terça-feira, 31 de janeiro de 2017

DEMOCRACIA: O PARADOXO MACDONALD’S



Como as corporações globais esvaziam o poder das sociedades por meio de agendas parlamentares secretas, chantagens, deslocalização de fábricas e corrosão das ideias de nação e comunidade

George Monbiot – Outras Palavras - Tradução: Inês Castilho

Uma onda de repulsa percorre o mundo. As taxas de aprovação dos governantes de plantão estão despencando em todo lugar. Símbolos, slogans e sensações alardeiam fatos e argumentos matizados. Um em cada seis norte-americanos acredita hoje que um governo militar seria uma boa ideia. De tudo isso, tiro uma conclusão peculiar: nenhum país com um McDonald’s pode manter-se uma democracia.

Há vinte anos, Thomas Friedman, colunista do New York Times, propôs sua “teoria dos arcos de ouro para a prevenção de conflitos”. Ela sustenta que “nunca dois países que têm McDonald’s guerrearam entre si desde que cada um deles instalou seu McDonald’s”.

Friedman construiu uma das muitas narrativas do fim da história, sugerindo que o capitalismo global levaria à paz permanente. Ele afirma que o sistema pode criar “um ponto de virada em que o país, ao integrar-se à economia global, abrir-se ao investimento estrangeiro e capacitar seus consumidores, restringe permanentemente sua capacidade de provocar conflitos e promove a gradual democratização e ampliação da paz.” Ele não quis dizer que o McDonald’s põe fim à guerra, mas que sua chegada simboliza a transição.

Ao usar o McDonald’s como símbolo das forças que destroem a democracia eu estou, como ele, escrevendo de modo figurativo. Não quero dizer que a presença da cadeia de hambúrguer, por si mesma, é a causa do declínio de sociedades abertas, democráticas (embora ele tenha desempenhado seu papel na Grã Bretanha, ao usar as leis de difamação contra seus críticos). Nem quero dizer que países que têm McDonald’s irão necessariamente transformar-se em ditaduras.

O que quero dizer é que, sob a investida do capital volátil e transnacional exemplificado pelo McDonald’s, a democracia como sistema vivo mucha e morre. As velhas formas e fóruns ainda existem – parlamentos e congressos continuam de pé – mas o poder que eles tiveram naufraga, reemergindo onde já não podemos alcançá-lo.

O poder político que deveria nos pertencer foi transferido para reuniões confidenciais com lobistas e doadores, que estabelecem os limites do debate e da ação. Ele esvaiu-se entre os diktats do FMI e dos bancos centrais, que não respondem ao povo mas ao setor financeiro. Foi transportado, sob escolta armada, para a velocidade gelada do Fórum Econômico Mundial de Davos, onde Thomas Friedman tem uma recepção muito calorosa, mesmo quando faz falas sem sentido.

Acima de tudo, o poder que deveria pertencer ao povo está sendo atropelado por tratados internacionais. Contratos como o Nafta, Ceta, o proposto Acordo Comercial Transpacífico e Tratado de Comércio de Serviços  (TiSA, em inglês), o fracassado Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP, na sigla em inglês) são negociados a portas fechadas, em discussões dominadas por lobistas das corporações.  E esses lobistas são capazes de navegar por cláusulas não informadas que o eleitorado jamais aprovaria, tais como a criação de tribunais offshore não transparentes, por meio dos quais as corporações podem dispensar os tribunais nacionais, desafiar as leis locais e exigir compensação pelas consequências de decisões democráticas.

Esses tratados limitam o escopo da política, impedem que os Estados transformem sua realidade social e rebaixam os direitos trabalhistas, a proteção do consumidor, a regulação financeira e o direito às cidades. Eles debocham da soberania. Qualquer pessoa que esqueça que derrubá-los foi uma das principais promessas de Donald Trump não conseguirá entender por que as pessoas estavam preparadas para arriscar tanto para elegê-lo.

Também em plano nacional, o modelo McDonald’s destrói as democracias efetivas. A democracia depende de confiança, e sensação de pertencimento recíprocos: a convicção de que você pertence à nação e a nação pertence a você. O modelo McDonald’s, ao extirpar a conexão, não poderia ter sido melhor desenhado para apagar essa percepção.

