Após
a posse de Trump aumentaram nos Estados Unidos as manifestações de intolerância
racial, fascista e de extrema direita. Para o professor Tomaz Paoiello*, essas
manifestações são fruto da incapacidade da sociedade norte-americana de
fornecer boas condições de vida a população e do discurso de ódio do atual
presidente que faz com que as pessoas se sintam livres para manifestar sua
intolerância.
No
sábado(12) em Charlottesville, no Estado da Virginia, houve uma marcha para
“unir a direita” que teve como integrantes racistas de supremacia branca e
neonazistas. A marcha que desprezava pessoas negras, estrangeiras e LGBTIQ teve
enfrentamento de alguns dos passantes. No auge do absurdo, um dos manifestantes
passou com um carro matando uma mulher e deixando vários feridos. Trump à
princípio foi muito vago em suas declarações e apenas depois de dois dias
realmente repudiou o ato. Para entender melhor o porquê e os desdobramentos
dessa violência verbal e física, convidamos Tomaz Paoiello que é Doutor em
Relações Internacionais (2016) e atual professor do Departamento de Relações
Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
PV:
A estátua em Charlottesville de Robert E. Lee (general que lutou para manter a
escravidão no século XIX) foi um dos pretextos dados para o início das
manifestações. Como o revisionismo histórico se apresenta nisso?
Tomaz
Paoiello: A retirada da estátua do general Lee é apenas o pretexto para a
manifestação. É um elemento catalisador, mas não é a causa principal. Sobre o
revisionismo, a estatua foi construída anos depois do final da Guerra Civil,
num momento de reinterpretação e revalorização do movimento confederado no sul
e recrudescimento da discriminação racial. Por anos ela esteve naquele local
sem representar conflito, então a pergunta que deve ser feita é: o que mudou
nesse momento?
Deixar
essa estátua na cidade pode suscitar manifestações fascistas ou é positivo para
“relembrar do passado”?
Acredito
que lembrar do passado e homenagear um determinado passado são coisas
distintas. Ninguém se esquecerá da Guerra Civil ou da escravidão se a estátua
do General Lee for retirada. Assim como os grupos de “neo-confederados” não vão
sumir com a retirada da estátua. Escolher manter ou retirar a estátua está
relacionada a como compreendemos esses fenômenos atualmente.
O
presidente Trump foi o catalizador dessa revolta?
A
vitória de Trump também está mais no campo das consequências de uma mudança
estrutural social, econômica e política. Tanto é que Trump já foi eleito com o
apoio dos setores de extrema-direita da sociedade, ou seja, eles já estavam
ali. No entanto, Trump é um veículo importante de difusão desse tipo de visão
de mundo, e cria um ambiente permissivo para que esse tipo de movimento comece
a testar sua capacidade de mobilização política, e principalmente testar qual
será o limite da repressão que irá receber. As primeiras declarações de Trump
foram muito criticadas por condenar a violência de maneira ampla, sem referência
explícita à supremacia branca.
Quais
outros motivos podem ter levado isso a acontecer justo agora?
Há
fenômenos profundos que ajudam a explicar o momento. Estão principalmente
ligados a incapacidade da sociedade norte-americana de fornecer boas condições
de vida a determinados setores da sociedade. Em termos econômicos, acredito que
não seja possível entender o momento atual sem levar em consideração a crise de
2008. A “recuperação” econômica do governo Obama gerou crescimento econômico
apenas para alguns setores da sociedade, para outros setores, em especial as
classes médias de cidades menores, ficaram estagnados ou caíram. Soma-se a isso
uma percepção de que o sistema político não responde à vontade de amplos
setores da população, fato que gera uma crise de confiança na democracia. De fato,
os atores mais poderosos na política americana são setores econômicos
organizados, que em geral influenciam as políticas de Washington e dos Estados.
Finalmente, não dá para entender o surgimento de ‘fascismos’ sem compreender
que eles são movimentos de reação, em geral a movimentos de esquerda
organizada. Não é à toa que esses protestos atuais fazem referência negativa
aos movimentos negros e aos movimentos de mulheres. O objetivo é levar a luta
para as ruas.
Porque
o surgimento de fascistas e da extrema direita parece estar sempre ligado a
momentos de crise?
Eles
não existem apenas nesses momentos, mas ganham força neles. Os ideais fascistas
estão sendo escritos e divulgados continuamente. Há momentos que concentram um
potencial de mobilização em determinados setores da sociedade para essas
ideias. O fascismo se alimenta das crises política e econômica concomitantes. O
professor da Universidade de Columbia, Robert Paxton, afirma que o fascismo
surge necessariamente em locais com democracias liberais bem estabelecidas,
pois é nesses lugares que essa democracia pode entrar em crise por sua falta de
capacidade de dar respostas aos anseios da sociedade. É exatamente nesse
contexto que os EUA e a França se encontram, por exemplo. Essa percepção é
parcialmente causada por crises econômicas que significam piora nas condições
de vida. Os movimentos de tipo fascista associam essas duas ‘pioras’ política e
econômica, a um inimigo, um ‘outro’, em geral minorias políticas ou inimigos
externos.
Você
acredita que o próprio Trump é a favor desse tipo de protesto e só se
posicionou contra ele muito tempo depois e por pressão popular?
É
difícil saber o que o Trump pensa pessoalmente. Acho que ele é muito pouco
ideológico. Ele tem utilizado um discurso de oposição e de ódio contra minorias
e conseguiu com isso o apoio dos setores mais à direita da sociedade, que estão
muito mobilizados e por isso votaram nele. Trump tenta manter o pequeno pedaço
da sociedade norte-americana que o apoia ao seu lado, mas não pode incentivar movimentos
de violência política radicais sob o risco de desestabilizar seu governo ao
unir os setores pouco mobilizados do centro e da centro-direita. Por isso ele
foi tão vago nas suas declarações.
Trump
já pode já ter perdido parte de seu eleitorado por ter demorado para se
pronunciar?
Parte
do eleitorado são aquelas pessoas que estavam na rua. Outra parte maior é
possivelmente atraída por esse tipo de posição, mas não é politicamente ativo.
Outros, mais do campo conservador tradicional, como alguns republicanos do
norte, foram os que exigiram que ele fosse mais vocal contra os protestos
violentos e as manifestações de supremacia branca e nazistas. Ele respondeu e
voltou atrás nas declarações. Ou seja, ele sinalizou para os dois grupos.
*Tomaz
Paoiello, Doutor em Relações Internacionais (2016) e atual professor do
Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP)
Carolina
Marcheti | Texto original em português do Brasil | Exclusivo Editorial PV / Jornal Tornado
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