Nestas
festas, serão oferecidos smatphones para cães e impressoras 3D de panquecas. Há
alternativa: uma vida privada frugal e bens comuns refinados. Quem se
atreve?
George
Monbiot | Outras Palavras | Tradução: Inês Castilho | Imagem: Banksy
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MAIS:
Natal pós-capital, o encontro
Outras Palavras, Autonomia Literária e Rizoma convidam para outra celebração
Sexta, 22/12, a partir das 19h
No Al Janiah, em São Paulo: Rua Rui Barbosa, 269, São Paulo — Metrô São Joaquim (mapa)
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Todo
mundo quer tudo – como é que isso pode dar certo? A promessa do crescimento
econômico é de que os pobres poderão viver como ricos; e os ricos, como
oligarcas. Mas nós já estamos detonando os limites físicos do planeta que nos
sustenta. Pane climática, desertificação do solo, colapso de habitats e
espécies, mar de plástico, armagedom de insetos: tudo é causado pela alta do
consumo. A promessa de luxo privado para todos não pode ser cumprida: não
existe nem espaço físico nem espaço ecológico para isso.
Mas
o crescimento deve continuar: esse é o imperativo político em todos os lugares.
E temos de ajustar nossos paladares de acordo, em nome da autonomia e da
escolha – o marketing usa as últimas descobertas da neurociência para destruir
nossas defesas. Aqueles que procuram resistir devem, como os Vida Simples
[Simple Lifers] em Admirável Mundo Novo, ser silenciados – pela mídia, no
nosso caso. A cada geração, muda a referência do consumo naturalizado. Há
trinta anos, era ridículo comprar água em garrafa, pois a água de torneira é
limpa e abundante. Hoje, no mundo todo, usamos um milhão de garrafas plásticas
a cada minuto.
Toda
sexta-feira [friday] é uma Black Friday; todo Natal é um festival mais
aberrante de destruição. Entre saunas de neve, refrigeradores portáteis de melão e smartphones
para cachorros com que somos instigados a preencher nossas vidas, meu
prêmio de #extremacivilização vai agora para o PancakeBot: uma
impressora de massas 3-D que lhe permite comer, todas as manhãs, a Mona Lisa, o
Taj Mahal ou o traseiro do seu cachorro. Na prática, vai entupir sua cozinha
até você perceber que não tem espaço pra isso. Por tralhas como essas estamos
transformando em lixo o planeta vivo e nossas próprias perspectivas de vida.
Tudo isso precisa acabar.
A
promessa auxiliar é que, pelo consumismo verde, podemos reconciliar crescimento
perpétuo com sobrevivência planetária. Mas uma série de pesquisas revela que
não há diferença significativa entre as pegadas ecológicas de pessoas que
cuidam e que não cuidam de seus impactos. Um artigo recente, publicado na
revista Environment and Behaviour [Ambiente e Comportamento], revela
que quem se identifica como consumidor consciente usa mais energia e carbono do
que quem não.
Por
que? Porque a consciência ambiental tende a ser mais alta entre pessoas ricas.
Não são as atitudes, mas a renda que determina nossos impactos no planeta.
Quanto mais ricos, maior nossa pegada, a despeito de nossas boas intenções.
Aqueles que se veem como consumidores verdes, diz o artigo, “focam principalmente
em comportamentos que têm benefícios relativamente pequenos”.
Conheço
gente que recicla meticulosamente, guarda suas sacolas plásticas, mede com
cuidado a água que coloca em suas chaleiras e então tira férias no Caribe,
dispendendo cem vezes mais que suas economias ambientais. Passei a crer que a
reciclagem lhes fornece desculpa para seus voos de longa distância. Convence as
pessoas de que tornaram-se verdes, e a assim desconsiderar seus grandes
impactos.
Nada
disso significa que não devemos tentar reduzir nossos impactos, mas precisamos
ter consciência dos limites desse exercício. Nosso comportamento dentro do
sistema não consegue mudar os resultados desse sistema. É o sistema que precisa
ser mudado.