Como observa Tom Wolfe em seu romance Um Homem por Inteiro , “a única maneira de você dizer que estava deixando uma comunidade e entrando em outra era quando as lojas de marcas começaram a a repetir e você localizava um outro 7-Eleven, outro Wendy’s, outro Costco, outro Home Depot”. A alienação e a anomia que essa destruição de localidade promove são ampliadas pela informalização do trabalho e por um regime de monitoramento, quantificação e avaliação arrasadores (no qual o McDonald’s se supera). Os desastres na saúde pública contribuem para o senso de ruptura. Por exemplo, depois de décadas de queda, as taxas de mortalidade entre norte-americanos brancos de meia idade agora estão subindo. Entre as causas prováveis estão a obesidade e o diabetes, dependência de drogas e insuficiência hepática, doenças cujos vetores são as corporações.

As corporações, “livres” das restrições democráticas, nos conduzem a um desastre climático, uma urgente ameaça à paz global. O papel do McDonald’s é especial: a produção de carne está entre as causas mais fortes das mudanças climáticas. Em seu livro The Globalisation Paradox, Dani Rodrik, um economista da Universidade de Harvard, descreve um trilema político. Democracia, soberania nacional e hiperglobalização, argumenta ele, são incompatíveis. Você não pode ter os três ao mesmo tempo. A McDonaldização entope a política doméstica. Incoerente e perigosa, como frequentemente é, a reação global contra políticos do establishment é no fundo uma tentativa de reafirmar a soberania nacional contra as forças de uma globalização não democrática.

No Atlantic, um artigo de Matt Stoller sobre a história do Partido Democrata, recorda que uma escolha semelhante foi articulada pelo grande jurista norte-americano Louis Brandeis. “Podemos ter democracia, ou podemos ter riqueza concentrada nas mãos de poucos, mas não podemos ter os dois”, disse ele. Em 1935, o deputado Wright Patman deu um jeito de passar uma lei contra a concentração do poder corporativo. Entre seus alvos estava a A&P, a cadeia de lojas de seu tempo, que estava esvaziando cidades, destruindo o comércio local e transformando “comerciantes independentes em caixas”.

Em 1938 o presidente Roosevelt avisou que “a liberdade que uma democracia expressa não está segura se as pessoas toleram o crescimento do poder privado até um ponto em que ele se torna mais forte do que seu próprio Estado democrático. Isso, na essência, é fascismo”. Os democratas viam poder corporativo concentrado como uma forma de ditadura. Eles quebraram bancos e empresas gigantes e controlaram as cadeias de lojas. O que Roosevelt, Louis Brandeis e Wright Patman sabiam foi esquecido pelos que estão no poder, inclusive jornalistas poderosos. Mas não pelas vítimas do sistema.

Uma das respostas a Trump, Putin, Orbán, Erdogan, Salvini, Duterte, Le Pen, Farage e a política que eles representam é resgatar a democracia, aprisionada pelas corporações transnacionais. É defender a crucial unidade política que está sendo assaltada pelos bancos, monopólios e cadeias de marcas: a comunidade. É preciso reconhecer que não há maior perigo para a paz entre as nações do que um modelo corporativo que esmaga a escolha democrática.

PEV ESCOLHE ALMARAZ COMO UM DOS TEMAS DAS JORNADAS PARLAMENTARES





O partido ecologista Os Verdes (PEV) realiza entre segunda e terça-feira jornadas parlamentares nos distritos de Castelo Branco e Portalegre dedicadas, entre outros temas, aos riscos decorrentes da central nuclear de Almaraz.

"Ouvir e debater os riscos que a central nuclear de Almaraz representa para Portugal, nomeadamente para as populações e para os territórios localizados na raia e na zona ribeirinha do Tejo, e a forma como estamos preparados para enfrentar esta ameaça", é o principal objetivo do PEV para estas jornadas.

O tema da central de Almaraz será discutido na terça-feira, em Portalegre, numa audição pública.

O PEV é representado no parlamento por Heloísa Apolónia e José Luís Ferreira e concorreu nas últimas legislativas, como é habitual, coligado com o Partido Comunista Português (PCP).

Hoje, os parlamentares do PEV terão reuniões com a administração da Unidade Local de Saúde de Castelo Branco, com os bombeiros voluntários e efetuarão uma visita às instalações do Comando Distrital de Operações de Socorro.

Uma viagem de barco entre Vila Velha de Ródão e barragem do Fratel, e uma conversa com pescadores do Tejo encerram o primeiro dia das jornadas.

