terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

MÉDIO ORIENTE APROFUNDA REJEIÇÃO A TRUMP APÓS A “PROIBIÇÃO MUÇULMANA*



Melkulangara Bhadrakumar

A chamada "proibição muçulmana" do presidente Donald Trump – a decisão de restringir temporariamente durante um período de 90 dias a chegada de visitantes de sete países muçulmanos seleccionados e impor "verificações extremas" a solicitadores de visto de outros três países – criou turbulência na política americana e na opinião pública regional, o que poderia ter impacto na políticas da nova administração no Médio Oriente. 

Bastante obviamente, foi o "trata-se de Trump, estúpido" – ao invés da "proibição muçulmana" como tal – que provocou na própria América a avalanche de crítica e condenação à ordem executiva presidencial. Os pormenores [do documento] mostram que a ordem executiva da Casa Branca simplesmente adoptou um precedente extraído do caderno de anotações do presidente Barack Obama. A administração Trump simplesmente seguiu as pegadas de Obama em relação ao apontar selectivo dos sete países muçulmanos. Como destacou um comentador: "Sim, estas políticas são más, muito más. Trump é mau. Mas também o era Obama assim como Clinton. Protestar contra políticas de um quando não se protestou quando o outro implementou as mesmas políticas é um exibicionismo falso".

Bill e Obama saíram impunes porque eram "liberais". Na verdade, não importa o que Trump faça – seja a proibição muçulmana ou a decisão de tornar seu estratega chefe Steve Bannon convidado permanente das reuniões do Conselho de Segurança Nacional – ele está destinado a ser escarnecido. Como pode a América arvorar sua bandeira com credibilidade no Médio Oriente e merecer respeito e audiência quando apresenta uma voz tão dissonante e internamente exibe tamanha desonestidade?

Sem dúvida, uma outra onda de "anti-americanismo" está a varrer o mundo islâmico, o que complicará mesmo os planos mais bem concebidos de Trump para Médio Oriente muçulmano. Ponde de parte a hostilidade da Rua Árabe, há também o dilema espinhoso que confronta os regimes do Médio Oriente que são aliados dos EUA, especialmente a Arábia Saudita, a qual utiliza descaradamente seu poder religioso para projectar seu papel na política regional. Naturalmente, algum caminho a contornar pode ser encontrado – na verdade, acabará por ser encontrado, se a história serve de orientação – mas leva tempo enfrentar a fúria pública.

Enquanto isso, o relógio já começou a marcar os 30 dias de prazo concedidos por Trump no sábado passado para os militares estado-unidenses conceberem uma "estratégia abrangente e planos para a derrota" do Estado Islâmico. Estão envolvidas questões práticas. A nova estratégia significa mais forças e equipamento militar americano a entrar no Iraque e na Síria – e mesmo assim o parlamento iraquiano acaba de votar uma proibição de viagem recíproca a cidadãos estado-unidenses.

A nota sobre política externa colocada no sítio web da Casa Branca em 20 de Janeiro, a poucas horas da posse de Trump, diz: "Derrotar o ISIS e outros grupos terroristas islâmicos radicais será a nossa mais alta prioridade. Para derrotar e destruir estes grupos, prosseguiremos operações militares conjuntas quando necessário". Agora, reunindo uma "coligação de vontades" está a ser difícil nas actuais circunstâncias. Ainda mais importante, os principais aliados europeus dos EUA relutam em consorciar-se com a administração Trump. Naturalmente, seus cidadãos não são directamente afectados pela "proibição muçulmana". Mas até onde desejariam eles associar-se às "agressivas operações militares conjuntas" no Médio Oriente?

Mais uma vez, os dilemas políticos da administração Trump sobre a própria ideia de estabelecer "zonas seguras" na Síria e no Iémen podem tornar-se mais agudos. Trata-se em primeiro lugar de uma ideia muitíssimo controversa, exigindo uma escala de consenso regional que é simplesmente difícil de alcançar, dado os interesses em conflito envolvidos e possivelmente escoras de forte presença militares estado-unidense durante um longo tempo para chegar a impor as "zonas seguras". Na verdade, a presente localização das mesmas zonas seguras enfrentará ventos tempestuosos. O governo sírio adoptou a posição de qualquer tentativa de instalar zonas seguras sem o seu consentimento constituiria uma "violação da soberania da Síria".

Claramente, a evolução do compromisso EUA-Irão no período que vem aí, um modelo altamente consequente de segurança regional no Médio Oriente, também está para ser vista. Provavelmente uma opção militar contra o Irão nunca foi inteiramente viável ou realista para Washington desde o princípio, mas manifestamente assim é hoje em dia.

Na verdade, Teerão condenou a proibição muçulmana de Trump. Mas a declaração do Ministério do Exterior é num tom moderado e chamando a atenção para o "insulto claro ao mundo islâmico" e para o perigo de que Trump possa estar inadvertidamente a conceder "uma grande prenda aos extremistas e seus apoiantes", proporcionando terreno fértil para recrutamento por grupos terroristas. A ênfase está na legalidade da decisão dos EUA e a declaração diferencia "o rancor e inimizade de alguns no governo estado-unidense e círculos influentes tanto dentro dos Estados Unidos como no exterior".

Enquanto isso, o presidente Hassan Rouhani fez uma observação significativa segunda-feira passada ao destacar a importância do empenhamento construtivo com a comunidade internacional "para o benefício do nosso povo e dos interesses nacionais", traçando uma distinção clara entre soberania e isolamento. Basta dizer isso quando os ânimos estão exaltados no mundo muçulmano, a indicar que o Irão (ou na Arábia Saudita, a propósito) estará inclinado a ver como transitório o actual ambiente agitado. Considerações pragmáticas prevalecerão.

Talvez a parte boa em tudo isto seja que intervenções militares unilaterais dos EUA nos países muçulmanos podem estar a tornar-se cada vez mais difíceis – ou seja, mesmo se Trump viesse a abandonar a sua doutrina do "America First" de política externa e actuasse mais como Hillary Clinton teria feito. Certamente o teste ácido é a Síria onde para a administração Trump, a parceria com a Rússia aumenta a dependência das capacidades militares russas no combate ao Estado Islâmico, enquanto os EUA podem ter de anuir à participação de forças do governo sírio e também de viver com a realidade no terreno de que a milícia apoiada pelo Irão e o Hezbollah estão a dar uma contribuição decisiva no combate real sobre o terreno contra grupos terroristas.

O principal desafio de Trump está em resistir à oposição visceral que enfrenta dentro da própria América com uma metade a rejeitar sem rodeios sua legitimidade para liderar a nação. É o paradoxo final que nesta luta extraordinária, a assim chamada esquerda liberal progressista na América esteja a centrar-se na oposição a Trump ao invés de se opor às guerras que criaram o problema dos refugiados. 

01/Fevereiro/2017

Ver também:   Is Soros The Source Of Funds Behind The "Muslim Ban" Lawsuits? (Será Soros o financiador dos processos contra a "proibição muçulmana"?) 

O original encontra-se em www.strategic-culture.org/...

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

ERA UMA VEZ NA AMÉRICA



António Abreu – AbrilAbril, opinião

Não, não vamos regressar ao excelente filme de Sergio Leone com a inesquecível música de Ennio Morricone. O filme agora é outro: a crise política e institucional que se vai avolumando naquele país, animada pelo confronto de interesses de dois grandes grupos de milionários e respectivos grupos económicos, um dos quais com o apoio dos grandes media e que não quer perder o poder.

Donald Trump está a avançar em algumas das promessas feitas. Noutras não. Algumas perspectivas iniciais que podiam ter desenvolvimentos positivos. Quinze dias após a tomada de posse é um prazo curto para fazer uma avaliação desta nova administração. Esta avaliação será continuamente feita nos próximos meses.

Nas relações com os media, Trump tem, com razão, fortes motivos de queixa dos principais, mas o governar por twitter e a imagem do assinatura decretos presidenciais nos termos em que tem feito, não resolvem os condicionalismos de comunicação, mesmo na perspectiva populista em que se coloca.

Trump procura conter a decadência dos EUA no plano económico. Falou de um grande plano de infraestruturas mas não como ele será financiado. A externalização da indústria para outros países foi até aqui uma opção deliberada dos grupos económicos norte-americanos na mira de cada vez mais lucros. Convencê-los a inverter de estratégia esbarra com outras realidades e, para isso, o erguer de barreiras alfandegárias e o mandar o comércio «livre» às urtigas é uma perspectiva positiva no interesse dos trabalhadores.

No plano militar, a Rússia desenvolveu-se tecnologicamente, ultrapassando a modernidade do armamento dos EUA. Como confidenciava ao Pepe Escobar um «mestre» anónimo do novo presidente: «A produção em série e a produtividade de Henry Ford foi a maravilha que fez os Estados Unidos ganharem a Segunda Guerra Mundial. A Amazon não contribui em nada para a defesa nacional, sendo apenas um serviço de marketing na Internet baseado em programas de computador, nem o Google que simplesmente organiza e fornece melhor os dados. Nada disso constrói um míssil ou um submarino melhor, a não ser em termos marginais.»

