Em
2011 Marcolino Moco revelou que o seu partido, o MPLA, o ameaçou de morte. Ou,
melhor, que lhe poderia acontecer o mesmo que aconteceu a Jonas Savimbi. Porque
as palavras (algumas) voam mas os escritos são eternos, recordemos a carta que
Marcolino Moco escreveu no dia 29 de Novembro de 2009 ao seu camarada Dino
Matross. VEJA O VÍDEO
Orlando
Castro | Folha 8
“Após
consulta à minha família nuclear e alargada, que me deu todo o apoio, e até me
surpreendeu, ao declarar que eu nem devia ter ido ter consigo, mando-lhe este
pequeno memorando do nosso encontro do dia 24 de Novembro, na Assembleia
Nacional.
Na
verdade, como deve ter sabido, a minha primeira decisão era não ter ido ter
consigo, pela forma como fui abordado, como se eu fosse um desocupado, à
chamada de um senhor misericordioso; e também não iria ao seu encontro por
desconfiar que me iria dar lições atávicas, sobre as minhas opiniões, como
cidadão e académico, em relação ao momento constituinte, que tem suscitado uma
grande audiência em Luanda e no exterior, já que vocês, sem nenhum pejo,
barraram todo o contraditório em relação ao interior do país, simulando uma
grande generosidade em fazer participar o país na elaboração de uma
constituição que vocês já sabem qual será.
Só
que com o seu cinismo, conseguiu que o camarada Faustino (Muteka) me
convencesse que seria uma conversa entre camaradas que iriam trocar ideias,
neste momento importante.
Aquilo
foi mais degradante, não sei quantas vezes, do que o meu encontro com os
camaradas João Lourenço, Paulo Jorge e Nvunda, em 2001, quando eu opinava
publicamente sobre a urgência da paz.
Devo
reconhecer hoje, ter sido injusto com eles porque, foram certamente pessoas
como o camarada Matross que os empurraram para aquele cenário, que até não foi
tão triste assim, até porque bastante cordial.
Vocês
não conseguem nem ter sentido de humor e um mínimo de informalismo, como a
camarada Joana Lina, que quase não aceitou os meus cumprimentos, toda ela feita
deusa de uma religião que eu não professo.
Pela
forma arrogante como me falou não vou mais insistir nas opiniões que tentei
trocar consigo, porque vi que o senhor não estava interessado em dialogar, mas
apenas em tentar impor-me ideias que – diga-se, mais do que imaginava,
horrorosamente atávicas.
No
entanto, quero que fique bem claro que, para mim, as conclusões daquele
encontro são as seguintes:
1-Reitero,
por minha livre vontade, que continuo ligado sentimentalmente ao MPLA (talvez
deixe de fazer essa referência pública, e deixe de referir que vocês são meus
amigos, se isso tanto vos perturba) conservando o meu respeito ao Presidente do
Partido, mas sem temor (como temer um combatente na luta contra o medo colonial
e não só!?).
O
que penso, a partir do nosso último encontro (pode ser que esteja enganado!), é
que são vocês que o apoquentam com a ideia de que qualquer referência a ele,
desde que seja crítica (mesmo quando positiva) é falta de respeito, é “falar
mal do Chefe”, etc., etc., etc..
2-
Fica claro que como docente, conferencista e cidadão, ninguém, mas
absolutamente ninguém, me obrigará a distorcer as minhas convicções
científicas, a favor de ideias de um partido qualquer, por mais maioritário que
seja e por mais da minha cor que seja.
É
aí que vocês inventam que eu falo mal do Presidente do Partido, quando as
referências são feitas a um cidadão que é Chefe de Estado e especialmente na
sua qualidade de Chefe de Governo, num momento importante, em que todos nós
temos o dever cívico de contribuir sem medo.
Para
mim o tempo da vovó Xica de Valdemar Bastos: “não fala política”, já lá vai há
muito tempo.
Paradoxalmente,
o camarada Dino Matross, foi um dos grandes obreiros desta gesta. É pena! Era
para nos tirarem o medo dos estrangeiros e nos trazerem o vosso medo?! Eu
recuso-me a tremer perante qualquer tipo de novos medos.
3-Aquelas
referências que fez, de forma tão sobranceira e até ameaçadora, sobre o
camarada Chipenda (por quem, da lista, nutro um grande respeito), do Paulino
Pinto João (degradante!) e de Jonas Savimbi (se não andasse distraído saberia
que eu nunca entendi bem das suas razões) foi das coisas mais inacreditáveis na
minha vida.
O
camarada Matross a deixar transparecer que me presto a mendigar os vossos
favores ou que tenho medo de perder a vossa protecção? Ainda não se apercebeu
que não?!
Neste
ponto, saiba que a minha família e amigos, sobretudo os que vivem no Huambo e
um pouco por todo o país, reiteraram-me o seu total e pleno apoio, no sentido
de que nem que eu venha a comer raízes e ervas (que até são mais saudáveis que
as comidas importadas) não irei pedir esmolas a ninguém, o que não significa
dispensar os meus direitos e garantias perante as instituições competentes do
Estado.