Na terça, reúnem-se com a direção do agrupamento de Escolas de Nisa, visitam o centro de formação da GNR de Portalegre e, às 14:00, realiza-se a audição pública sobre a Central Nuclear de Almaraz.

Na semana passada, Portugal enviou uma nova carta a Espanha a insistir que o país deve ser ouvido se o executivo espanhol decidir prolongar a vida da central nuclear de Almaraz.

O processo para a construção do Armazém Temporário Individualizado da Central Nuclear Almaraz teve início em 18 de novembro de 2015, quando foi solicitada a autorização para a construção do armazém de resíduos nucleares, com o objetivo de resolver as necessidades de armazenamento do combustível gasto nos reatores.

A funcionar desde o início da década de 1980, a central está situada junto ao Tejo e faz fronteira com os distritos portugueses de Castelo Branco e Portalegre, sendo Vila Velha de Ródão a primeira povoação portuguesa banhada pelo Tejo depois de o rio entrar em Portugal.

A decisão de Espanha deu origem a protestos, tanto da parte das associações ambientalistas, portuguesas e espanholas, como dos partidos políticos na Assembleia da República.

Lusa, em Notícias ao Minuto - ontem

ALMARAZ É MESMO AQUI AO LADO - Vídeo



ALMARAZ é aqui mesmo ao lado.

A Espanha coloca lixo nuclear ao pé da nossa porta?

Veja a solução de um saloio para responder a essa actitude da Espanha.

Video na SALOIA TV.

A LUTA CONTRA TRUMP. ASSIM NÃO VAI A LADO NENHUM



Pedro Tadeu*, opinião

Tenho a certeza: Donald Trump é um perigo para a humanidade e deve ser combatido com obstinação. Tenho outra certeza: a forma como Donald Trump é combatido reforça mais, no curto prazo, o apoio popular que o levou à Casa Branca.

Vejamos a lista de problemas que Trump prometeu, aos americanos, resolver: o desemprego, a imigração, a criminalidade, o terrorismo, o islamismo radical, a deslocalização de capitais e trabalho, os acordos comerciais da globalização que prejudicam os Estados Unidos, o enfraquecimento económico face à China, a falta de grandes investimentos em infraestruturas, a captura do Obamacare pelas companhias de seguros, a corrupção da classe política em Washington, a falta de poder do povo, a abertura de fronteiras a inimigos e a criminosos, a falta de um muro na fronteira com o México, o inútil intervencionismo militar em países estrangeiros, o desinvestimento no reforço da defesa do território norte-americano. Isto é: "colocar a América primeiro", diz ele.

Quantos norte-americanos, mesmo entre os que não votaram nele, se reveem nesta lista? Este diagnóstico até já foi feito: os americanos acham que estão inseguros, os americanos acham que estão a ser explorados pelos países estrangeiros, os americanos acham que estão a perder a liderança no mundo, os americanos acham que os políticos do sistema são corruptos, os americanos acham que têm imigrantes a mais, os americanos partilham a lista de preocupações de Trump e identificam-se com ela. Isto dá uma tremenda força política ao, agora, "líder do mundo livre".

Enquanto esta visão do planeta e do país for prevalecente nos Estados Unidos - e ela, por si só, na sua dimensão completa, implica a sobreposição de sentimentos de racismo, xenofobia, nacionalismo, imperialismo e populismo - é pouco provável que Trump enfraqueça.

O novo presidente dos Estados Unidos está disposto a tomar medidas desumanas, como a utilização da tortura ou a proibição (ainda temporária) de entrada no país de quaisquer pessoas vindas de sete países muçulmanos. Aqui uma parte, menor, dos americanos que se reconhecem na lista de promessas de Trump repudia os seus processos e demarca-se. Porém, outra parte da população, pelo contrário, reforça o seu apoio por ver no líder do país alguém que é capaz de fazer o que é preciso para concluir o trabalho a que se propôs, em contraste com a ineficácia dos governantes tradicionais, atados pelos nós do politicamente correto.

Com Trump a parecer decidido a cumprir, custe o que custar, as promessas que fez bem pode a imprensa publicar "factos alternativos" para caluniar o homem, como o de estar nas mãos de Putin por causa de uma prostituta russa, que não será por aí que ele enfraquece - pelo contrário, esse tipo de notícias reforça a credibilidade da tese da conspiração mediática "liberal" contra o presidente e, consequentemente, a simpatia popular.

