Em
saudação ao 11 de Novembro de 2017, 42º aniversário da independência de Angola,
com uma atenção especial em relação a Cabinda.
Nota
prévia:
A
epopeia do 11 de Novembro de 1975 é, em África, um marco indelével dum
movimento de libertação que teve que vencer os mais retrógrados factores
sócio-políticos para melhor se poder afirmar enquanto potencial resgate numa
longa luta que há a fazer contra o subdesenvolvimento, só possível a partir de
plataformas consolidadas de paz!
Os
factores retrógrados externos e internos, estiveram presentes e confluentes
antes, durante e depois do 11 de Novembro de 1975 e, de metamorfose em
metamorfose, muitos deles ainda teimosamente subsistem, outros estão em nova
fase de adaptação, outros ainda mudando de paradigma, explorando os nexos
possíveis do capitalismo neoliberal e das ilusões que deles fluem!
Em
Portugal, muitos dos factores retrógrados, têm suas barricadas antigas e têm
que ver ainda com o passado colonial, pelos reflexos mentais que comportam, só
possíveis de subsistir graças às décadas dum “arco de governação”, que é
um retardador mental, um autêntico “arco-da-velha” (ditadura,
fascismo, colonialismo…).
Nas
culturas “judaico-cristãs ocidentais”, os que tiveram passado colonial
mantêm correntes mentais e sócio-políticas “ancoradas”no passado, como se
ainda “dilatar a fé e o império” fosse de hoje!
Por
isso o Não Alinhamento Activo da revolução cubana no seu enlace
internacionalista e solidário com o movimento de libertação, não é reconhecido,
muito menos valorizado como um avanço para África e em benefício de toda a
humanidade!
Julgam
por exemplo que terá sido um capricho, ou uma mera figura de estilo, o
comandante Fidel escolher o nome da escrava Carlota para dar corpo e substância
à resposta internacionalista resultante do pedido de ajuda que o camarada
presidente António Agostinho Neto fez a Cuba em tempo oportuno…
Além
do mais o nome de Carlota, nada tinha, nem tem a ver com os nomes correntes
utilizados na chamada Guerra Fria que em África estava longe de o ser como tal,
para onde os menos estudiosos se preocupam em atirar o 11 de Novembro, em
obediência filosófica, doutrinária e ideológica ainda hoje a Kissinger, aquele
que “bolou” a operação da CIA contra Angola, a Operação Iafeature
(uma longa história de suseranos e vassalos).
O
prodígio da Operação Carlota estendeu-se às vitórias em três campos de batalha
distintos, permitindo a eclosão da República Popular de Angola e estende-se até
hoje, se levarmos em conta o significado da educação e da saúde num contexto de
luta contra o subdesenvolvimento, aos imensos esforços de resgate que
decorrerão ao longo de todo o século XXI, em Angola e em África.
É
claro que, não considerando o peso geoestratégico da Operação Carlota e o que
essa epopeia permitiu a África, de Argel ao Cabo da Boa Esperança, as
narrativas históricas que não o reconhecem enquanto uma vitoriosa missão,
dentro ou fora do continente, dentro de Angola inclusive, fazem parte das
versões retrógradas que urge desmistificar!
15-
A batalha de Cabinda em 1974, que desmantelou as pretensões mais retrógradas da
descolonização (expulsão de Themudo Barata, neutralização dos spinolistas da
ocasião no próprio terreno, neutralização da presença militar da FLEC e
conjugação de factores progressistas envolvendo o próprio Movimento das Forças
Armadas Portuguesas), foi o primeiro passo no território angolano mais a norte,
de aproximação ao espírito da proclamação da independência de Angola por parte
do camarada presidente António Agostinho Neto.
O
segundo passo desenrolar-se-ia ao longo de todo o ano de 1975, com maior ênfase
à aproximação do 11 de Novembro, culminando com a batalha de Cabinda, uma
das “três irmãs” (as outras foram a de Quifangondo e a do Ebo).
A
intervenção do general Pedro Sebastião na conferência realizada em Luanda nos
dias 25 e 26 de Agosto de 2016 (“Angola: Guerra de Libertação e Independência”),
estabelece alguns dos nexos entre os dois tempos de abordagem (1974 e 1975),
repondo por si a distinção obrigatória entre luta e guerra (para mim o título
do livro denota já quanto os factores retrógrados estão a ganhar terreno em
Angola em época de capitalismo neoliberal, ao dar ênfase ao termo guerra na
libertação e independência, quando o 11 de Novembro de 1975 é um acto cultural
de incalculável abrangência e longevidade, um marco de luta para Angola e para
África).
16-
Um acto cultural de incalculável abrangência e longevidade, um marco de luta
para Angola e para África, que integrou a Operação Carlota como expoente
inédito, heroico e inesperado, duma manobra que se desenrolou no vasto
Atlântico Sul e conferiu outra dimensão à amizade entre os povos cubano e os
povos de todo o continente africano, numa altura em que se estava ainda a meio
caminho entre Argel e o Cabo da Boa Esperança!
O
general Pedro Sebastião relata o período intermédio de ligação entre os dois
passos na batalha de Cabinda, o de 1974 e o de 1975, (página 170):
“Nessa
altura, o MPLA era o único movimento de libertação em território de Cabinda.
