terça-feira, 22 de agosto de 2017

FLUXOS CONTEMPORÂNEOS DE DESESTABILIZAÇÃO PARA DENTRO DE ÁFRICA



Martinho Júnior | Luanda 

A ESPIRAL DE CAOS, TERRORISMO E DESAGREGAÇÃO VAI ALASTRAR PARA SUL DO SAHEL, EM DIRECÇÃO À ÁFRICA AUSTRAL

1- Quando em Berlim as potências coloniais elaboraram a obra de engenharia e arquitectura das colónias com que iriam poder explorar até à medula e de “mãos livres” (de mãos isentas de qualquer empecilho que tivesse a ver com direitos humanos), o desenho prevalece até aos nossos dias, transportando do passado autênticas armadilhas que foram semeadas em finais do século XIX.

São os povos africanos, as jovens nações e os respectivos estados, que apesar da sua vulnerabilidade, apesar de estarem na cauda dos Índices de Desenvolvimento Humano, conforme ilustram os relatórios anuais da ONU, continuam a ter que lidar com essas armadilhas que vêm de longe no prolongamento das trevas, o que dificulta a libertação do continente-berço, nas suas legítimas aspirações de luta contra o subdesenvolvimento e por um desenvolvimento sustentável nas trilhas das gerações presentes e futuras.

As potências coloniais de primeira grandeza de então, fizeram prevalecer na partilha de África, os interesses anglo-saxónicos tendo o Império Britânico na coluna-vertebral (do “Cabo ao Cairo”), envolvendo ainda as colaterais da Alemanha (Sudoeste Africano e Tanzânia), que relegaram as potências menores da Europa que tinham aspirações coloniais para um segundo plano que determinou a sua vassalagem “no terreno”, conforme os casos da França (que ocupou a região de água mais rarefeita), o caso da Itália (com as “batatas quentes” da Líbia, da Abissínia e da Somália), de Portugal (que sofreu o ultimato da “velha aliada” em relação à pretensão expressa no Mapa Cor-de-Rosa) e do Rei Leopoldo II da Bélgica que, embora tenha ficado com o pulmão tropical do continente, viu sua saída para o Atlântico estrangulada na foz do Congo).

2- O Congo, cujo território se situa no coração físico-geográfico-ambiental de África (o centro geográfico do enorme triângulo que tem no Cabo o seu vértice a sul), partindo da posição dum colonialismo vassalo, detinha (e detém) fronteiras com 11 outros territórios que foram geridos pelas outras potências e, à vassalagem artificiosa da potência colonial que o administrou, juntaram-se todos os candentes problemas dum gigante com pés de barro.

ELEIÇÕES EM ANGOLA



António Abreu | AbrilAbril | opinião

Hoje (21/8) é o último dia da campanha eleitoral em Angola. De acordo com as últimas sondagens conhecidas, João Lourenço será o próximo Presidente de Angola e na Assembleia Nacional o MPLA manterá a maioria dos deputados, como em 2012.

Poderão ter mais de 60% dos votos (em 2012, 71,84%). Em 2012 o MPLA atingiu uma maioria absoluta de 175 deputados, enquanto a oposição ficou pelos 45.

Ao contrário de França, por exemplo, que tem um outro tipo de presidencialismo, que garante automaticamente ao presidente eleito uma maioria confortável de deputados, em Angola isso não acontece.

A CASA-CE (Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral), de Abel Chivukuvuku, poderia ser a segunda força mais votada, com cerca de 19% das intenções de voto (em 2012, 6%), embora a diferença em relação à UNITA, que ficaria com 15% (em 2012, 18,66%) se situar na margem de erro da sondagem. «Mas, ainda assim, existe a possibilidade de a CASA-CE se tornar na segunda força com mais assentos no Parlamento», estima Carlos Pacatolo.

A União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) criticou a sondagem. O candidato, Isaías Samakuva, considera que a amostra «não permite um apuramento sério da intenção de voto dos angolanos».