No plano geoestratégico, Trump poderá ser tentado a dividir Rússia e China mas não terá o êxito que Nixon teve na guerra do Vietname, que jogou com contenciosos sino-soviéticos para que a China hostilizasse o Vietname e pactuasse no Cambodja com o regime sanguinário de Pol-Pot com o mesmo objectivo. A situação hoje é outra.

Começos conflitos com a China ao estabelecer uma relação directa com Taiwan. O novo secretário de Defesa dos Estados Unidos, James Mattis, foi na sexta-feira a Seul, na Coreia do Sul, comprometer-se com a instalação do sistema de defesa antimíssil americano THAAD, já anteriormente decidida por Obama durante este ano na Coreia do Sul. Mantém no leste da Europa mísseis americanos apontados à Rússia em países vizinhos desta e não criticou a intervenção da Ucrânia da passada segunda-feira contra as populações russas do Donbass, instando mesmo a Rússia a retirar-se da Crimeia (!).

Trump quer desafiar a China para uma guerra? E pressionar a Rússia para a encontrar numa posição desfavorável num futuro e distante encontro com Putin? Trump deve ter em conta que para garantir o fim do bloqueio «ocidental», para ver a segurança regressar ao leste do rio Dnieper, a Rússia não se afastará nem da Crimeia, nem da China, nem do Irão, nem da Síria, nem de Afez Al-Assad. E que a China e o Irão vão resistir às suas investidas. Pequenos sinais de cooperação da China com os EUA neste Ano Novo Lunar são positivos.

Em quinze dias, as manifestações contra Trump têm-se sucedido particularmente contra as novas restrições à imigração que foram introduzidas, confrontando e provocando reacções de outros países, particularmente dos que vêm cidadãos seus serem impedidos de entrar nos EUA. É certo que as restrições à imigração dos sete países «proscritos» já funcionava com Obama mas os media conseguiram criar a ideia de que elas foram introduzidas por Trump, que, de facto, as quer agravar, arrastando-se já para uma crise institucional entre o Presidente e a Justiça. E nem os EUA nem a UE têm autoridade moral para conter a imigração, resultante dos dramas provocados pelas suas agressões no Médio Oriente e em África.

O muro com o México é característico da confrontação com o México de várias administrações norte-americanas e já foi também motivo de um decreto executivo de Trump para a sua conclusão. Da iniciativa de George W. Bush, e aprovado em 2006 no Senado, incluindo pelos senadores Barack Obama e Hillary Clinton, teve a sua construção iniciada por Bill Clinton e continuada pelo filho Bush e Barack Obama… O muro já revelara fragilidades pela escavação que no seu interior os cartéis da droga fizeram para utilização em benefício do seu narcotráfico.

Para além do reinício da construção, Trump decidiu sobre um nítido reforço de meios humanos associados, com mais cinco mil polícias de fronteira (acréscimo de 24%), de mais dez mil agentes de imigração (mais 50%) e mais juízes para darem andamento aos dossiers e ainda construir mais centros de retenção junto à fronteira para tornar as expulsões mais rápidas e menos dispendiosas.

A imagem de «um país que não tem fronteiras, não é um país» vem ao encontro de correntes na Europa que defendem o mesmo. A integração europeia capitalista abriu fronteiras com consequências desastrosas para a indústria, a agricultura, a pesca, os serviços particularmente nos países mais pequenos como Portugal. A perda das medidas de defesa da economia, de uma moeda própria que se possa valorizar ou desvalorizar em função dos contextos tem sido assinalada ao longo dos anos pela esquerda mais consequente como o bloqueio a vencer para permitir o crescimento e desenvolvimento.

Relativamente ao tratado com o Canadá e o México, o NAFTA, apesar da situação de conflito que já criou com o México, prometeu, depois de um encontro com os respectivos primeiros-ministros começar negociações sobre ele… O NAFTA foi, até agora, um desastre para o México. O mercado foi inundado com produtos agrícolas canadianos a preços baixos (graças a subsídios do Estado) e, causaram o colapso da produção agrícola com efeitos sociais devastadores para a população rural. Assim.

Criou-se uma plataforma de trabalho a baixo custo, recrutados nas maquiladoras: milhares de estabelecimentos industriais ao longo da linha de fronteira do território mexicano, detidos ou controlados principalmente por empresas norte-americanas que graças ao regime de isenção de impostos exportam produtos semiacabados ou componentes para montagem, reimportando-os já acabados para os EUA, o que lhes dá muito maiores lucros graças a custos muito mais baixos da mão-de-obra mexicana e a outras facilidades.

Nas maquiladoras trabalham principalmente meninas e mulheres jovens. Os horários são massacrantes, a toxicidade elevada, os salários baixos, os direitos sindicais praticamente inexistentes. A pobreza, o tráfico de drogas, a prostituição e a criminalidade desenfreada e generalizada causam uma profunda degradação de vida nestas áreas. Basta lembrar a Ciudad Juarez, na fronteira com o Texas, que se tornou tristemente célebre por inúmeros assassinatos de mulheres jovens, na sua maioria trabalhadores das maquiladoras.

A isto foi chamado durante muitos anos «livre comércio», que coexistiu com o proteccionismo dos mercados americanos, e não só, que se traduziu, por exemplo, em barreiras alfandegárias, descidas de impostos e outros apoios aos produtores nacionais dos grandes países, negados aos mais pequenos, manipulação do valor do dólar em seu proveito

Esta atitude dos EUA criou uma falsa industrialização destas zonas mexicanas.

Trump não pode ignorar esta realidade.

Os EUA vão ensaiar uma retirada dos EUA de parte do comércio mundial. Começando pelo Tratado de Comércio Livre Transpacífico (TPP), em que acaba com a participação nele dos EUA, processo que parece não estar concluído mas os restantes países, devido a pressões da Austrália e da Nova Zelândia, que procuram agora na China uma contrapartida para a solidez do tratado.

Quanto ao acordo transcontinental EUA – Europa, o TTIP, ele ainda estava em fase de discussão que Trump irá abandonar para se centrar em acordos comerciais, para já, com o Reino Unido, o que vai ao encontro dos interesses de Theresa May que, com isso, pretende compensar os efeitos do Brexit. Essa é uma medida positiva.

Em matéria de relações comerciais à escala planetária, os EUA vão ter que se conformar, aparentemente fechando-se e defendendo uma política interna que «torne maior a América».

E isto coloca a todo o mundo com mais força a expectativa de uma China que reclama as vantagens da globalização. Agora é a China, primeira potência comercial mundial, a «dar as cartas».

Enquanto a globalização capitalista beneficiava mais o chamado «mundo ocidental», a liberalização do comércio e a livre circulação de bens e serviços não era contestada pelos States mas por aqueles países que dela eram vítimas.

Mas poderá a China neste novo quadro, ao afrontar o dedo pontado de Trump, contribuir para uma globalização com menos efeitos negativos que a anterior? Esta é uma questão que os amigos e admiradores do progresso fantástico deste país gostariam de ver expressa em compromissos firmes.

O decreto presidencial contra o aborto coincidiu com 44.º aniversário da legalização pelo Supremo Tribunal do aborto em 1973. Não é de estranhar que Trump esteja rodeado de activistas «pró-vida», particularmente o vice-presidente, Mike Pence, que tem travado uma longa luta para acabar com o financiamento ao planeamento familiar e que, quando foi governador de Indiana, adoptou leis locais muito persecutórias em relação ao aborto.

Trump acabou com o Obamacare que era um sorvedouro de recursos para as seguradoras mas não parece ir criar alternativas de acesso aos cuidados de saúde deixando «o mercado funcionar»…O povo americano mais carente (e a outra parte que os têm através de seguradoras) necessita de algo semelhante aos serviços nacionais de saúde de vários países europeus, pagos pelos descontos nos salários para a segurança social. O liberalismo de Trump permitir-lhe-á discernir isso?

O dar luz verde a novas extrações petrolíferas, à exploração do «petróleo de xisto» e o cancelar de regulamentação de defesa ambiental nas empresas, deixa francos receios, se aliados à negação por Trump das alterações climáticas, de os EUA se retirarem das preocupações da Conferência de Paris e não contribuírem para o esforço universal para a redução da emissão de gases de efeitos de estufa.

Os contactos com Israel estimularam a política de colonatos de Netanyahu, agora particularmente em Jerusalém e Cisjordânia, a hostilização ao Irão exigida por Israel e com consequências já nas provocações a esse país, as negociações israelo-palestinianas realizadas fora de qualquer acompanhamento internacional, e o reconhecimento de Jerusalém como capital do Estado de Israel, com a passagem da embaixada dos EUA de Tel-Aviv para a cidade santa.

