Organizações
guineenses e internacionais condenam a decisão do primeiro-ministro de mandar
para as ilhas qualquer criança encontrada a mendigar. Umaro Sissoco Embaló
esclarece que só quer colocá-las num centro.
O
chefe do Governo deu ordens ao ministro do Interior para prender e
mandar para o arquipélago dos Bijagós, na Guiné-Bissau, qualquer criança
encontrada a mendigar. "Qualquer criança encontrada na rua a pedir
esmola será detida e mandada para as ilhas", declarou Umaro Sissoco
Embaló.
A
ordem foi dada recentemente numa deslocação ao interior da Guiné-Bissau, em
visita de contacto com as populações, mas só no início desta semana foi
noticiada nas rádios de Bissau, revelou a agência Lusa.
Entretanto,
na quinta-feira (10.08), Umaro Sissoco Embaló esclareceu que o que
pretende é retirar as crianças das ruas e mandá-las para um centro
onde terão educação cuidada. "Já dei ordens ao ministro do Interior,
qualquer criança talibé apanhada na rua, já temos um sítio para a colocar, não
vai para nenhuma prisão. Já que os pais não têm condições de a ter, o Estado
tem obrigação com essas crianças, são futuros quadros deste país",
frisou.
ONG
contra "medidas coercivas"
Em
resposta às declarações do primeiro-ministro guineense, várias organizações de
defesa dos direitos da criança pronunciaram-se contra a intenção de Umaro
Sissoco Embaló.
"É
verdade que há muitas crianças em situação de vulnerabilidade nas principais
ruas da Guiné-Bissau, mas não é com as medidas coercivas que vamos resolver
estas situações", defende o secretário-executivo da Associação dos Amigos
da Criança (AMIC) da Guiné-Bissau, Laudolino Medina.
A
Organização das Nações Unidas (ONU) da Guiné-Bissau "está preocupada com a
segurança e o bem-estar das crianças", afirma Júlia Alhinho, porta-voz da
organização no país.
Mendicidade
no Islamismo
O
primeiro-ministro Umaro Embaló ordenou, em particular, a expulsão das
chamadas
crianças
talibés, entregues pelos pais para serem educadas por mestres corânicos.
Os
professores obrigam os alunos a pedir esmola nas ruas de Bissau e de algumas
cidades do interior. O dinheiro visa o sustento das crianças e dos mestres que,
segundo Laudolino Medina, "estão a enriquecer, e de que maneira, às custas
da mendicidade e da exploração dessas crianças".
O
primeiro-ministro guineense, que é muçulmano, salienta que a religião não
recomenda que crianças peçam esmola nas ruas. Por
isso, considera ser "uma vergonha" que os pais mandem os filhos
"para mendicidade pelas ruas em nome do ensino do Islão".
A
ordem "vale para todas as crianças", mesmo para aquelas de outras
religiões, sublinhou Embaló. Em reação, a Liga dos Direitos Humanos (LGDH) da
Guiné-Bissau diz que as declarações são "desajustadas para com as nobres
funções do primeiro-ministro, ignoram o verdadeiro drama social por que passam
milhares de crianças, forçadas a deambular nas ruas de Bissau", refere em
comunicado.
Alternativas
à deportação
A
decisão viola as leis nacionais e disposições internacionais ratificadas pelo
Estado da Guiné-Bissau, na opinião do secretário-executivo da
AMIC, Laudolino Medina.
A
associação relembra que a Guiné-Bissau é membro da Comunidade Económica
dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), União Africana (UA) e Nações Unidas.
Laudolino Medina acrescenta que o país também "ratificou vários
instrumentos internacionais sobre os direitos das crianças, nomeadamente a
Carta Africana e a Convenção das Nações Unidas".
Como
solução, a LGDH da Guiné-Bissau propõe a "aprovação de uma lei [pelo
Governo] contra a mendicidade forçada, criando assim uma base jurídica forte
para a erradicação desta prática cultural violenta". Por outro lado,
Laudolino Medina acredita que "a lei, por si só, não resolve o problema.
Há que continuar a sensibilizar essas comunidades ou os pais, no sentido de assumirem
a sua responsabilidade".
O
primeiro-ministro, não obstante, exortou os pais que não tiverem recursos a
entregar os filhos ao Estado, como forma de evitar que peçam esmola. No
entanto, Laudolino Medina alerta que "o Estado da Guiné-Bissau não tem
nenhum centro para acolher essas crianças". Os únicos centros de
acolhimento são de organizações não-governamentais, como a AMIC.
O
secretário-executivo Laudolino Medina defende um trabalho coordenado entre
instituições estatais e não estatais para que as crianças retornem para as suas
famílias, proporcionando-lhes também escolarização.
Organizações
de proteção das crianças têm desenvolvido campanhas para sensibilizar os pais a
retirarem os filhos da mendicidade nas ruas de Bissau e de Dacar, no Senegal,
para onde são enviados, todos os anos, centenas de jovens guineenses.
A
ONU e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) na
Guiné-Bissau prometem continuar a trabalhar com o Governo para encontrar
soluções. "Estamos confiantes que o Estado vai cumprir com as suas
obrigações em termos de direitos humanos e direitos das crianças em
particular", afirma a porta-voz da ONU, Júlia Alhinho.
Cláudia
Pereira, Agência Lusa | em Deutsche Welle