António
Abreu – AbrilAbril, opinião
Não,
não vamos regressar ao excelente filme de Sergio Leone com a inesquecível
música de Ennio Morricone. O filme agora é outro: a crise política e
institucional que se vai avolumando naquele país, animada pelo confronto de
interesses de dois grandes grupos de milionários e respectivos grupos
económicos, um dos quais com o apoio dos grandes media e que não quer perder o
poder.
Donald
Trump está a avançar em algumas das promessas feitas. Noutras não. Algumas
perspectivas iniciais que podiam ter desenvolvimentos positivos. Quinze dias
após a tomada de posse é um prazo curto para fazer uma avaliação desta nova administração.
Esta avaliação será continuamente feita nos próximos meses.
Nas
relações com os media, Trump tem, com razão, fortes motivos de queixa dos
principais, mas o governar por twitter e a imagem do assinatura
decretos presidenciais nos termos em que tem feito, não resolvem os
condicionalismos de comunicação, mesmo na perspectiva populista em que se
coloca.
Trump
procura conter a decadência dos EUA no plano económico. Falou de um grande
plano de infraestruturas mas não como ele será financiado. A externalização da
indústria para outros países foi até aqui uma opção deliberada dos grupos
económicos norte-americanos na mira de cada vez mais lucros. Convencê-los a
inverter de estratégia esbarra com outras realidades e, para isso, o erguer de
barreiras alfandegárias e o mandar o comércio «livre» às urtigas é uma
perspectiva positiva no interesse dos trabalhadores.
No
plano militar, a Rússia desenvolveu-se tecnologicamente, ultrapassando a
modernidade do armamento dos EUA. Como confidenciava ao Pepe Escobar um
«mestre» anónimo do novo presidente: «A produção em série e a produtividade de
Henry Ford foi a maravilha que fez os Estados Unidos ganharem a Segunda Guerra
Mundial. A Amazon não contribui em nada para a defesa nacional, sendo apenas um
serviço de marketing na Internet baseado em programas de computador, nem o
Google que simplesmente organiza e fornece melhor os dados. Nada disso constrói
um míssil ou um submarino melhor, a não ser em termos marginais.»
No
plano geoestratégico, Trump poderá ser tentado a dividir Rússia e China mas não
terá o êxito que Nixon teve na guerra do Vietname, que jogou com contenciosos
sino-soviéticos para que a China hostilizasse o Vietname e pactuasse no
Cambodja com o regime sanguinário de Pol-Pot com o mesmo objectivo. A situação
hoje é outra.
Começos
conflitos com a China ao estabelecer uma relação directa com Taiwan. O novo
secretário de Defesa dos Estados Unidos, James Mattis, foi na sexta-feira a
Seul, na Coreia do Sul, comprometer-se com a instalação do sistema de defesa
antimíssil americano THAAD, já anteriormente decidida por Obama durante este
ano na Coreia do Sul. Mantém no leste da Europa mísseis americanos apontados à
Rússia em países vizinhos desta e não criticou a intervenção da Ucrânia da
passada segunda-feira contra as populações russas do Donbass, instando mesmo a
Rússia a retirar-se da Crimeia (!).
Trump
quer desafiar a China para uma guerra? E pressionar a Rússia para a encontrar
numa posição desfavorável num futuro e distante encontro com Putin? Trump deve
ter em conta que para garantir o fim do bloqueio «ocidental», para ver a
segurança regressar ao leste do rio Dnieper, a Rússia não se afastará nem da
Crimeia, nem da China, nem do Irão, nem da Síria, nem de Afez Al-Assad. E que a
China e o Irão vão resistir às suas investidas. Pequenos sinais de cooperação
da China com os EUA neste Ano Novo Lunar são positivos.
Em
quinze dias, as manifestações contra Trump têm-se sucedido particularmente
contra as novas restrições à imigração que foram introduzidas, confrontando e
provocando reacções de outros países, particularmente dos que vêm cidadãos seus
serem impedidos de entrar nos EUA. É certo que as restrições à imigração dos
sete países «proscritos» já funcionava com Obama mas os media conseguiram
criar a ideia de que elas foram introduzidas por Trump, que, de facto, as quer
agravar, arrastando-se já para uma crise institucional entre o Presidente e a
Justiça. E nem os EUA nem a UE têm autoridade moral para conter a imigração,
resultante dos dramas provocados pelas suas agressões no Médio Oriente e em
África.