4-Declino
o convite que o camarada diz ter pedido para mim, ao Presidente do Partido,
para ser convidado ao VI Congresso do MPLA.
Não
aceito a perspectiva chantagista, condicionante e ameaçadora que deixou
transparecer do tipo: “se não for então que não se arrependa” ou “então será
abandonado”.
Como
costumo dizer, desde a “Queda do Muro de Berlim”, em 1989, que estou preparado,
sobretudo espiritual e psicologicamente, para não viver a custa de lugares em
qualquer partido.
E
a mensagem que passo sempre aos meus alunos _ e tenho moral para isso _ é esta:
“preparem-se como bons profissionais, para a vida; podem aderir a partidos ou
assumir cargos políticos, mas não dependam deles em nenhum sentido, porque
podem ser enxovalhados, em alguma altura”.
5-Espero
nunca mais ser perturbado quando falar, nas minhas vestes de cidadão e
estudioso do Direito. Se a questão é alguma comunicação social, que ainda não
se vergou às vossas pressões, andar a divulgar as minhas ideias, o problema não
é meu. Mandem fechar tudo o que não fale a vosso favor e deixem-me em paz.
6-
Olhem à volta e vejam como arrastam o MPLA à situação de ser o mais retrógrado
dos então chamados partidos progressistas de África! Incapazes de perdoar, do
fundo do coração (já nem falo da UNITA e dos chamados “ fraccionistas”) até os
próprios fundadores do nosso glorioso Partido, como os irmãos e primos Pinto de
Andrade; e um Viriato da Cruz, de cujo punho brotaram estrofes esplendorosas,
para uma África chorosa mas em “busca da liberdade”, usando palavras de outro
vate da liberdade; o Viriato da pena leve e elegante que riscou o próprio
“Manifesto”, donde nasceria uma das mais notáveis siglas da humanidade; sigla
que vocês vão, hoje, transmitindo às novas gerações, como o símbolo do culto e
da correria atrás de enxurradas de dinheiro e de honrarias balofas! Triste
espectáculo que fingem não ver!
Com
certeza, já mandaram chamar o nosso “mais novo”, o deputado Adelino de Almeida
para nunca mais escrever, como escreveu aquele artigo tétrico, no “Semanário
Angolense”, após o desaparecimento do malogrado, talentoso e insigne tribuno,
também nosso “mais novo” o ex-deputado André Passy.
Dos
textos dilacerantemente irónicos do ex-deputado Januário, mas exprimindo com
arte as misérias (sobretudo do foro espiritual) que estão a ser criadas neste
país, provavelmente nem se importam de reparar: pois, para além de ser já um
“ex” é um “mijão de calças”, mesmo aos quase 50 anos, como o camarada Matross
gosta de taxar “carinhosamente” todos os jovens que despontam com ideias
diferentes das vossas.
Por
maioria de razão, o mesmo destino (cesto de papéis!) deram, certamente, àquele
pujante libelo acusatório de um jovem, a sair dos vinte anos, que me fez chorar
(das poucas vezes que chorei, em vida!) onde a vossa e minha geração são postas
diante de uma realidade, nua e crua, do amordaçar de sonhos e liberdades que
vocês nos anunciaram a todos, mas que ele e os da sua geração só os encontram
nos livros de história e no canto esperançoso dos poetas (falo do jovem Divaldo
Martins, que também escreveu no “Semanário Angolense”!).
7-
E sobre todas estas coisas, não mais falarei com o camarada Dr. Dino Matross.
Estou indisponível. A não ser em debate público.
Política,
na verdade, diversamente do que vocês querem impor, contrariando (mesmo neste
tempo de democracia pluralista), o grande Agostinho Neto, que disse não dever
ser um assunto de “meia dúzia de políticos”, terá que ser, e será,
inexoravelmente, uma questão fora do esoterismo a que vocês a querem submeter,
em Angola.
Estou
cansado das vossas chantagens e humilhações. Por enquanto, é este o meu
manifesto contra o medo e contra uma ditadura do silêncio que não aceito.
Obs.:
Como vocês gostam de distorcer as coisas, guardo cópia deste documento que será
distribuído a meus familiares e amigos e, quem sabe, chegará aos militantes de
corações abertos, que ainda não os fecharam, ante a vossa inigualável capacidade
de manipulação!
Quem
sabe a todo o país e ao mundo, que para vós não passa dos arredores da Mutamba
e da marginal da baía de Luanda?!”
Mudam-se
os tempos… mudam-se as vontades e os interesses. E se calhar até as verdades. O
recente apoio de Marcolino Moco a João Lourenço e as louvaminhas a José Eduardo
dos Santos foram, para mim, um mortífero murro no estômago. Não reagi a
quente. Tentei, por duas vezes, obter uma explicação de Marcolino Moco. Debalde.
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