Thierry
Meyssan*
Tendo
organizado uma ida à Arábia Saudita afim de trazer de volta o Primeiro-
ministro libanês, que aí está retido como prisioneiro com a sua família, o
Presidente Emmanuel Macron sofreu lá uma afronta pública sem precedentes. Muito
embora a imprensa francesa e ocidental tudo tenha feito para ocultar uma parte
dos acontecimentos, a opinião pública árabe acabou por constatar a perda
vertiginosa de prestígio e de influência da França no Médio-Oriente.
A
demissão do Primeiro-ministro sunita libanês e o seu discurso televisionado
anti-persa não provocaram o confronto esperado no seu país. Pior, o seu
adversário de sempre, o xiita sayyed Hassan Nasrallah, Secretário-geral do
Hezbolla, deu-se ao luxo de tomar a sua defesa, desvelando que ele estava
prisioneiro em Riade e denunciando a ingerência saudita na vida política
libanesa. Em poucas horas a comunidade religiosa de Hariri começou a
inquietar-se pelo seu chefe. O Presidente da República, o cristão Michel Aoun,
denunciou um «sequestro» e recusou levar em conta esta demissão forçada, até
que o seu Primeiro-ministro venha apresentar-lha em pessoa. Enquanto certos
líderes da Corrente do Futuro, o Partido de Hariri, garantiam que ele estava
livre e de boa saúde, os Libaneses, no seu conjunto, faziam bloco para exigir a
sua libertação. Todos compreenderam que a breve viagem de Saad Hariri aos
Emirados Árabes Unidos e as suas curtas aparições públicas não passavam de
poeira atirada para os olhos, estando a sua família tomada como refém no hotel
Ritz-Carlton de Riade junto com centenas de personalidades presas. Da mesma
forma, todos perceberam que ao recusar, de momento, a demissão do
Primeiro-ministro, Michel Aoun agia como Estadista e conservava o único meio de
pressão que podia permitir obter a sua eventual libertação.
A
França é a antiga potência colonial do Líbano, que ocupou até a Segunda Guerra
Mundial. Durante muito tempo tudo dependia dela. Hoje em dia ela usa isso como
uma antena no Levante e como paraíso fiscal. Personalidades libanesas estão
mergulhadas em todos os escândalos político-financeiros dos últimos trinta anos
em França.
O
Presidente Emmanuel Macron, agindo como protector do Líbano, evocou a
necessidade de retorno do Primeiro-ministro ao seu país.
Possibilitando
o acaso do calendário que fosse a Abu Dhabi, a 9 de Novembro, para aí inaugurar
o «Louvre das Areias», ele não podia deixar de tomar a iniciativa. Acontece
que, sucedendo a «Jacques Chirac, o Árabe», a «Nicolas Sarkozy, o Catari» e a
«François Hollande, o Saudita», o Presidente Macron não deixara, durante a sua
campanha eleitoral, de dizer o pior sobre o que pensava de Doha e de Riade.
Embora não manifestando nenhuma simpatia pelo Golfo, ele acabara próximo dos
Emiradenses por exclusão de partes.
O
Palácio do Eliseu tentou organizar uma paragem de Emmanuel Macron em Riade,
para de lá trazer de volta Saad Hariri. Mas, o Rei Salman recusou receber o
pequeno Francês.
Do
ponto de vista do Conselho de Cooperação do Golfo (quer dizer, de todos os
Estados árabes desta região), a França foi durante os sete últimos anos um
aliado seguro contra a Líbia e contra a Síria. Ela participou militarmente
—publicamente ou em segredo— em todas as golpadas contra estes dois países, e
forneceu a cobertura diplomática e o discurso cor-de-rosa necessários a estas
agressões. No entanto, enquanto a Líbia está presa no caos e a Síria está,
contra todas as expectativas, à beira de ganhar a guerra, a França está, de
facto, desamparada e apática. O novo hóspede do Eliseu, Emmanuel Macron, ignora
tudo sobre esta região do mundo e balança entre o reconhecimento da República
síria, num dia, e no dia seguinte ofensas contra o seu Presidente eleito. Além
disso, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos levaram muito a mal as
declarações do Presidente Macron apelando a um apaziguamento com o Catar. Para
eles, cientes dos esforços que iniciaram para romper com os jiadistas, é
inaceitável tolerar o apoio de Doha aos terroristas.
A
inauguração do «Louvre das Areias» era a ocasião perfeita para um belo discurso
sobre a cultura que nos une; prestação que estava incluída no pacote de mil
milhões (1 bilhão-br) de dólares concluído há muito tempo entre os dois
Estados. Encerrada esta formalidade, o Presidente Macron inquiriu junto ao seu
anfitrião, Xeque Mohammed Ben Zayed, sobre o que se passava na vizinha Arábia
Saudita e qual o destino de Saad Hariri.