Enfim, parece poder concluir-se que, nestes quinze dias:

Algumas perspectivas iniciais que podiam ter desenvolvimentos positivos estão a ser submersas por um mar de coisas negativas;

Trump acentuou o seu carácter reaccionário em matéria de política interna;

A perseguição aos imigrantes vai continuar mas com forte resistência popular e de outras instituições;

Não se vislumbram medidas coerentes para a defesa dos trabalhadores americanos ou para o aumento do poderio económico contra a qual parte dos seus críticos já desatou a lengalenga neoliberal de que a elevação da actividade industrial e respectivos níveis salariais criaria níveis de inflação «insuportáveis»;

Não se atenuaram tensões no plano internacional, bem pelo contrário;

Trump não conseguiu dar a volta ao gueto informativo que lhe criaram;

E parece estar cada vez mais possuído pelas estruturas mais retrógradas da administração norte-americana, incluindo as que foram suportes do seu antecessor.

E deixamos ainda algumas questões:

Se Trump concretizar algumas perspectivas positivas poderá não resistir a um qualquer processo de destituição mas os grupos económicos que dominam os actores políticos podem reconfigurar a sua acção e discurso de maneira a prosseguir com os de anteriores administrações;

O mundo mudou, há novas realidades emergentes e isso condicionará o percurso desta nova administração norte-americana.

*António Abreu, engenheiro químico

Foto: Lusa

Portugal. BADALHEIRA NAS ALTAS PATENTES MILITARES? E O QUE MAIS?



O DN faz título sobre o PCP e CEMFA e o tapete. Não, não é acerca de nenhum tapete mágico… Pensando melhor, se calhar, até é. Sobre certas magias, militarmente, o correto é dizer que por ali vai uma grande badalheira. Isto porque as trocas-baldrocas são demasiadas em promoções e reformas e tudo aquilo que lhe possa estar agregado. 

Em tempos, por muito tempo, vimos militares de alta patente e das patentes intermédias com sérias tendências para engraxadores. Salazar andava sempre com as botas miraculosamente engraxadas. Cavaco (lá está ele novamente na baila) usava sapatos (dos caros) e também se conseguia ver neles ao espelho. Até quando desmaiou num 10 de Junho de má memória e o CEMFA veio dizer aos manifestantes que isto e aquilo… Mesmo quase ao estilo do “antigamente”. Como se a liberdade de manifestação e de expressão não estivesse consagrada na Constituição da República. 

Parece que voltamos ao mesmo e os da badalheira conveniente voltaram e até estão perdoados (por uns quantos a quem poderão servir ou já servem). Esperemos que não. E esperemos que a badalheira que é sinónimo de tapete na prosa a seguir seja clarificada e que não haja truques de opacidade. Se houver (e até parece que sim) só há uma coisa a fazer: fora com este CEMFA. Até já está fora do prazo só pelas trafulhadas das datas e… do que mais vier. Vão ler, no Diário de Notícias.

MM / PG

PCP tira o tapete ao Chefe das Forças Armadas

Os comunistas entendem que o processo de promoção dos oficiais generais não tem sido "transparente"

O PCP tem "muitas dúvidas" sobre a capacidade do Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) para continuar no cargo e questiona o ministro da Defesa sobre as "condições" de Pina Monteiro para se manter no topo da hierarquia militar. Na origem desta posição dos comunistas está o caso de promoção de um oficial general, noticiada no passado sábado pelo DN.

O polémico processo começou com a demissão precipitada e passagem à reserva antes de tempo de um major-general, que era o comandante operacional da GNR, Rui Moura. Isto provocou, por arrastamento, a passagem à reserva de outro oficial-general, mais antigo, Tiago Vasconcelos, a quem já tinha sido prometido a promoção a tenente-general. Para conseguir manter o planeamento e promover na mesma o major-general Vasconcelos, que era 2º comandante do quartel-general da NATO em Valência (Espanha), o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) exonerou retroativamente um outro general, Sílvio Sampaio, da Força Aérea, para abrir uma vaga, artificialmente, numa data anterior à da saída de Rui Moura. A "trapalhada" deixou, no entanto, "pegadas digitais".

Quando foi informado, dia 20, que teria de ser exonerado a 17, Sílvio Sampaio ainda estava em funções e tinha assinado uma ordem de serviço (a uma sexta-feira, como habitualmente). Para bater certo com a exoneração fictícia, três dias antes, esse documento, datado de dia 20, foi alterado duas vezes (uma vez no dia 20, outra dia 24), com datas anteriores, 18 e 17. O DN confirmou documentalmente estes procedimentos.

"Este processo não teve a transparência exigível nem dignifica uma instituição como as Forças Armadas e por isso temos muitas dúvidas sobre se o CEMGFA deve continuar neste cargo", explicou ao DN o deputado Jorge Machado.

No requerimento que enviaram ao ministro da Defesa, Azeredo Lopes, os comunistas citam a notícia do DN, lembrando o "processo de governamentalização da promoção de oficiais generais a que temos assistido nos últimos anos" e a "preterição de majores-generais com folhas de serviço muito qualificadas". Perguntam se ao ministro considera que "o atual CEMGFA tem condições, designadamente perante os seus subordinados, para permanecer no exercício do cargo". Pedem também um "esclarecimento da situação" com "brevidade". O DN também pediu uma reação ao gabinete do ministro, mas não obteve resposta.

Em comunicado, a Associação Nacional de Sargentos, considera "grave" o caso e apela também a Azeredo Lopes um "apuramento" aprofundado da situação. "O MDN não pode ignorar", assinala.

Diário de Notícias, com M.C.F.

Portugal-Aljezur. Deputado do PS diz que prospeção de petróleo é "rude golpe"



O deputado do PS por Beja contestou hoje a prospeção de petróleo na Bacia do Alentejo, que considera "inaceitável", "lesiva" para o desenvolvimento e um "rude golpe" na afirmação da costa alentejana como "destino turístico de excelência".

A autorização para o consórcio Eni-Galp iniciar as operações de prospeção de petróleo com perfuração na Bacia do Alentejo, entre Aljezur (Algarve) e Sines (Alentejo), é "um rude golpe na estratégia de afirmação da costa alentejana como espaço turístico de excelência" e, por esta razão, "não pode merecer a nossa mínima concordância", refere Pedro do Carmo.

A posição do deputado socialista surge numa pergunta que dirigiu ao ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, e enviou hoje à agência Lusa sobre a prospeção de petróleo na Bacia do Alentejo.

Através da pergunta, Pedro do Carmo quer saber as razões que levaram o Governo PS a ter "diferentes decisões" nas concessões de direitos de prospeção, pesquisa, desenvolvimento e produção de petróleo em Portugal e se não havia condições para reverter a concessão para prospeção na Bacia do Alentejo como aconteceu com as concessões no Algarve, em Lisboa e no Porto.

O deputado também quer saber, em caso de concretização da prospeção na Bacia do Alentejo, "qual o nível de acompanhamento da situação e das operações que o Governo, numa lógica de transparência e de confiança, está disponível para assegurar aos representantes eleitos e às populações".

Pedro do Carmo quer saber ainda como o Governo pretende "concretizar sinais de investimento e de valorização ambiental e do território no sentido inverso ao da prospeção" face à "evidência" de que a autorização da prospeção de petróleo na Bacia do Alentejo "contraria o esforço que estava a ser desenvolvido pelas estruturas regionais e pelas autarquias na afirmação económica, cultural e turística do Alentejo como espaço com oferta de qualidade".

Segundo o deputado, a autorização dada ao consórcio Eni-Galp vai "reforçar os riscos ambientais, através da prospeção de combustíveis fósseis", quando se pensava que "o caminho era o de continuar o esforço de requalificação da orla costeira consolidados com anos de trabalho" do Polis Litoral Sudoeste, das autarquias locais, de organizações ambientais e do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina.

"Sendo certo tratar-se de um processo antigo, a questão central que se coloca é a de saber se foi feito tudo para impedir este retrocesso na estratégia de desenvolvimento e de afirmação da costa alentejana como destino de praia e natureza", que tem sido a seguida pelos municípios locais, como os de Odemira e Aljezur.

Lusa, em Notícias ao Minuto

DO "BOSTA" AO TRUMP... E O QUE MAIS VIER



Expresso Curto fora de horas. Acontece. Assim como acontece haver notícias de Cavaco Silva… por via de um livro que ele vai lançar dentro de dias. Livro escrito nas instalações que todos os portugueses pagam pelos anos que Cavaco ainda viver e ocupar. As obras das instalações foram uma pipa de massa, meio milhão de euros para o Cavaco andar a escrever livros e aforrar mais uns cobres. Aquilo é que é, aquilo é que foi. A ganância nos poderes. Bem, mas Cavaco é muito poupado, diz ele. “Ora, ora, assim também eu era”, comentou a Lúcia Paralítica quando o ouviu dizer aquilo num qualquer noticiário ou coisa afim. E desenvolveu – a Lúcia – “anda a viver à conta dos otários dos portugueses há décadas, nem precisa de gastar dinheiro. É sempre a aforrar. E vem depois o camafeu dizer-se poupado e chorar-se por causa da reforma da mulher…” E lá seguiu a Paralítica num arrazoado de palavras e gestos doS quaIS só dá para referir o manguito. Porque aquele gesto com os dedos acompanhado de um “toma lá Cavaco” não é para descrever. Adiante.