A luta contra Trump vai ser longa e muito difícil porque quem o apoia acha, convictamente, que tem a razão do seu lado e enquanto o tom do combate for primordialmente emocional, hiperbólico e tremendista, essa "racionalidade" não é posta em causa, pelo contrário, aparenta solidez e espalha-se, como um cancro, por mais gente e por mais países, onde novos "Trumps" aproveitarão as metástases. A luta contra Trump e contra tudo o que, por detrás dele, se prepara para capturar o poder no mundo exige, como todas as grandes guerras, estratégia, paciência, serenidade, firmeza, mobilização e tempo. Enquanto for a golpes de contrainformação e a discursos políticos inconsequentes não vai a lado algum.

* Diário de Notícias

REAÇÃO DE LEITORA AO ARTIGO DE OPINIÃO DE PEDRO TADEU – em comentários DN


Os EUA têm uma taxa de desemprego de 4% é quase inexistente , morrem mais pessoas por ataques com armas de fogo que Trump defende que de atentados terroristas , não me parece que as razões que invoca no artigo sejam aquelas pelas quais Trump ganhou as eleições.

Quem elegeu Trump foi sobretudo a América ignorante e profunda , sem instrução que se sente ameaçada pelos imigrantes qualificados e bem mais educados que eles próprios, nas grandes cidades educadas e informadas ganhou Clinton , e continua a ser a ignorância que o suporta.

Em todo o mundo políticos , artistas, empresários , cientistas , advogados de todas as cores políticas já vieram repudiar Trump e tudo o que ele representa.

A CONFISSÃO DO CRIMINOSO JOHN KERRY - com registo audio



Thierry Meyssan*

A guerra contra a Síria é a primeira a ser conduzida durante mais de seis anos na era digital. Inúmeros documentos que deveriam ter ficado como classificados, durante longo tempo, foram já publicados. Claro, foram-no em países diferentes de tal modo que a opinião pública internacional não tomou consciência disso, mas permitem, desde já, reconstituir os acontecimentos. A publicação de uma gravação de declarações feitas por John Kerry em privado, em Setembro último, revela a política do Secretário de Estado e obriga todos os observadores —e aqui, nós incluídos— a rever as suas análises precedentes.

A difusão pelo The Last Refuge da gravação completa do encontro entre o Secretário de Estado John Kerry e membros da Coligação Nacional (a 22 de Setembro de 2016, na delegação dos Países Baixos nas Nações Unidas) põe em causa aquilo que nós acreditávamos ter percebido quanto à posição dos EUA face à Síria.

Em primeiro lugar, pensávamos que se Washington tinha lançado a operação dita «Primavera Árabe» para derrubar os regimes árabes laicos em favor dos Irmãos Muçulmanos, tinha permitido que os seus aliados empreendessem, sozinhos, a Segunda Guerra contra a Síria a partir de Julho de 2012. E que, com estes perseguindo os seus próprios fins (recolonização para a França e o Reino Unido, conquista do gaz para o Catar, expansão do wahhabismo, e vingança pela guerra civil libanesa, para a Arábia Saudita, anexação do Norte do país para a Turquia, segundo o modelo cipriota, etc.), o objetivo inicial teria sido abandonado. Ora, John Kerry afirma nesta gravação que Washington jamais parou de tentar derrubar a República Árabe Síria, o que implica que ele controlou cada etapa do trabalho dos seus aliados. De facto, durante os quatro últimos anos, os jiadistas foram comandados, armados e coordenados pelo Allied LandCom (Comando das Forças Terrestres) da OTAN sediado em Esmirna (Turquia).

Em segundo lugar, John Kerry confirma nela que Washington não podia ir mais longe por causa do Direito Internacional e da posição da Rússia. Entenda-mo-nos: os Estados Unidos não pararam de ultrapassar o seu direito. Eles destruíram o essencial das infra-estruturas petrolíferas e de gaz do país, sob o pretexto de combater os jiadistas (o que está conforme ao Direito Internacional), mas sem para tal terem sido convidados pelo Presidente Assad (o que viola o Direito Internacional). Pelo contrário, eles não ousaram colocar as suas tropas no terreno e combater abertamente a República, tal como o fizeram na Coreia, no Vietname (Vietnã-br) e no Iraque. Para isso escolheram colocar os seus aliados na primeira linha(leadership from behind –- liderança pelos bastidores) e apoiar, sem grande discrição, mercenários, como na Nicarágua, com o risco de serem condenados pelo Tribunal Internacional de Justiça (o Tribunal interno da ONU). Washington não quer envolver-se numa guerra contra a Rússia. E esta, que não se havia oposto à destruição da Jugoslávia e da Líbia, levantou-se e empurrou a linha que não devia ser cruzada. Moscovo está à altura de defender a Lei pelo uso da força, se Washington se enfiar abertamente numa nova guerra de conquista.