O
muro com o México é característico da confrontação com o México de várias
administrações norte-americanas e já foi também motivo de um decreto executivo
de Trump para a sua conclusão. Da iniciativa de George W. Bush, e aprovado em
2006 no Senado, incluindo pelos senadores Barack Obama e Hillary Clinton, teve
a sua construção iniciada por Bill Clinton e continuada pelo filho Bush e
Barack Obama… O muro já revelara fragilidades pela escavação que no seu
interior os cartéis da droga fizeram para utilização em benefício do seu
narcotráfico.
Para
além do reinício da construção, Trump decidiu sobre um nítido reforço de meios
humanos associados, com mais cinco mil polícias de fronteira (acréscimo de
24%), de mais dez mil agentes de imigração (mais 50%) e mais juízes para darem
andamento aos dossiers e ainda construir mais centros de retenção junto à
fronteira para tornar as expulsões mais rápidas e menos dispendiosas.
A
imagem de «um país que não tem fronteiras, não é um país» vem ao encontro de
correntes na Europa que defendem o mesmo. A integração europeia capitalista
abriu fronteiras com consequências desastrosas para a indústria, a agricultura,
a pesca, os serviços particularmente nos países mais pequenos como Portugal. A
perda das medidas de defesa da economia, de uma moeda própria que se possa
valorizar ou desvalorizar em função dos contextos tem sido assinalada ao longo
dos anos pela esquerda mais consequente como o bloqueio a vencer para permitir
o crescimento e desenvolvimento.
Relativamente
ao tratado com o Canadá e o México, o NAFTA, apesar da situação de conflito que
já criou com o México, prometeu, depois de um encontro com os respectivos
primeiros-ministros começar negociações sobre ele… O NAFTA foi, até agora, um
desastre para o México. O mercado foi inundado com produtos agrícolas
canadianos a preços baixos (graças a subsídios do Estado) e, causaram o colapso
da produção agrícola com efeitos sociais devastadores para a população rural.
Assim.
Criou-se
uma plataforma de trabalho a baixo custo, recrutados nas maquiladoras: milhares
de estabelecimentos industriais ao longo da linha de fronteira do território
mexicano, detidos ou controlados principalmente por empresas norte-americanas
que graças ao regime de isenção de impostos exportam produtos semiacabados ou
componentes para montagem, reimportando-os já acabados para os EUA, o que lhes
dá muito maiores lucros graças a custos muito mais baixos da mão-de-obra
mexicana e a outras facilidades.
Nas
maquiladoras trabalham principalmente meninas e mulheres jovens. Os horários
são massacrantes, a toxicidade elevada, os salários baixos, os direitos
sindicais praticamente inexistentes. A pobreza, o tráfico de drogas, a
prostituição e a criminalidade desenfreada e generalizada causam uma profunda
degradação de vida nestas áreas. Basta lembrar a Ciudad Juarez, na fronteira
com o Texas, que se tornou tristemente célebre por inúmeros assassinatos de
mulheres jovens, na sua maioria trabalhadores das maquiladoras.
A
isto foi chamado durante muitos anos «livre comércio», que coexistiu com o
proteccionismo dos mercados americanos, e não só, que se traduziu, por exemplo,
em barreiras alfandegárias, descidas de impostos e outros apoios aos produtores
nacionais dos grandes países, negados aos mais pequenos, manipulação do valor
do dólar em seu proveito
Esta
atitude dos EUA criou uma falsa industrialização destas zonas mexicanas.
Trump
não pode ignorar esta realidade.
Os
EUA vão ensaiar uma retirada dos EUA de parte do comércio mundial. Começando
pelo Tratado de Comércio Livre Transpacífico (TPP), em que acaba com a
participação nele dos EUA, processo que parece não estar concluído mas os
restantes países, devido a pressões da Austrália e da Nova Zelândia, que
procuram agora na China uma contrapartida para a solidez do tratado.