A imagem escolhida para ilustrar este Expresso Curto é assim para o nojento. Pois. Mas foi o que se arranjou. Por acaso até estará condizente com aquilo que em muitas casas dos portugueses dão de epíteto (nada diplomático) a Cavaco: o “Bosta”. Francamente. Mas que gente ingrata e… ordinária.

Aqui no Curto também há abordagem ao Trump. Aquele narcisista que os norte-americanos bestas, incultos, ignorantes e tudo do piorio, elegeram para presidente. Pois. E agora já andam a vociferar que não o querem na casa caiada e sem corantes. Pois. Claro que vão ter de levar com o traste e com a trampa do… Trump. Aguentem-se, e nós também – por todo o mundo. Pois.

Vão então ao Curto do Martim Silva, que por sorte não é Moniz, nem tem de ficar entalado nas portas…

MM / PG

Os segredos de Cavaco Silva

Bom dia, este é o seu Expresso Curto

Martim Silva - Expresso

Hoje começamos por falar de Cavaco Silva (estava com saudades, confesse…). Depois mergulhamos no admirável mundo novo trumpiano. A seguir passamos em revista o que se passa no mundo e cá dentro. É o que se pode chamar um Expresso Curto amargo…

O regresso de Cavaco. 

Não, caro leitor, não se assuste que não me parece que se esteja a preparar uma qualquer candidatura de Cavaco Silva ao que quer que seja (ufff...). Trata-se, tão só, de ‘Quinta-feira e outros dias’. O título soa a algo poético mas o conteúdo deve estar longe disso. Deve ser prosa e daquela bem seca. Trata-se do nome do novo livro de Cavaco Silva, que vai ser lançado para a semana, pela Porto Editora, e que, segundo o próprio, é uma “prestação de contas aos portugueses” do que foram os seus atribulados tempos na Presidência da República.

Quinta-feira, sublinhe-se para os mais desatentos, é o dia das habituais audiências dos chefes do Estado com os primeiros-ministros no Palácio de Belém. E pela mesa de trabalho de Cavaco entre 2006 e 2016 passaram três: José Sócrates, Passos Coelho e António Costa.
Este é um assunto que deve dar que falar na política portuguesa nos próximos dias. Até porque Cavaco promete dar “público testemunho de componentes relevantes da minha magistratura que são, em larga medida, desconhecidos dos cidadãos”.

Quanto ao leitor não sei, mas eu conto ler as 592 páginas da obra que Cavaco andou a escreve no último ano no seu gabinete no Convento do Sacramento (e se acha que só leio coisas chatas, vá directamente para o fim deste Curto, onde lhe falo do novo de Paul Auster).

TRUMPWORLD

Na secção ‘trumpworld’ de hoje, destaco em primeiro lugar este texto, que faz capa da edição da The Economist desta semana, “An insurgent in the White House”. A revista relembra os acontecimentos mais alucinantes das últimas semanas e conclui: “em política, o caos normalmente leva ao fracasso. Com o sr. Trump, o caos parece ser parte do plano”.

Aqui, eis outro ângulo curioso, que relata como a Europa procura servir de ‘refúgio’ a uma possível fuga em massa de cérebros dos Estados Unidos, nomeadamente na área das novas tecnologias.

O agravamento das relações entre os EUA e a China são o tema de um relatório elaborado por um conjunto de especialistas, e que hoje deve ser divulgado. O documento admite que o deteriorar das relações entre as duas maiores potencias económicas mundiais pode mesmo resultar num confronto económico… ou militar. A notícia está no Guardian.

Já ouviu falar de Seth A. Klarman? O mais provável é que a resposta seja não. Mas neste caso a discrição é inversamente proporcional à sua importância. Trata-se de um dos mais importantes gurus dos investidores norte-americanos (os seus escritos são vendidos na Amazon por valores que chegam aos milhares de dólares). Agora, foi conhecida uma carta que escreveu e dirigiu a vários investidores, alertando para os riscos da política proteccionista de Trump e dizendo que os ganhos bolsistas atuais podem ser só fogo de vista.

Neste artigo da New Yorker, explica-se como Trump é uma espécie de presidente ‘reality show’ e os hábitos televisivos (estranhamente não perdidos) por Trump desde que é presidente dos EUA.

O Kremlin quer um pedido de desculpas da Fox News depois de um jornalista da televisão norte-americana se ter referido ao presidente Putin como “assassino”. A referência foi feita numa entrevista a Trump, sendo que também a resposta do presidente dos EUA gerou polémica.

John Bercow é o presidente da Câmara dos Comuns britânica. John Bercow não costuma fazer intervenções públicas. Ontem fez, para declarar a sua oposição a que Trump fale na Câmara dos Comuns durante a sua visita a Inglaterra, prevista para este ano. Ao mesmo tempo, uma petição a contestar a visita de Trump ao país já recolheu mais de um milhão de assinaturas.

A Washington vão chegar entretanto vários altos responsáveis europeus, para conversações com a administração Trump.

Vale ainda a pena ler o que Augusto Santos Silva disse ao Expresso sobre as relações de Portugal, e da Europa, com os Estados Unidos, na entrevista “Com Trump, trabalhamos sobre um terreno movediço”.

A polémica do momento com Trump é a acusação do presidente aos media. Segundo ele, a comunicação social esconde ataques terroristas e não os relata devidamente.

Finalmente, dois artigos um pouco contra-corrente sobre Trump mas que são certamente ajudas ao pensamento e análise desta nova época. Verdadeira dinamite cerebral. Este aqui do Guardian (“Trump is no fascist. He is a champion for the forgotten millions”) ajuda a perceber os porquês da ascensão de um populista à Casa Branca. E este outro, publicado no Expresso Diário, da autoria do Henrique Raposo: “A ignorância eurocêntrica sobre Trump”.


OUTRAS NOTÍCIAS

Cá dentro,

Estará a indisciplina a aumentar nas nossas salas de aula? Estes dados revelados aqui pelo Expresso preocupam.

OCDE. Este foi um dos temas do dia de ontem. A organização divulgou um relatório sobre a nossa economia, realçando os progressos feitos mas alertando para a situação delicada do sistema financeiro nacional. “Economia está quase no potencial mas não chega”, escreve o João Silvestre.

Marcelo reagiu dizendo que estamos no caminho certo embora seja preciso fazer “mais e melhor”. Já o PSD afirmou que o relatório coloca a nu o “fracasso” das políticas do Governo.

“Estado lucrou 1000 milhões com intervenção no BCP”, escrevem a Isabel Vicente e o João Vieira Pereira no Expresso Diário de ontem.

Álvaro Novo entrou para o Governo, numa míni-mini remodelação aqui explicada pela Helena Pereira.

A Lone Star, que está a negociar a compra do Novo Banco, não acredita na recuperação dos 200 milhões que o empresário José Guilherme deve ao banco, refere o Negócios.

O Conselho de Fiscalização dos serviços de informações insiste na necessidade de fundir o SIS e o SIED, noticia o DN.

Imagine que está de férias numa cidade e com um toque no ecrã do telemóvel pode ser informado sobre qual dos museus que quer visitar tem menos filas de espera naquela altura. Esta é apenas uma das valências de uma nova aplicação que está a ser testada e que tem o dedo de cientistas portugueses.

O Valdemar Cruz descobriu o proprietário da primeira casa assinada por Siza Vieira, há 60 anos. A reportagem pode ser lida aqui.

O jornalista João Paulo Guerra vai mesmo ser provedor do ouvinte da RTP.

Há duas semanas, o Expresso denunciou o que se está a passar nalgumas câmaras municipais do país, com a redução das zonas abrangidas pela REN (reserva ecológica nacional), passando os terrenos a poder ser urbanizados. Ontem, Miguel Sousa Tavares deu voz ao protesto.

“Prepare-se. O IRS está aí outra vez”. Quem o diz, e escreve, é o Pedro Anderson, nas Dicas de Poupança desta semana.

O processo de canonização dos pastorinhos de Fátimaainda está longe de estar concluído, afirma a Rádio Renascença.

Isabel dos Santos ficou retida num autocarro dentro do aeroporto de Lisboa ao chegar à capital e publicou umas fotos no Instagram, reclamando do tempo de espera.

Lá fora,

O risco da dívida francesa está nos valores mais elevados dos últimos três anos e os analistas associam o facto à incerteza quanto ao futuro político do país, perante a possibilidade da eleição de Marine Le Pen para a Presidência.