Em terceiro lugar, John Kerry confirma aí que Washington esperava uma vitória do Daesh (E.I.) sobre a República. Até aqui, —com base no relatório do general Michael Flynn, de 12 de Agosto de 2012, e do artigo de Robin Wright, no New York Times de 28 de Setembro 2013— tínhamos percebido que o Pentágono planeava criar um «Sunistão» a cavalo sobre a Síria e o Iraque afim de cortar a Rota da Seda. Ora, ele confessa que o plano ia muito mais longe que isso. Provavelmente, o Daesh devia tomar Damasco, depois ser corrido de lá por Telavive (isto é, recuar para o tal «Sunistão» que lhe havia sido atribuído). A Síria teria então sido dividida a Sul por Israel, a Leste pelo Daesh e a Norte pela Turquia.

Este ponto permite compreender porque Washington deu a impressão de não controlar nada mais, de «deixar andar» os seus aliados: com efeito, envolveu a França e o Reino Unido na guerra fazendo-lhes crer que poderiam recolonizar o Levante, quando, na realidade, tinha previsto dividir a Síria sem eles.

Em quarto, ao admitir ter «apoiado» o Daesh(EI), John Kerry reconhecia tê-lo armado, o que reduz a zero a retórica da «guerra contra o terrorismo».

- Sabíamos desde o atentado contra a mesquita de al-Askari em Samarra, a 22 de Fevereiro de 2006, que o Daesh(inicialmente denominado «Emirado Islâmico no Iraque») fora criado pelo Director Nacional de Inteligência dos E.U., John Negroponte, e pelo coronel James Steele —no modelo do que eles tinham feito nas Honduras— para por um fim à Resistência iraquiana e instaurar uma guerra civil. 

- Sabíamos desde a publicação pelo diário do PKK, Özgür Gündem, da acta da reunião de planificação realizada em Amã, a 1 de Junho de 2014, que os Estados Unidos tinham organizado a ofensiva conjunta do Daesh sobre Mossul e do Governo Regional do Curdistão iraquiano sobre Kirkuk. 

- Agora, nós sabemos com certeza que Washington jamais parou de apoiar o Daesh.

Em quinto lugar, nós interpretáramos o conflito entre, por um lado, o clã Allen/Clinton/Feltman/Petraeus e, por outro, a Administração Obama/Kerry, como tendo a ver com o apoio ou não ao Daesh. Mas, não se tratava de nada disso. Os dois campos não tiveram qualquer escrúpulo em organizar e apoiar os mais fanáticos dos jiadistas. O seu desacordo tem a ver exclusivamente com o recurso à guerra declarada —e ao conflito com a Rússia que ela arriscava implicar— ou à escolha duma actuação secreta. Apenas Flynn —o actual conselheiro de Segurança de Trump— se opôs ao jiadismo.

Se, dentro de poucos anos os Estados Unidos se afundassem tal como antes a União Soviética, a gravação de John Kerry poderia ser usada contra ele e contra Barack Obama perante um Tribunal Internacional —mas não perante o Tribunal Penal Internacional que está hoje em dia desacreditado—. Tendo reconhecido os excertos desta conversa, que foram publicados pelo New York Times, ele não poderia contestar a autenticidade do ficheiro completo. O apoio que Kerry declara ao Daesh viola várias Resoluções das Nações Unidas e constitui uma prova da sua responsabilidade e da de Obama nos crimes contra a humanidade cometidos pela organização terrorista.


* Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

TRANSBORDAMOS TRUMP À FARTAZANA. ATÉ EM PESADELOS. AINDA HÁ PACHORRA?



Trump a todas as horas desde há pouco mais de uma semana. Um fartum. Ele é às refeições, no chuveiro e até quando estamos a obrar – não por acaso lugar próprio para defecar Trump. E Trump quando dormimos? Oh sim! Surge em formato de pesadelos. Muita trampa para o Trump. E pachorra. Muita pachorra para este cromo emporcalhado na fossa do pior que existe em seres ditos humanos. E os que lhe deram a vitória eleitoral, norte-americanos, não são melhores.