Quanto
ao acordo transcontinental EUA – Europa, o TTIP, ele ainda estava em fase
de discussão que Trump irá abandonar para se centrar em acordos comerciais,
para já, com o Reino Unido, o que vai ao encontro dos interesses de Theresa May
que, com isso, pretende compensar os efeitos do Brexit. Essa é uma medida
positiva.
Em
matéria de relações comerciais à escala planetária, os EUA vão ter que se conformar,
aparentemente fechando-se e defendendo uma política interna que «torne maior a
América».
E
isto coloca a todo o mundo com mais força a expectativa de uma China que
reclama as vantagens da globalização. Agora é a China, primeira potência
comercial mundial, a «dar as cartas».
Enquanto
a globalização capitalista beneficiava mais o chamado «mundo ocidental», a
liberalização do comércio e a livre circulação de bens e serviços não era
contestada pelos States mas por aqueles países que dela eram vítimas.
Mas
poderá a China neste novo quadro, ao afrontar o dedo pontado de Trump,
contribuir para uma globalização com menos efeitos negativos que a anterior?
Esta é uma questão que os amigos e admiradores do progresso fantástico deste
país gostariam de ver expressa em compromissos firmes.
O
decreto presidencial contra o aborto coincidiu com 44.º aniversário da
legalização pelo Supremo Tribunal do aborto em 1973. Não é de estranhar que
Trump esteja rodeado de activistas «pró-vida», particularmente o
vice-presidente, Mike Pence, que tem travado uma longa luta para acabar com o
financiamento ao planeamento familiar e que, quando foi governador de Indiana,
adoptou leis locais muito persecutórias em relação ao aborto.
Trump
acabou com o Obamacare que era um sorvedouro de recursos para as seguradoras
mas não parece ir criar alternativas de acesso aos cuidados de saúde deixando
«o mercado funcionar»…O povo americano mais carente (e a outra parte que os têm
através de seguradoras) necessita de algo semelhante aos serviços nacionais de
saúde de vários países europeus, pagos pelos descontos nos salários para a
segurança social. O liberalismo de Trump permitir-lhe-á discernir isso?
O
dar luz verde a novas extrações petrolíferas, à exploração do «petróleo de
xisto» e o cancelar de regulamentação de defesa ambiental nas empresas, deixa
francos receios, se aliados à negação por Trump das alterações climáticas, de
os EUA se retirarem das preocupações da Conferência de Paris e não contribuírem
para o esforço universal para a redução da emissão de gases de efeitos de
estufa.
Os
contactos com Israel estimularam a política de colonatos de Netanyahu, agora
particularmente em Jerusalém e Cisjordânia, a hostilização ao Irão exigida por
Israel e com consequências já nas provocações a esse país, as negociações
israelo-palestinianas realizadas fora de qualquer acompanhamento internacional,
e o reconhecimento de Jerusalém como capital do Estado de Israel, com a
passagem da embaixada dos EUA de Tel-Aviv para a cidade santa.
Enfim,
parece poder concluir-se que, nestes quinze dias:
Algumas
perspectivas iniciais que podiam ter desenvolvimentos positivos estão a ser
submersas por um mar de coisas negativas;
Trump
acentuou o seu carácter reaccionário em matéria de política interna;
A
perseguição aos imigrantes vai continuar mas com forte resistência popular e de
outras instituições;
Não
se vislumbram medidas coerentes para a defesa dos trabalhadores americanos ou
para o aumento do poderio económico contra a qual parte dos seus críticos já
desatou a lengalenga neoliberal de que a elevação da actividade industrial e
respectivos níveis salariais criaria níveis de inflação «insuportáveis»;
Não
se atenuaram tensões no plano internacional, bem pelo contrário;
Trump
não conseguiu dar a volta ao gueto informativo que lhe criaram;
E
parece estar cada vez mais possuído pelas estruturas mais retrógradas da
administração norte-americana, incluindo as que foram suportes do seu
antecessor.
E
deixamos ainda algumas questões:
Se
Trump concretizar algumas perspectivas positivas poderá não resistir a um
qualquer processo de destituição mas os grupos económicos que dominam os
actores políticos podem reconfigurar a sua acção e discurso de maneira a
prosseguir com os de anteriores administrações;
O
mundo mudou, há novas realidades emergentes e isso condicionará o percurso
desta nova administração norte-americana.
*António
Abreu, engenheiro químico
Foto:
Lusa
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