Quem está em maus lençóis é o candidato da direita às presidenciais francesas, François Fillon, que ontem teve de vir pedir desculpas públicas na sequência do escândalo que o envolve, por ter dado emprego à mulher e filhos como assistentes parlamentares. Ainda há umas semanas Fillon parecia o nome mais forte para travar Le Pen, mas a sua candidatura está nesta altura num tremendo buraco.

Em França, e depois do que aconteceu nas recentes eleições nos EUA (mas não só por causa disso), a Google e o Facebook juntaram-se em busca de uma forma eficaz de combater a proliferação das chamadas ‘notícias falsas’ (fake news) nas suas plataformas.

Numa cave em Londres, foram descobertas gravações inéditas de Bob Marley. Uma boa notícia para os fãs de reggae.

Uma das redes sociais preferidas dos mais novos é sem dúvida o Snapchat. Que, ao contrário das expectativas criadas quando surgiu em 2013, se tem aguentado muito bem. Agora, a companhia vai entrar em bolsa e o seu IPO está a gerar expectativa, podendo alcançar uma quantia de 20 a 25 mil milhões de dólares. A entrada em bolsa está prevista para Março e pode ser a mais importante desde a chegada da Alibaba.

A China é hoje o maior mercado mundial de smartphones. E o ano passado, pela primeira vez nos últimos quatro, o aparelho mais vendido não foi um iPhone. O rei do mercado foi o R9, da OPPO, com 17 milhões de unidades vendidas.

A Amnistia Internacional veio denunciar e acusar o governo sírio de ser responsável por uma campanha de execuções em massa na Síria.

Polémica promete ser a nova lei aprovada por Israel e que prevê a possibilidade de mais retirada de terras a palestinianos.

Este ano, as eleições na Alemanha vão ser seguramente um dos temas fortes na Europa. Para já, e de forma algo surpreendente, eis que uma sondagem mostra o SPD, que vai apresentar Martins Schultz, à frente da CDU de Angela Merkel nas intenções de voto.

Na Roménia, o governo já recuou na intenção de aprovar uma lei de perdão de certos crimes de corrupção, mas ainda assim os fortes protestos populares continuam.

DESPORTO

Uma aposta de cerca de cem mil euros vinda da China levantou suspeitas e o jogo Feirense- Rio Ave, da primeira Liga, viu ontem as apostas serem suspensas durante a tarde.

Depois da derrota do Sporting, o Braga não aproveitou e empatou, não ultrapassando os leões no terceiro lugar da Liga.

Fernando Santos venceu o Prémio Panenka.

Nélson Évora venceu em França um meeting de atletismo, naquela que foi a sua estreia com a camisola do Sporting.

Ainda o Super Bowl. Aqui fala-se sobre a lenda do futebol americano Tom Brady.

Lenda é também Philipp Lahm, o pequeno grande defesa da Alemanha e do Bayern de Munique, que este fim de semana completou o jogo 500 com a camisola dos bávaros.

O QUE ANDO A LER

Nos últimos dias, voltei a um escritor que há anos não me aterrava nas mãos. “4 3 2 1”, de Paul Auster, apresentado como a grande obra do escritor norte-americano, já chegou às livrarias. E também ao meu colo. São quase mil páginas (as primeiras 100 já voaram). Aqui voltarei a falar delas.

Quem já escreveu sobre a obra foi a Luciana Leiderfarb, que entrevistou Auster para a última edição do Expresso. “Quem nele procura a atmosfera noir de outros tempos ficará desiludido. Porque este é – assim o próprio Auster o afirma – o chão de um realismo avassalador”.

Diz o autor: “Ao longo de toda a minha vida tenho especulado sobre as perguntas hipotéticas: ‘E se?’ Mas nunca tinha escrito um livro que as abordasse directamente. E, quando a ideia de escrever sobre os múltiplos caminhos de uma só vida me ocorreu, achei a ideia arrebatadora”.

Deixo-lhe ainda outras sugestões de leitura do Expresso:


Esta peça da Raquel Albuquerque sobre as prendas mais bizarras que os membros do Governo recebem.

O texto do António Caeiro “Tornar a China grande outra vez”, sobre Xi Jinping, o homem que quer liderar o mundo.

Por último, o fantástico trabalho sobre a exposição de Almada Negreiros.

Tenha um fantástico dia.

BIG DATA: TODA DEMOCRACIA SERÁ MANIPULADA?



Bem-vindo à Psicometria — o método usado por empresas e políticos para traçar em detalhes seu perfil, a partir de “likes” no Facebook. Como ele elegeu Trump e ameaça reduzir as eleições a jogos de marketing

Hannes Grassegger e Mikael Krogerus – Outas Palavras - Tradução: Inês Castilho

No dia 9 de novembro, por volta das 8h30, Michal Kosinski acordou no Hotel Sunnehus em Zurique. O pesquisador de 34 anos estava ali para dar uma palestra no Instituto Federal Suíço de Tecnologia (ETH, na sigla em inglês) sobre os perigos do Big Data e da revolução digital. Kosinski fala sobre esse assunto regularmente, em todo o mundo. Ele é um especialista em psicometria, um sub-ramo da psicologia baseado em dados. Quando ligou a TV naquela manhã, contrariamente às previsões de todos os principais estatísticos, viu que a bomba explodira: Donald J. Trump fora eleito presidente dos Estados Unidos.

Por um longo período, Kosinski assistiu às celebrações da vitória de Trump e os resultados de cada estado. Ele tinha um pressentimento de que o resultado da eleição poderia ter alguma coisa a ver com sua pesquisa. Finalmente, respirou fundo e desligou a TV.

No mesmo dia, uma empresa britânica com sede em Londres, então pouco conhecida, divulgou um comunicado á imprensa: “Estamos muito felizes que nossa abordagem revolucionária de comunicação dirigida por dados tenha desempenhado papel tão essencial na extraordinária vitória do presidente eleito Trump”, teria dito Alexander James Ashburner Nix. Nix é britânico, tem 41 anos, e é CEO da Cambridge Analytica. Ele está sempre imaculadamente apresentável em ternos feitos sob medida e óculos de grife, com seu cabelo loiro ondulado penteado para trás. Sua empresa não era apenas parte integrante da campanha online de Trump, mas também da campanha britânica pelo Brexit.

Desses três atores – o reflexivo Kosinski, o Nix cuidadosamente arrumado e o sorridente Trump – um deles possibilitou a revolução digital, outro a executou e um terceiro beneficiou-se dela.

Qual o perigo do Big Data?

Qualquer pessoa que não tenha passado os últimos cinco anos vivendo em outro planeta terá alguma familiaridade com a expressão Big Data. Big Data significa, em essência, que tudo o que fazemos, seja on ou offline, deixa traços digitais. Cada compra que fazemos com nossos cartões, cada busca que fazemos no Google, cada movimento que fazemos com nosso celular no bolso, cada “like” é armazenado. Especialmente cada “curtida”. Por muito tempo, não estava inteiramente claro o uso que se poderia fazer desses dados – com exceção, talvez, que podemos encontrar anúncios de remédios para pressão alta assim que “gugamos” a busca “reduzir pressão arterial”.

Em 9 de novembro, ficou claro que talvez seja possível muito mais. A empresa por trás da campanha online de Trump – a mesma que havia trabalhado para a “Leave.EU” nas primeiras etapas de sua campanha “Brexit” – era uma empresa de Big Data: Cambridge Analytica.

Para entender o resultado da eleição – e como a comunicação política poderá trabalhar no futuro – precisamos começar com um estranho incidente na Universidade de Cambridge em 2014, no Centro de Psicométrica onde trabalha Kosinski.

A psicometria, às vezes também chamada de psicografia, tem como foco medir os traços psicológicos, como a personalidade. Na década de 1980, duas equipes de psicólogos desenvolveram um modelo que buscava avaliar os seres humanos com base em cinco traços de personalidade, conhecidos como os “Cinco Grandes”. São eles: abertura (o quão aberto você está para novas experiências?), conscenciosidade (quão perfeccionista você é?), extroversão (quão sociável?), afabilidade (quão atencioso e cooperativo?) e neuroticidade (você se aborrece facilmente?). Com base nessas dimensões – conhecidas também como OCEAN (acrônimo para essas características, em inglês) – podemos fazer uma avaliação relativamente preciso do tipo de pessoa à nossa frente. Isso inclui suas necessidades e medos, e como ela tende a se comportar. Os “Cinco Grandes” tornaram-se a técnica padrão da psicometria. Mas, por muito tempo, o problema dessa abordagem era a coleta de dados, porque ela envolvia o preenchimento de um questionário complicado e altamente pessoal. Então surgiu a Internet. E o Facebook. E Kosinski.