Nestas eleições concorre mais um partido, o APN. Mas estas três candidaturas continuariam a ter reduzida expressão eleitoral, a saber Quintino Moreira e o APN, Lucas Benghi Ngonda e a FNLA, e Benedito Daniel e o PRS. Mas elegerão deputados, como em 2012.

Para as eleições da próxima quarta-feira, a CNE constituiu 12.512 assembleias de voto, que incluem 25.873 mesas de voto, algumas a serem instaladas em escolas e em tendas por todo o país, com o escrutínio centralizado nas capitais de província e em Luanda. Estão inscritos 9.317.294 eleitores em todo o país. A província de Luanda, a maior eleitoralmente, apresenta 2.882.632 eleitores.

Os delegados às mesas de voto terão um subsídio do Estado para o efeito.

Segundo a CNE, estavam credenciados no passado dia 17, 1200 observadores nacionais e 200 observadores internacionais. Estando assim coberto um número significativo de mesas de voto para esse efeito.

CRISE, INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E INGENUIDADE TECNOLÓGICA



Os que defendem a inteligência artificial (IA) como solução para os problemas económicos padecem de uma enorme ingenuidade tecnológica. Alguns chegam até a perguntar como a IA poderia traduzir-se em crescimento económico.

Na verdade, os engenheiros que sabem muito de IA & de robots pouco ou nada sabem de economia política – o que limita o seu entendimento.   Eles Incidem assim em ilusões, como se o progresso tecnológico pudesse resolver a depressão económica actual.   Por isso, convém repetir o b-a-bá do modo de produção capitalista.   A generalização da IA & dos robots significa um aumento da composição orgânica do capital, ou seja, da substituição de trabalho vivo pelo trabalho morto incorporado nos equipamentos.

Ora, o aumento da composição organica, leva inelutavelmente à redução das taxas de mais-valia e de lucro, pois elas só podem ser extraídas do trabalho vivo.   Dessa forma, o incremento da queda da taxa de lucro será um motivo ulterior para agravar ainda mais a crise actual.   

É verdade que na concorrência inter-capitalista as empresas que chegam primeiro à IA e aos robots têm uma vantagem acrescida em relação aos seus competidores mais atrasados, os quais podem ser expulsos do mercado.   Mas a generalização da IA e dos robots a todas as empresas poderá significar o dobre de finados do capitalismo, um sistema baseado no lucro.   Não há falta de inteligência entre os tecnólogos da Inteligência Artificial – eles apenas padecem de uma visão em túnel e espalham as suas ilusões entre aqueles que os ouvem.


Trump cria ambiente permissivo para ideologias fascistas



Após a posse de Trump aumentaram nos Estados Unidos as manifestações de intolerância racial, fascista e de extrema direita. Para o professor Tomaz Paoiello*, essas manifestações são fruto da incapacidade da sociedade norte-americana de fornecer boas condições de vida a população e do discurso de ódio do atual presidente que faz com que as pessoas se sintam livres para manifestar sua intolerância.

No sábado(12) em Charlottesville, no Estado da Virginia, houve uma marcha para “unir a direita” que teve como integrantes racistas de supremacia branca e neonazistas. A marcha que desprezava pessoas negras, estrangeiras e LGBTIQ teve enfrentamento de alguns dos passantes. No auge do absurdo, um dos manifestantes passou com um carro matando uma mulher e deixando vários feridos. Trump à princípio foi muito vago em suas declarações e apenas depois de dois dias realmente repudiou o ato. Para entender melhor o porquê e os desdobramentos dessa violência verbal e física, convidamos Tomaz Paoiello que é Doutor em Relações Internacionais (2016) e atual professor do Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

PV: A estátua em Charlottesville de Robert E. Lee (general que lutou para manter a escravidão no século XIX) foi um dos pretextos dados para o início das manifestações. Como o revisionismo histórico se apresenta nisso?