Ao
contrário dos beduínos da Arábia Saudita e do Catar, os Emiradenses são um povo
de pecadores. Enquanto os primeiros apenas viveram durante séculos no seu
deserto, os segundos percorriam os mares. Por causa desta peculiaridade, os
Emiradenses haviam sido anexados, durante a colonização britânica, ao Império
das Índias, não dependendo directamente de Londres, mas, sim de Deli. Hoje,
eles investiram os seus rendimentos petrolíferos comprando uns sessenta portos
em vinte e cinco países (entre os quais Marselha, em França, Roterdão nos
Países Baixos, Londres e Southampton no Reino Unido). Este dispositivo permite
aos seus serviços secretos fazer entrar e sair nesses países o que eles
desejem, apesar dos controles aduaneiros locais; um serviço que eles sabem
vender a outros Estados. Graças às sanções norte-americanas contra Teerão o
porto de Dubai tornou-se de facto a porta do Irão (Irã-br),
encaixando lucros faraónicos ao violar o embargo dos EUA. É por isso que o Abu
Dhabi tem um interesse económico vital em encorajar a querela árabe-persa,
mesmo quando os Emirados reivindicam as ilhas de Tonb e Bou-Moussa a seus olhos
«ocupadas» pelo Irão.
Não
é segredo para ninguém que o Xeque Mohammed Ben Zayed exerce um forte
ascendente sobre o Príncipe herdeiro saudita Mohammed Ben Salmane («MBS»).
Assim sendo, o primeiro telefonou, na frente do Presidente Macron, ao segundo
para obter um encontro.
O
Francês (39 anos) fez, portanto, escala em Riade no seu caminho de volta a
casa. Foi acolhido no aeroporto por «MBS» (32 anos) e aí jantou com ele.
Na
noite de 4 para 5 de Novembro, «MBS» pôs fim ao governo colegial da Dinastia
Saud e instaurou o poder pessoal do seu pai, o Rei Salman. Para o conseguir,
ele mandou prender, ou assassinar, todos os líderes dos outros clãs da família
real, bem como os pregadores e imãs a eles devotados, ou seja, um total de cerca
de 2.400 personalidades. Spin doctors (peritos em assessoria- ndT)
israelitas apresentaram este golpe Palaciano como uma operação anti-corrupção.
Contrariamente
aquilo que esperava, o Presidente francês tinha lá ido para nada. Não trouxera
consigo o ainda Primeiro-ministro libanês de volta, e nem sequer falou com ele.
Muito pior ainda, dizendo-se preocupado com as suas pesadas obrigações
parisienses, «MBS» acompanhou-o de volta ao seu avião.
Talvez
não vos seja possível captar o nível da afronta feita a Emmanuel Macron, tão
incrivelmente grosseira ela foi: o Presidente francês não foi recebido pelo seu
homólogo, o Rei da Arábia Saudita, muito embora este tenha concedido, todos os
dias, uma enorme quantidade de audiências a personalidades de segunda classe.
Esta
forma de grosseria, característica das maneiras da diplomacia árabe, não pode
ser unicamente imputável a «MBS», mas, também ao Xeque Mohammed Ben Zayed, que
sabia muito bem o que esperar ao enviar o jovem Francês para ser humilhado em
Riade.
Conclusão:
ao não se adaptar, de imediato, à reviravolta da Arábia Saudita após o discurso
anti-terrorista de Donald Trump, em Maio passado, e, ao manter a aposta em dois
cavalos ao mesmo tempo, a França colocou-se à margem da região. Os Emirados
apreciam o Louvre e as corvetas da Marinha francesa, mas já não levam os
Franceses a sério. Os Sauditas lembram-se bem das palavras do candidato Macron
contra eles e das do Presidente Macron a favor do Catar, o actual padrinho dos
Irmãos Muçulmanos. Assim, eles mostraram-lhe que não devia envolver-se, nem nos
problemas do Golfo, nem na sucessão ao trono dos Saud, ainda menos na querela
contra o Irão, e muito menos ainda nos conflitos em torno do Líbano.
A
França tornou-se uma estranha no que diz respeito ao Médio-Oriente.
Na
foto: O Presidente Macron (aqui com «MBS») não é o único responsável pela
humilhação que lhe foi infligida pelo Rei da Arábia Saudita. Ele paga quer
pelos crimes dos seus predecessores, como pela sua incapacidade em determinar
uma nova política no Médio-Oriente.
*
Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis
for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa
árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous
nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable
imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand,
2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y
desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores,
2008).
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