Michal Kosinski era um estudante em Varsóvia quando sua vida tomou um rumo diferente, em 2008. Ele foi aceito pela Universidade de Cambridge para fazer seu PhD no Centro de Psicometria, uma das mais antigas instituições desse tipo em todo o mundo. Kosinski uniu-se ao colega de estudos David Stillwell (hoje palestrante na Judge Business School na Universidade de Cambridge). Cerca de um ano antes, Stillwell havia lançado um pequeno aplicativo para Facebook nos tempos em que a plataforma ainda não havia ganhado a dimensão que tem hoje. Seu aplicativo MyPersonality possibilitou aos usuários preencher diversos questionários psicométricos, incluindo um punhado de questões psicológicas do questionário Big Five de personalidade (“Entro em pânico fácil”, “Contradigo os outros”). Com base na avaliação, os usuários recebiam um “pefil de personalidade” – os valores Big Five individuais – e podiam optar por compartilhar seus dados de perfil do Facebook com os pesquisadores.

Kosinski esperava que algumas dezenas de amigos e colegas preenchessem o questionários. Mas centenas, milhares e depois milhões de pessoas revelaram suas mais profundas convicções. De repente, os dois candidatos a doutor possuíam o maior conjunto de dados com pontuações psicométricas abrangentes com perfis do Facebook jamais coletados.

A abordagem que Kosinski e seus colegas desenvolveram nos anos seguintes era na verdade bem simples. Primeiro, eles ofereceram a voluntários questionários em formato de um quiz online. A partir das respostas, os psicólogos calcularam os valores pessoais dos Big Five dos voluntários. A equipe de Kosinski comparou então os resultados com todos os tipos de outros dados online dos voluntários: o que eles “curtiram”, compartilharam ou postaram no Facebook, ou qual gênero, idade, local de residência eles especificaram, por exemplo. Isso permitiu que os pesquisadores ligassem os pontos e fizessem correlações.

Deduções excepcionalmente confiáveis podiam ser projetadas a partir de simples ações online. Por exemplo, homens que “curtiam” a marca de cosméticos MAC tinham um pouco mais de probabilidades de ser gays; um dos melhores indicadores de heterossexualidade era “curtir” Wu-Tang Clan. Seguidores de Lady Gaga eram muito provavelmente extrovertidos, enquanto aqueles que “curtiam” filosofia tendiam a ser introvertidos. Embora cada uma dessas informações seja muito fraca para produzir uma previsão confiável, quando dezenas, centenas ou milhares de dados individuais são combinados, as previsões resultantes tornam-se realmente precisas.

Kosinski e sua equipe refinaram incansavelmente seus modelos. Em 2012, Kosinski provou que, com base numa média de 68 “curtidas” no Facebook, era possível descobrir a cor da pela de um usuário (com 95% de probabilidade de acerto), sua orientação sexual (88%) e sua filiação no partido Democrata ou Republicano (85%). Mas não parou por aí. Inteligência, filiação religiosa, assim como uso de álcool, fumo ou droga podiam todos ser determinados. A partir dos dados era possível deduzir se os pais de alguém eram divorciados.

A precisão com que era possível prever as respostas de um sujeito era exemplo da força de seu modelo. Kosinski continuou a trabalhar nos modelos incessantemente. Logo ele tornou-se capaz de avaliar melhor uma pessoa que a média de seus colegas de trabalho, simplesmente com base em dez “curtidas” do Facebook. Setenta “curtidas” eram suficientes para exceder o que um amigo da pessoa sabia, 150 o que seus pais sabiam, e 300 “curtidas” o que seu parceiro sabia. Mais “curtidas” poderiam até mesmo superar aquilo que uma pessoa pensava saber sobre si mesma. No dia que Kosinski publicou essas descobertas, ele recebeu duas ligações telefônicas. A ameaça de um processo e uma oferta de trabalho. Ambas pelo Facebook.

Poucas semanas depois, as “curtidas” do Facebook tornaram-se privadas por padrão. Antes disso, o conjunto de padrões era de que qualquer um na internet poderia ver as  “curtidas” de cada usuário. Mas a mudança não foi obstáculo para os coletores de dados: enquanto Kosinski sempre pedia o consentimento dos usuários do Facebook, muitos aplicativos e testes online precisam de acesso a dados privados como pré-condição para fazer testes de personalidade. (Qualquer pessoa que queira avaliar-se com base em seus “likes” do Facebook pode fazer isso no site do Kosinski e comparar seus resultados àqueles de um questionário Ocean clássico, como aquele do Centro de Psicometria de Cambridge.

Mas o assunto não tinha apenas a ver com “curtidas” ou mesmo Facebook. Kosinski e sua equipe não podiam atribuir valores Big Five puramente com base em quantas fotos de perfil uma pessoa tem no Facebook, ou quantos contatos eles têm (um bom indicador de extroversão). Mas também revelamos alguma coisa sobre nós mesmos até quando não estamos online. Por exemplo, o sensor de movimento de nosso celular revela o quão rapidamente a gente se move e quão longe viajamos (isso é correlacionado com instabilidade emocional). Nosso smartphone, concluiu Kosinski, é um vasto questionário psicológico que estamos preenchendo constantemente, tanto consciente quanto inconscientemente.

Sobretudo, porém – e isso é chave – ele também trabalha ao contrário: é possível não apenas criar perfis psicológicos a partir de seus dados, mas também usá-los ao contrário para buscar perfis específicos: todos os pais ansiosos, todos os introvertidos raivosos, por exemplo – ou talvez todos os Democratas indecisos? Essencialmente, o que Kosinski inventou foi uma espécie de mecanismo de busca de pessoas. Ele começou a reconhecer o potencial – mas também o perigo inerente – de seu trabalho. Para ele, a internet sempre se pareceu com um presente dos céus. O que ele realmente queria era dar alguma coisa em troca, compartilhar. Se os dados podem ser compartilhados, então por que também não compartilhar tudo o que é construído a partir deles? Era o espírito de toda uma geração, o início de uma nova era, que transcende as limitações do mundo físico. Mas o que aconteceria, imaginou Kosinski, se alguém abusasse de seu mecanismo de busca para manipular pessoas? Ele começou a estampar avisos na maior parte do seu trabalho científico. Sua abordagem, avisava ele próprio, “poderia representar uma ameaça ao bem-estar individual, à liberdade ou até à vida.” Mas ninguém pareceu alcançar o que ele quis dizer.

A esta altura, o início de 2014, Kosinski foi abordado por um jovem professor assistente do departamento de Psicologia chamado Aleksandr Kogan. Disse que estava entrando em contato em nome de uma empresa interessa no método de Kosinski, e queria acesso ao data base de MyPersonality. Kogan não podia revelar o objetivo; estava sob compromisso de sigilo.

No início, Kosinski e sua equipe consideraram a oferta, pois significaria uma boa quantia de dinheiro para o instituto; mas depois ele hesitou. Finalmente, lembra Kosinski, Kogan revelou o nome da empresa: SCL, ou Strategic Communication Laboratories (Laboratórios de Comunicação Estratégica). Kosinski gugou a empresa: “[Somos] a primeira agência de gestão de eleições”, diz em seu site. A SCL oferece marketing baseado em modelos psicológicos. Um de seus focos centrais: influenciar eleições. Influenciar eleições? Perturbado, Kosinski foi clicando as páginas. Que tipo de empresa era essa? E o que essas pessoas estavam planejando?

O que Kosinski não sabia à época: SLC é a mãe de um grupo de empresas. Quem exatamente detém a propriedade da SCL e seus diversos braços não está claro, devido a uma estrutura corporativa enrolada, do tipo visto nos Panama Papers. Algumas ramificações da SCL estiveram envolvidas em eleições da Ucrânia à Nigéria, ajudaram o rei do Nepal contra os rebeldes,  ao passo que outros desenvolveram métodos para influenciar a Europa Oriental e cidadãos afegãos em favor da OTAN. E, em 2013, a SCL criou uma subsidiária para participar das eleições dos EUA: Cambridge Analytica.

Kosinski não sabia nada sobre isso tudo, mas sentiu-se desconfortável. “A coisa toda começou a cheirar mal”, recorda-se. Investigando mais, descobriu que Aleksandr Kogan registrara secretamente uma empresa que fazia negócios com a SCL. De acordo com um relato de dezembro 2015 no The Guardian, e com documentos internos da empresa passados a Das Magazin, o que parece é que a SCL aprendeu sobre o método de Kosinski com Kogan.

Kosinski passou a suspeitar que a empresa de Kogan pudesse ter reproduzido a ferramenta de mensuração do Big Five baseada em “likes” do Facebook para vendê-la a essa empresa especializada em influenciar eleições. Ele imediatamente rompeu o contato com Kogan e informou o diretor do instituto, lançando a fagulha de um complicado conflito dentro da universidade. O instituto estava preocupado com sua reputação. Aleksandr Kogan então mudou-se para Cingapura, casou-se e mudou seu nome para Dr. Spectre. Michal Kosinski concluiu seu PhD, recebeu uma oferta de emprego na Universidade de Stanford e mudou-se para os EUA.