No Curto de hoje há Trump… e trampa. Vamos nesta. Continuemos na fossa made in USA e também nas outras que o servidor da cafeína de hoje nos traz. Na falta de melhor, do Expresso…

Bora lá.

Tenham um bom dia, se conseguirem.

MM / PG

Bom dia, este é o seu Expresso Curto

João Silvestre – Expresso

O estranho mundo de Donald

Bom dia,

Era uma vez um menino chamado Donald que nasceu em Nova Iorque. A mãe, de origem escocesa, veio para os EUA nos anos 30 do século passado e tornou-se cidadã americana. O pai, nascido no Bronx, era filho de imigrantes alemães. O menino cresceu, enriqueceu, enriqueceu mais ainda, quase faliu, aproveitou para não pagar impostos, voltou a enriquecer. Fez um enorme prédio com o seu nome numa das principais avenidas da cidade. Apesar disso, mudou-se para Washington e vive agora numa bonita vivenda branca, uma das poucas casas que a sua fortuna não pode comprar. É de lá que tem dado as suas ordens. A mais polémica, sobre a imigração, está a causar o caos.

O decreto que suspende durante 90 dias a entrada de cidadãos de sete países ‘suspeitos’ aos olhos de Trump – Líbia, Iémen, Somália, Irão, Iraque e Síria – e proíbe por 120 dias a entrada de refugiados (no caso da Síria sem qualquer prazo temporal) teve ondas de choque por todo o mundo. Basta uma visita rápida a qualquer site de informação para encontrar em grande destaque o decreto de Trump. O Público compilou as principais reações dos líderes internacionais à decisão.

Uma das personagens incontornáveis na história deste decreto é Stephen Bannon, estratega chefe de Trump na Casa Branca, como conta o Vox. É o mesmo Bannon a quem Trump deu um lugar no núcleo duro dos conselheiros de segurança da Casa Branca – o National Security Council – onde têm assento os responsáveis de topo das forças armadas e dos serviços secretos. Uma, mais uma, decisão a alimentar forte polémica.

Até Barack Obama, uma semana depois de sair da Casa Branca, criticou publicamente a decisão e apelou aos americanos para se manifestarem. Também no Partido Republicano há reações adversos. Igualmente contra está o pessoal diplomático e estava também a procuradora-geral que entretanto foi demitida. Claro que, para a administração Trump, o caos nos aeroportos não passam de meros problemas técnicos e/ou culpa dos dos protestos.

Está confuso com os efeitos deste decreto? É perfeitamente normal. Afinal, as próprias autoridades competentes para as aplicar foram apanhadas de surpresa e não sabiam muito bem como fazê-lo. O The New York Times preparou um guia para o ajudar a perceber.

Também as relações entre os velhos aliados EUA e Reino Unido estão a ser perturbadas. Mesmo depois de Theresa May ter sido o primeiro chefe de Estado a visitar novo inquilino da Casa Branca. Há uma petição com quase 1,5 milhões de assinaturas na correr para cancelar a visita de Trump a terras de Sua Majestade agendada para este ano. Até Boris Johnson, ministro dos Negócios Estrangeiros, foi apanhado na enxurrada. Johnson disse que os cidadãos britânicos estavam excluídos das limitações impostas pelo decreto presidencial mas foi desmentido pela embaixada dos EUA em Londres.

Nicholas Kristof, duas vezes prémio Pulitzer e influente colunista do The New York Times, cujo pai veio da Europa no final da Segunda Guerra Mundial, aproveitou para apresentar a Donald Trump a história da sua família.

As empresas tentam adaptar-se como podem mas gerir o incerto e o imprevisível é tarefa sempre difícil. No final da semana passada, o Financial Times contava como muitas empresas estão a contratar especialistas em comunicação e advogados para tentar sobreviver. Já a revista britânica The Economist fazia capa com a ameaça que paira sobre as empresas multinacionais que vivem das cadeias de produção espalhadas pelo Mundo. Com o título – “In retreat – Global companies in the era of proteccionism” (Em retirada – As empresas globais na era do protecionismo) – avisava que as multinacionais já “estavam em retirada bem antes da revolta populista de 2016”, mas que agora a situação será ainda mais grave e “o impacto no comércio global será profundo”. E há também empresas que optam para confrontar ou, pelo menos, tentar aliviar os efeitos que as medidas do novo presidente dos EUA podem causar. E há vários exemplos, como se pode ler no Eco. Por cá, a Fundação Champalimaud já anunciou que está disponível para receber todos os cientistas que não possam regressar aos EUA.