Tomaz Paoiello: A retirada da estátua do general Lee é apenas o pretexto para a manifestação. É um elemento catalisador, mas não é a causa principal. Sobre o revisionismo, a estatua foi construída anos depois do final da Guerra Civil, num momento de reinterpretação e revalorização do movimento confederado no sul e recrudescimento da discriminação racial. Por anos ela esteve naquele local sem representar conflito, então a pergunta que deve ser feita é: o que mudou nesse momento?

Deixar essa estátua na cidade pode suscitar manifestações fascistas ou é positivo para “relembrar do passado”?

Acredito que lembrar do passado e homenagear um determinado passado são coisas distintas. Ninguém se esquecerá da Guerra Civil ou da escravidão se a estátua do General Lee for retirada. Assim como os grupos de “neo-confederados” não vão sumir com a retirada da estátua. Escolher manter ou retirar a estátua está relacionada a como compreendemos esses fenômenos atualmente.

O presidente Trump foi o catalizador dessa revolta?

A vitória de Trump também está mais no campo das consequências de uma mudança estrutural social, econômica e política. Tanto é que Trump já foi eleito com o apoio dos setores de extrema-direita da sociedade, ou seja, eles já estavam ali. No entanto, Trump é um veículo importante de difusão desse tipo de visão de mundo, e cria um ambiente permissivo para que esse tipo de movimento comece a testar sua capacidade de mobilização política, e principalmente testar qual será o limite da repressão que irá receber. As primeiras declarações de Trump foram muito criticadas por condenar a violência de maneira ampla, sem referência explícita à supremacia branca.

SOMOS TODOS ESPÁRTACO



Um livro recente revela: globalização tornou a riqueza e o poder tão concentrados como nos tempos de Roma antiga. Mas há gente — inclusive entre a esquerda — empenhada em dizer que o problema são os “populismos”

Nuno Ramos de Almeida | Outras Palavras

No ano 73 antes do nascimento de Cristo, e 106 anos antes da sua crucificação, o gladiador Espártaco liderou uma revolta de escravos que fez tremer Roma. Quase um terço da população da bota italiana era constituída por escravos. A insurreição aguentou dois anos e foi afogada num banho de sangue pelas tropas dirigidas pelo cônsul romano Marco Licínio Crasso. Foram crucificados seis mil escravos para servirem de exemplo de que qualquer veleidade de liberdade seria esmagada com sangue.

No seu livro Global Inequality: A New Approach for the Age of Globalization, tal como na sua obra Ter ou Não Ter, o economista norte-americano de origem sérvia Branko Milanovic faz uma espécie de apanhado da riqueza comparativa de Crasso com os plutocratas de hoje, para que se perceba quais as suas reais capacidades e de onde lhe vinha o seu poder. Ao contrário do que defendia Adam Smith, a capacidade que o cônsul teve de esmagar a insurreição de Espártaco não se devia sobretudo à sua grande habilidade na guerra e na política, mas ao fato de ser riquíssimo e de essa riqueza lhe permitir colocar a política romana a seu soldo, como observou Max Weber. Crasso dominava a política e recebia de Júlio César, em troca do seu apoio, concessões, negócios e monopólios. Quanto mais dinheiro ganhava, mais desigual se tornava a sociedade romana, mais razões de revolta existiam entre os escravos e os mais pobres, mas maior capacidade de repressão tinha. Crasso pagou com o seu dinheiro os mercenários para derrotar Espártaco. Quadruplicou, com ele, as tropas que Roma lhe tinha entregado para o efeito.

Segundo Branko Milanovic, estima-se que a riqueza de Crasso lhe rendesse 12 milhões de sestércios por ano, o equivalente a um bilhão de dólares. Um romano médio necessitaria de trabalhar 32 mil anos seguidos e sem descanso para conseguir obter o rendimento anual de Crasso.

As desigualdades na altura, expressas na imensa riqueza do cônsul, político e general romano equivalem às das nossa época. Nos EUA, apenas quatro homens têm uma riqueza comparável à de Crasso. Bill Gates está à frente, com um rendimento duas vezes e meia maior que o seu antecessor de Roma.

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