Senhor Brexit

O assunto serenou por mais ou menos um ano. Então, em novembro de 2015, a mais radical das duas campanhas Brexit, “Leave.EU”, apoiada por Nigel Farage, anunciou que havia contratado uma empresa de Big Data para sustentar sua campanha online: Cambridge Analytica. A força central da empresa: marketing político inovador – microabordagem –, medindo a personalidade das pessoas a partir de suas pegadas digitais, com base no modelo Ocean.

Então Kosinski recebeu mensagens perguntando o que ele tinha a ver com aquilo – as palavras Cambridge, personalidade e analytics imediatamente levaram mais gente a pensar no pesquisador. Era a primeira vez que ouvia falar da empresa, cujo nome, dizia-se, fazia referência a seus primeiros empregados, pesquisadores daquela universidade. Horrorizado, ele foi olhar no site. Sua metodologia estaria sendo usada em grande escala para fins políticos?

Depois do resultado do Brexit, amigos e conhecidos escreveram para ele: olha só o que você fez. Em todo lugar que ia, Kosinski tinha de explicar que não tinha nada a ver com aquela empresa. (Continua obscuro com que profundidade a Cambridge Analytica estava envolvida na campanha do Brexit . A empresa não discute esses assuntos.)

Houve mais um período de tranquilidade. Mas em 19 de setembro de 2016, pouco mais de um mês antes das eleições dos EUA, os riffs de guitarra do grupo musical Creedence Clearwater Revival, na música “Bad Moon Rising”, encheram o corredor azul escuro do hotel Grand Hyatt, de Nova York. A Cúpula Concordia é uma espécie de Fórum Econômico Mundial em miniatura. Governantes e empresários de todo o mundo haviam sido convidados, entre eles o presidente suíço Johann Schneider-Ammann. “Por favor dêem boas vindas ao palco Alexander Nix, CEO do Cambridge Analytica”, anunciou uma suave voz feminina. Um homem magro num terno escuro caminha para o palco. Um silêncio se instala. Muitos dos presentes sabiam que esse era o novo homem estratégico de Trump. (Um vídeo da apresentação fora postado no You Tube.) Poucas semanas antes, Trump havia postado no Tweeter, de forma enigmática, “Logo vocês estarão me chamando de Mr. Brexit”. Observadores políticos tinham mesmo notado algumas semelhanças impressionantes entre a agenda de Trump e a da ala de direita do Brexit. Mas poucos haviam notado a ligação disso com a contratação, por Trump, de uma empresa de marketing chamada Cambridge Analytica.

Até aquele momento, a campanha digital de Trump consistia em mais ou menos uma pessoa: Brad Parscale, um empresário de marketing e fundador de uma start-up fracassada que criou para Trump um site rudimentar por US$ 1.500. Trump, de 70 anos, não é experiente digitalmente – nem mesmo há um computador em sua mesa de trabalho. Trump não manda emails, sua assistente pessoal revelou certa vez. Ela própria havia tentado convencê-lo a ter um smartphone, do qual ele agora manda tweets sem parar.

Hillary Clinton, por outro lado, confiou muito no legado do primeiro “presidente de mídias sociais”, Barack Obama. Ela tinha as listas de endereços do Partido Democrata, trabalhava com analistas de ponta de Big Data do BlueLabs e recebia apoio da Google e DreamWorks. Quando foi anunciado, em junho de 2016, que Trump havia contratado a Cambridge Analytica, o establishment de Washington torceu o nariz. Uns caras estrangeiros vestidos com ternos feitos sob medida que não entendem o país e seu povo? Sério?

“É um privilégio para mim falar com vocês hoje sobre o poder do Big Data e da psicometria no processo eleitoral.” O logo da Cambridge Analytica – um cérebro composto de nós da rede, como um mapa, aparece atrás de Alexander Nix. “Há apenas 18 meses, o senador Cruz era um dos candidatos menos populares”, explica o homem loiro com sotaque britânico perfeito, que perturba os americanos da mesma maneira que um sotaque alemão padrão pode perturbar o povo suíço. “Menos de 40% da população tinha ouvido falar dele”, diz um novo slide. A Cambridge Analytica havia se envolvido na campanha eleitoral havia quase dois anos, inicialmente como consultora para os republicanos Ben Carson e Ted Cruz. Cruz – e mais tarde Trump – tinha sua campanha sustentada pelo discreto bilionário do ramo de software Robert Mercer que, juntamente com sua filha Rebekah, é tido como o maior investidor na Cambridge Analytica.

“Então, como ele fez isso?” Até agora, explica Nix, as campanhas eleitorais eram organizadas com base em conceitos demográficos. “Uma ideia realmente ridícula. A ideia de que todas as mulheres deveriam receber a mesma mensagem em razão do seu gênero – ou todos os afro-americanos por causa de sua raça.” O que Nix quis dizer é que, enquanto as outras campanhas até agora baseavam-se em demografia, a Cambridge Analytica estava usando psicometria.

Embora isso possa ser verdade, o papel de Cambridge Analytica na campanha de Cruz não é inconteste. Em dezembro de 2015 a equipe de Cruz atribuiu seu sucesso crescente ao uso e análise de dados psicológicos. Em Advertising Age, um cliente político disse que a equipe da Cambridge era “como uma roda extra”, mas ainda assim achava excelente seu produto principal, a modelagem de dados de eleitores Cambridge. A campanha pagaria à empresa pelo menos 5,8 milhões de dólares para ajudar a identificar eleitores nas primárias de Iowa — que Cruz venceu, antes de sair da disputa, em maio.

Nix clica e aparece o próximo slide: cinco rostos diferentes, cada um correspondendo a um perfil de personalidade. É o Big Five ou Modelo OCEAN. “Na Cambridge”, disse ele, “somos capazes de formar um modelo para diagnosticar a personalidade de cada um dos adultos dos Estados Unidos.” O auditório está atônito. De acordo com Nix, o sucesso do marketing da Cambridge Analytica baseia-se numa combinação de três elementos: ciência comportamental usando o Modelo OCEAN, análise de Big Data e publicidade segmentada. Publicidade segmentada são comerciais personalizados, alinhados o mais precisamente possível à personalidade de um consumidor individual.

Nix explica candidamente como sua empresa faz isso. Primeiro, a Cambridge Analytica compra dados pessoais de um conjunto de fontes diferentes, como registros de imóveis, dados automotivos, dados de compras, cartões de bônus, associação a clubes, quais revistas você lê, que igrejas frequenta. Nix exibe o logo de corretores de dados que operam globalmente, como a Acxiom e a Experian – nos EUA, quase todos os dados pessoais estão à venda. Por exemplo, se você quer saber onde mulheres judias vivem, pode simplesmente comprar essa informação, inclusive números de telefone. Então, a Cambridge Analytica agrega esses dados com os registros eleitorais do partido Republicano e dados online e calcula um perfil Big Five de personalidade. De repente, as pegadas digitais tornam-se pessoas reais, com medos, necessidades, interesses e endereços residenciais.

A metodologia parece bem semelhante àquela que Michal Kosinski desenvolvera lá atrás. A Cambridge Analytica também usa, disse Nix, “pesquisas nas mídias sociais” e dados do Facebook. E a empresa faz exatamente aquilo para o que Kosinski alertara: “Traçamos o perfil de personalidade de todos os adultos nos Estados Unidos da América – 220 milhões de pessoas”, vangloriou-se Nix.

Ele abre a imagem da tela. “Esse é o painel de bordo que preparamos para a campanha de Cruz.” Surge um centro de controle digital. À esquerda estão diagramas; à direita, um mapa de Iowa, onde Cruz venceu com um número surpreendente de votos nas primárias. No mapa há centenas de milhares de pontos vermelhos e azuis. Nix focaliza o critério: “Republicanos” – os pontos azuis desaparecem; “ainda não convencidos” – mais pontos desaparecem; “homens”, e assim por diante. Finalmente, resta apenas um nome, incluindo idade, endereço, interesses, personalidade e inclinação política.

Como faz a Cambridge Analytica para abordar essa pessoa com a mensagem política adequada?

Nix mostra como eleitores classificados psicometricamente podem ser abordados de diferentes maneiras — com base, por exemplo, no direitos à posse de armas, estabelecido na 2ª Emenda à Constituição dos EUA: “Para uma audiência altamente neurótica e consciente sobre ameaça de um assalto – e a política de segurança de uma arma”. Uma imagem à esquerda mostra a mão de um intruso arrebentando uma janela. O lado direito mostra um homem e uma criança em pé num campo ao por do sol, ambos portando armas, claramente atirando em patos: “O contrário, para uma audiência fechada e prazerosa. Pessoas que se importam com tradição, e hábitos, e família.”

Como manter os eleitores de Hilary longe das urnas

As incriveis inconsistências de Trump, sua muito criticada instabilidade, e a série de mensagens contraditórias resultantes —  de repente, tudo isso torna-se um grande trunfo: uma mensagem diferente para cada eleitor. A noção de que Trump agiu como um algoritmo perfeitamente oportunista seguindo a reação da audiência é algo que a matemática Cathy O’Neil observou em agosto de 2016.