Se acha que o mundo de Trump é estranho, nada como ler o memorando para acabar com o Daesh assinado no final da semana passada. O mundo pode ficar descansado porque a administração Trump vai derrotar o Daesh. Como? “Dentro de 30 dias, um esboço preliminar do Plano para derrotar o Daesh deve ser submetido ao Presidente pelo secretário da Defesa”.

Hoje é dia de nomeação do juiz do Supremo dos EUA que irá substituir o conservador Antonin Scalia um ano depois da sua morte. A escolha vai ser para desempatar o sentido do voto dos juízes órgão de topo do sistema judicial americano. O Fivethirtyeight, do mago dos números Nate Silver, faz as contas aos cenários possíveis. Espera-se uma nova potencial polémica quando for conhecido o nome hoje ao final do dia nos EUA.

OUTRAS NOTÍCIAS

Cá dentro

O Benfica perdeu 0-1 contra o Vitória de Setúbal e está agora com apenas um ponto a mais do que o FC Porto que, apesar das dificuldades, saiu sábado à noite do Estoril com três pontos. A equipa de Rui Vitória não foi suficientemente agressiva, escreve a Lídia Paralta Gomes na Tribuna do Expresso, onde lembra que as “Cegonhas vêm de Paris e as saudades também”. Saudades, lá está, de Gonçalo Guedes que tanta falta fazia no Bonfim. À chegada ao Seixal, os jogadores encarnados foram recebidos com petardos por adeptos descontentes (como se vê no vídeo da SIC).

Na política, o jogo é outro e quem vai entrar em campo novamente é a ‘geringonça’. Desta vez, o embate é por causa da transferência da Carris para a Câmara de Lisboa. A questão pode ter apreciação parlamentar e isso será um novo teste à solidez do acordo PS-PCP-Bloco-PEV. O governo, apesar de tudo, está confiante.

Morrem, em média por dia, 298 pessoas em Portugal. O jornal i faz as contas às principais causas.

Ontem, 15 crianças de uma escola de Lisboa foram hospitalizadas por urticária, conta o Diário de Notícias.

Na economia, há boas e más notícias. Primeiro, as boas. Duas. Primeira: a taxa de desemprego baixou em dezembro para 10,2%, o valor mais baixo desde 2009. Há quem acredite que pode ser este ano que baixa a fasquia dos dois dígitos. Segunda: a confiança dos consumidores atingiu o valor mais alto em quase 17 anos. Depois, as más notícias que estão mais ou menos relacionadas: a emissão de dívida realizada pelo Estado português este ano foi um dos piores negócios do ano (escreve o ECO) e Portugal é um dos países da zona euro que não está a salvo da subida dos juros (relata o Observador a partir de uma análise do Commerzbank).

A propósito de dívida e de juros vale a pena ler o estudo publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) da autoria do ex-ministro das Finanças, Vítor Gaspar, Luc Eyraud e Tigran Poghosya onde é analisada a “política” por detrás da gestão orçamental na zona euro. Dizem-nos, Gaspar e companhia, que há vários enviesamentos políticos, que os governos fixam metas que não cumprem, que são procíclicos mas que, ainda assim, não há favorecimento dos países grandes na aplicação das regras. As regras do Pacto de Estabilidade não estão a ser cumpridas e a solução passa por sanções mais fortes e benesses para os cumpridores (pode ler as principais conclusões no Negócios, no Público e no Expresso). Já o estudo original está disponível no site do FMI.

Ainda na economia, outras notícias rápidas. Os direitos do BCP caíram mais de 20% com os investidores pouco interessados no aumento de capital do banco num dia em que o índice PSI-20 foi penalizado pelos CTT que estiveram em queda livre. Os gestores da Caixa Geral de Depósitos de saída podem ser convidados para assumir outras funções no banco para, assim, não receberem indemnização (conta o Expresso). As medidas extraordinárias no défice de 2016 serão de apenas 200 milhões de euros, segundo o Governo que terá que convencer Bruxelas (refere o Negócios).

