impacto visível na vida das pessoas, talvez o MPLA ainda
possa continuar a dominar o palco político nos próximos anos.
Madalena
Sampaio | Deutsche Welle
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