“Quase toda mensagem que Trump enunciou foi guiada por dados”, lembra Alexander Nix. No dia do terceiro debate presidencial entre Trump e Hillary, a equipe do candidato testou 175 mil variações diferentes de anúncios publicitários para seus argumentos, de modo a encontrar as versões mais certeiras via Facebook. Em sua maioria, as mensagens diferiam umas das outras por detalhes microscópicos, de modo a apontar para os destinatários com a melhor abordagem psicológica possível: diferentes títulos, cores, legendas, com uma foto ou vídeo. Esta afinação atinge todos, até os menores grupos, explicou Nix numa entrevista. “Podemos nos dirigir a vilarejos ou blocos de apartamentos de modo segmentado. Até mesmo a indivíduos.”

No distrito de Little Haiti, em Miami, por exemplo, a campanha de Trump forneceu aos habitantes notícias sobre o fracasso da Fundação Clinton após o terremoto no Haiti, de modo a evitar que votassem para Hillary. Esse era um dos objetivos: manter potenciais eleitores de Clinton (o que incluía esquerdistas vacilantes, afro-americanos e mulheres jovens) longe das urnas; “inibir” seus votos, como contou à Bloomberg um profissional graduado da campanha semanas antes das eleições. Estes “posts escuros” — propagandas patrocinadas em estilo news-feed na timeline do Facebook, vistos somente por usuários com perfis específicos – incluiam vídeos dirigidos aos afro-americanos em que Hillary refere-se aos homens negros como predadores, por exemplo.

Nix conclui sua palestra na Cúpula Concordia afirmando que a publicidade abrangente tradicional está morta. “Meus filhos certamente não irão nunca, jamais entender esse conceito de comunicação de massa.” Antes de deixar o palco, ele anunciou que, após Cruz abandonar a disputa, a empresa apoiaria um dos candidatos presidenciais que permanecessem.

Não é possível enxergar quão precisamente os norte-americanos estava sendo alvejados pelas tropas digitais de Trump naquele momento, porque eles atacaram menos na TV mainstream e mais com mensagens personalizadas nas mídias sociais ou na TV digital. E enquanto a equipe de Hillary pensava estar na liderança, com base em projeções demográficas, o jornalista Sasha Issenberg, da Bloomberg, ficou surpreso ao notar, numa visita a Santo Antonio – onde a campanha digital de Trump tinha sua base – que um “segundo quartel-general” estava sendo criado. A equipe da Cambridge Analytica, aparentemente não mais que uma dúzia de pessoas, recebeu US$ 100 mil de Trump em julho, US$ 250 mil em agosto e US$ 5 milhões em setembro. De acordo com Nix, a empresa recebeu ao todo mais de US$ 15 milhões. (A empresa está registrada nos EUA, onde as leis relativas à divulgação de dados pessoais são mais frouxas do que em países da União Europeia. Enquanto as leis europeias de privacidade requerem que a pessoa “opte por sua inclusão” (“opt in”) na divulgação de dados, as dos EUA permitem que dados sejam divulgados, a não ser quando o usuário “opte por sua não inclusão (“opt out”).

As medições foram radicais: desde julho de 2016, os cabos eleitorais de Trump receberam um aplicativo com o qual podiam identificar a visão política e tipo de personalidade dos habitantes de uma residência. Era o mesmo aplicativo usado pelos que fizeram a campanha do Brexit. As equipes de Trump simplesmente tocavam a campainha das casas que o aplicativo classificava como receptivos a suas mensagens. Os cabos eleitorais vinham preparados com orientação para conversas adaptadas ao tipo de personalidade do residente. Por sua vez, os cabos eleitorais alimentavam o aplicativo com as reações, e os novos dados voltavam para os painéis da campanha de Trump.

Nada disso é novo, vale lembrar. Os Democratas fizeram coisas semelhantes, mas não há evidências de que eles se baseavam em perfis psicométricos. A Cambridge Analytica, contudo, dividiu a população dos EUA em 32 tipos de personalidade, e focou em apenas 17 estados. E assim como Kosinski definiu que é um pouco mais provável que homens que gostam de cosméticos MAC sejam gays, a empresa descobriu que a preferência por carros fabricados nos EUA era um grande indicador de um potencial eleitor de Trump. Entre outras coisas, essas descobertas mostravam agora para Trump quais mensagens funcionavam melhor, e onde. A decisão de focalizar em Michigan e Wiscosin nas semanas finais da campanha foi feita com base na análise de dados. O candidato tornou-se um instrumento para implementar um modelo de Big Data.

E agora?

Mas até que ponto os métodos de psicometria influenciaram o resultado da eleição? Questionada, a Cambridge Analytica não quis apresentar nenhum prova da efetividade de sua campanha. E é bom provável que essa pergunta seja impossível de responder.

E ainda assim há pistas: há o fato do surpreendente crescimento de Ted Cruz durante as primárias. E houve um aumento do número de eleitores nas áreas rurais. Houve a queda do número inicial de votos afro-americanos. O fato de que Trump gastou tão pouco dinheiro pode também ser explicado pela efetividade da propaganda com base na personalidade. Assim como o fato de que ele investiu muito mais em campanha digital do que na TV, comparado com Hillary Clinton. O Facebook mostrou ser a arma final e melhor campanha eleitoral, como explicou Nix e demonstraram os comentários de várias pessoas centrais na campanha de Trump.

Muitas vozes clamaram que os estatísticos perderam a eleição porque suas previsões foram muito fora da curva. Mas, e se os estatísticos tiverem de fato ajudado a vencer a eleição – mas apenas aqueles profissionais que estavam usando o novo método? É uma ironia da história que Trump, que frequentemente reclamou de pesquisas científicas, tenha usado uma abordagem altamente científica em sua campanha.

Outro grande vencedor é a Cambridge Analytica. Steve Bannon, membro do conselho da empresa e ex-presidente executivo do jornal online de direita Breitbart News, foi apontado como principal conselheiro e estrategista-chefe de Donald Trump. Apesar de a Cambridge Analytica não querer comentar sobre rumores de conversações com a primeira ministra britânica Theresa May, Alexander Nix alega que ele está construindo sua base de clientes em todo o mundo, e que foi sondado pela Suíça, Alemanha e Austrália. Sua empresa está fazendo atualmente conferências pela Europa, apresentando seu sucesso nos Estados Unidos. Neste ano, três países centrais da União Europeia têm eleições com partidos populistas de direita renascidos: França, Holanda e Alemanha. O sucesso eleitoral vem num momento oportuno, pois a empresa está se preparando para uma intensa campanha publicitária.

Kosinski observou tudo isso de seu escritório em Stanford. Depois da eleição nos EUA, a universidade está agitada. Kosinski está trabalhando no desdobramentos da arma mais afiada disponível para um pesquisador: uma análise científica. Juntos com sua colega pesquisadora Sandra Matz, ele conduziu uma série de testes, que logo serão publicados. Os resultados iniciais são alarmantes: o estudo mostra a eficácia de ter como alvo as personalidades, mostrando que marqueteiros podem atrair mais de 63% mais cliques e mais de 1.400 conversões em campanhas publicitárias em tempo real no Facebook quando se combinam produtos e mensagens de marketing a características da personalidade do consumidor. Eles depois demonstraram a possibilidade de ampliar o foco personalizado, ao mostrar que a maioria das páginas de Facebook que promovem produtos ou marcas são afetadas pela personalidade e que grande número de consumidores podem ser definidos precisamente como alvo com base numa única página do Facebook.

Numa declaração posterior à publicação deste artigo na Alemanha, um porta-voz da Cambridge Analytica disse: “A Cambridge Analytica não usa dados do Facebook. Não teve nenhum negócio com o Dr. Michal Kosinski. Não subcontrata pesquisa. Não usa a mesma metodologia. Praticamente não usa psicometria. A Cambridge Analytica não desenvolveu nenhum esforço para desencorajar qualquer norte-americano em participar com seu voto nas eleições presidenciais.”

O mundo foi virado de ponta-cabeça. A Grã Bretanha está saindo da União Europeia, Donald Trump é presidente dos Estados Unidos. E em Stanford, Kosinski, que queria advertir contra o perigo de focar em perfis psicológicos num ambiente político, está mais uma vez recebendo mensagens acusatórias. “Não”, diz Kosinski, em voz baixa, e balançando a cabeça. “Isso não é culpa minha. Não construí a bomba. Eu só mostrei que ela existe.”

*Mikael Krogerus e Hannes Grassegger

Mikael Krogerus é um escritor freelance para jornais e revistas alemães e suiços. Hannes Grassegger estudou economia em Berlim e Zurique. É editor chefe da revista REPORTAGEN, e freelance para o Süddeutsche Zeitung Magazin, Die Zeit e Das Magazin.

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