José Diogo Quintela, dos Gato Fedorento, reagiu este fim-de-semana no Correio da Manhã à polémica sobre a Padaria Portuguesa de que é sócio e às palavras do seu primo que incendiaram as redes sociais na última semana. E fê-lo, como seria de esperar de um Gato, com humor dizendo, entre outras coisas, que o seu objetivo quando investiu na empresa foi tornar-se num “patrão explorador (passe a redundância”.

Machetes dos jornais:”Fundo americano promete manter equipa de gestão do Novo Banco” (Público); “Governo tem 320 milhões de euros para recuperar escolas do básico, secundário e pré-escolar”(DN); “TAP voa mais barato de Vigo do que do Porto”(JN); “Dez idosos depositados em garagem” (Correio da Manhã); “PSD e CDS a caminho do divórcio nas autárquicas”(i); “Governo negoceia 800 milhões com Bruxelas” (Jornal de Negócios); “Mau fim”(Recorde); “Sombra de campeão”(A Bola); “Lider quebra”(Jogo)

Lá fora 

Uma das notícias que continua a animar o Brasil foi a prisão de Eike Batista, o ex-homem mais rico do país que tinha um mandato de captura e regressou ontem de Nova Iorque. Foi detido à chegada ao Brasil com a promessa de colaborar com a justiça para ajudar a “limpar” o país. A Globo acompanhou toda a viagem e entrevistou Batista antes da partida dos EUA e durante a viagem de avião. O The Wall Street Journal também deu destaque à notícia do homem que já foi o mais rico do Brasil.

O FMI pede a Espanha maior controlo sobre o pagamento do subsídio de desemprego. Na análise regular ao abrigo do artigo IV defende, entre outras coisas, o reforço da “exigência de uma verificação de busca ativa de emprego e da participação em programas de ativação para receber um subsídio de desemprego”.

O Snapchat prepara a entrada em bolsa com uma dispersão na Bolsa de Nova Iorque. A secretária de Goebbels, o ministro da Propaganda de Hitler, morreu aos 106 anos em Munique. François Fillon e a mulher foram ouvidos pela polícia por causa da alegada utilização indevida de fundos públicos durante o tempo em que o candidato presidencial francês era deputado.

Acha que é uma pessoa difícil? E isso é mau? A imperdível colunista do Financial Times, Lucy Kellaway, faz o seu mea culpa com orgulho.

FRASES 

“É inconcebível que se negue o direito de entrada a pessoas que têm autorização de residência no país”, Augusto Santos Silva, Ministro dos Negócios Estrangeiros a propósito do decreto de Trump a

“Vou ter de dizer aos meus filhos que o papá pode não conseguir voltar para casa”, Mo Farah, atleta britânico de origem somali com várias medalhas de ouro olímpicas

O QUE ANDO A LER

No dia 9 de abril de 1917, Lenine entrou num comboio em Zurique. Oito dias depois desembarcava em São Petersburgo. Pelo meio ficaram quase 3000 quilómetros dentro de uma carruagem, numa Europa em guerra, que atravessou a Alemanha, a Suécia e a Finlândia. Poucos meses mais tarde dava início à revolução. O resto da história é conhecido.

“Lenin on the train” (que esta semana é publicado na versão portuguesa pela Temas e Debates), de Catherine Merridale, conta a história desta viagem peculiar. Uma viagem patrocinada e facilitada por alemães com o objetivo de levar a Rússia a sair - como saiu - da Primeira Guerra Mundial.

A história contada por Merridale, uma especialista em história russa que fez a viagem pelo trajeto de Lenine, não é nova mas é rica em detalhes. Detalhes sobre o ambiente que se vivia na São Petersburgo daquela época, sobre os contactos e conspirações protagonizadas por revolucionários exilados ou sobre a forma como os serviços secretos alemães de tudo faziam para minar os inimigos nos territórios por eles ocupados (da Irlanda ao Afeganistão).

A viagem faz agora 100 anos. É muito tempo, mas a história, já se sabe, tende muitas vezes a repetir-se. Não ipsis verbis, mas com fortes sensações de déjà vu. A ascensão dos radicalismos e dos extremismos é apenas um dos dados que nos ‘leva’ de volta ao início do século XX. Os comboios nem por isso. Hoje as viagens fazem-se muito mais rápido…e, por vezes, as revoluções também. 

Enquanto o mundo pula e avança, nós vamos continuar por aqui a acompanhar tudo em tempo real no Expresso Online e, como sempre, às 18 horas com os principais temas no Expresso Diário. Tenha um bom dia.

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