Uma
pesquisa da Oxfam sugere que o 1% mais rico (se sua renda familiar é de 308 mil
reais ou mais por ano, isso te inclui) produz 175 vezes mais carbono que os 10%
mais pobres. Como podemos, num mundo em que supostamente todos aspiram a altos
rendimentos, evitar transformar a Terra numa bola de sujeira, da qual depende
toda a prosperidade?
Por
dissociação, dizem os economistas: desvincular o crescimento econômico do uso
de materiais. E como é que vai isso? Um artigo na revista PlosOne revela
que, enquanto em alguns países ocorreu uma relativa dissociação, “nenhum país
conseguiu dissociação absoluta nos últimos 50 anos”. Significa que a quantidade
de materiais e energia associadas com cada aumento do PIB pode declinar, mas, à
medida em que o crescimento ultrapassa a eficiência, o uso total de recursos
continua crescendo. Mais importante, o artigo revela que no longo prazo são
impossíveis tanto a dissociação relativa quanto a dissociação absoluta do uso
de recursos essenciais, por causa dos limites físicos da eficiência.
Uma
taxa de crescimento global de 3% significa que o tamanho da economia mundial é
duplicado a cada 24 anos. Essa é a razão pela qual as crises ambientais
aceleram-se a essa velocidade. Ainda assim, o plano é assegurar que ela
duplique e duplique outra vez, e continue a duplicar para todo o sempre. Ao
procurar defender o mundo vivo do sorvedouro da destruição, podemos acreditar
que estamos lutando contra corporações e governos e a insensatez geral da
humanidade. Mas eles são todos procuradores do verdadeiro problema: crescimento
perpétuo num planeta que não está crescendo.
Aqueles
que justificam esse sistema insistem em que o crescimento econômico é essencial
para o alívio da pobreza. Mas um artigo da World Economic Review afirma
que os 60% mais pobres do mundo recebem apenas 5% do rendimento adicional
gerado pelo aumento do PIB. Disso resulta que são precisos 111 dólares de
crescimento para cada 1 dólar de redução da pobreza. Essa é a razão por que,
seguindo a tendência atual, seriam necessários 200 anos para garantir que todo
o mundo receba 5 dólares por dia. A essa altura, a renda média per capita terá
alcançado 1 milhão de dólares por ano, e a economia será 175 vezes
maior do que é hoje. Isso não é uma formula para alívio da pobreza. É uma
fórmula para a destruição de tudo e de todos.
Quando
você ouve que alguma coisa faz sentido do ponto de vista econômico, isso
significa que é o oposto do senso comum. Aqueles homens e mulheres sensíveis
que governam os tesouros e bancos centrais do mundo, que veem como normal e
necessário um crescimento indefinido do consumo, estão alucinados, esmagando as
maravilhas do mundo vivo, destruindo a prosperidade das gerações futuras para
sustentar um conjunto de cifras que têm uma relação cada vez menor com o
bem-estar geral.
Consumismo
verde, dissociação material, crescimento sustentável: isso tudo é ilusão,
destinada a justificar um modelo econômico que está nos conduzindo à
catástrofe. O sistema atual, baseado em luxo privado e imundície pública, vai
nos levar à miséria: sob esse modelo, luxo e privação são uma só besta com duas
cabeças.
Necessitamos
de um sistema diferente, enraizado não em abstrações econômicas mas em
realidades físicas, que estabeleça os parâmetros pelos quais nós julgamos sua
saúde. Necessitamos construir um mundo no qual o crescimento não seja
necessário, um mundo de frugalidade privada e luxo público. E devemos fazer
isso antes que a catástrofe force nossa mão.
*
George Monbiot - Jornalista, escritor, acadêmico e ambientalista do Reino
Unido. Escreve uma coluna semanal no jornal The Guardian.
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