Rapidamente
fomos reforçando a nossa presença na cidade, até controlá-la por completo.
Posteriormente,
perante os momentos que se aproximavam e a grande presença, em território
nacional, de forças estrangeiras, por solicitação do presidente Neto, em finais
de Setembro de 1975 chega a Cabinda o comandante Ramón Espinosa Martin,
acompanhado de mais três cubanos, disfarçados de jornalistas argentinos, que
tinham a missão de preparar terreno para a chegada de instrutores incumbidos de
preparar a defesa do território de Cabinda”…
Do
lado das forças progressistas a preparação e programação geoestratégica em
tempo de epopeia era vista ao pormenor, enquanto do outro lado, os improvisos
se sucederam uns aos outros, sem de facto conseguirem uma capacidade
geoestratégica ao nível!...
Também
por aí se pode aperceber quanto o movimento de libertação em África se
distanciava dos etno-nacionalismos, de seus mentores e de seus agenciados
conteúdos!
17-
A descrição do comandante Ramón Espinosa Martin sobre a batalha de Cabinda, na
sequência da Operação Carlota, pode-se considerar de exemplar, respondendo
inclusive às principais preocupações levantadas pelo camarada general Paulo
Lara em relação a algumas das narrativas angolanas na abordagem à batalha do
Cuito Cuanavale, incapazes de definir quer o campo de batalha e sua dimensão,
quer os tempos de sua durabilidade e por isso, ao minimizarem-na, colocam as
suas interpretações ao nível das narrativas dos intervenientes do lado do “apartheid” e
da meio envergonhada manifestação daqueles que seguiam à época Savimbi,
devorados pelas suas próprias contradições geoestratégicas (como lutavam pela
democracia, então deixaram-se cinicamente instrumentalizar pelo hediondo regime
do “apartheid”, ele próprio uma autêntica aberração da democracia)!
Em
relação à Operação Carlota, o circuito trilhado pelo comandante Ramón Espinosa
Martin, entre os muitos que foram postos em prática, tem além do mais uma carga
própria: o seu trânsito foi feito por Lisboa, a capital dum país que durante
quatrocentos anos foi escravocrata e colonial e até hoje tarda em ganhar a
consciência histórica suficiente em suporte da ânsia de liberdade e de
democracia que legitimamente assiste ao próprio povo português!...
…
E isso nada tem a ver, radicalmente nada, com qualquer parâmetro de apreciação
ao nível das correntes definições de “Guerra Fria”!...
18-
Vale a pena rever a ironia desse trajecto pessoal do comandante Ramón Espinosa
Martin, a páginas 29 do livro “La batalla de Cabinda”:
“Durante
la estancia en Lisboa pasamos por cubanos que iban a ayudar en la reconstrución
de Angola.
La
aparente composición del grupo era de dos médicos – Cotilla, que sí lo era y yo
– más quatro especialistas en puertos.
Sucedió
algo curioso.
En
el hotel habia famílias portuguesas que acababan de salir de Angola.
Uno
de los niños teniafiebre alta y como se habia corrido la voz de que entre los
huéspedes se encontraban médicos cubanos, pidieron que lo atendiéramos.
Cotilla
habia salido.
No
me quedó outra alternativa que ir com su estetoscópio y hacer el paripé de que
auscultaba el niño.
Tenía
mucha fiebre y le indique a los padres que lo llevaran rapidamente a un centro
hospitalário ya que carecía de medicamentos.
Al
dia seguiente me dieron las gracias, pues el pequeño tenia paludismo crónico y
requeria tratamento de urgência”…
19-
Sobre a Operação Carlota em si, recordo Gabriel Garcia Marques, considerando
que essa missão de inteligência e militar cubana, que em muitos sectores de
actividade se estendeu aos nossos dias, é importante recordar nas imensas vias
e rotas utilizadas para os combatentes chegarem a Angola, algo inédito, pois
ela decorreu num regime de clandestinidade, ou de semi clandestinidade.
Foram
utilizados entre Cuba e Angola, meios navais, em rotas distintas e com destinos
diversos, bem como meios aéreos, também com escalas e destinos variados,
intimamente associados à composição dos grupos expedicionários da missão
internacionalista e solidária em socorro de Angola!
Recorde-se
a intervenção de Gabriel Garcia Marquez sobre a Operação Carlota, em alguns dos
seus excertos:
“Por
primera vez en una declaración oficial Estados Unidos reveló la presencia de
tropas cubanas en Angola en noviembre de 1975.
Calculaba
entonces que el envío había sido de 15 mil hombres.
Tres
meses después, durante una breve visita a Caracas, Henry Kissinger le dijo en
privado al presidente Carlos Andrés Pérez – Cómo estarán de deteriorados
nuestros servicios de información, que no nos enteramos de que los cubanos iban
para Angola sino cuando ya estaban allí.
En
esa ocasión, sin embargo, corrigió que los hombres enviados por Cuba eran sólo
12 mil. Aunque nunca explicó el motivo de aquel cambio de cifras, la verdad es
que ninguna de las dos era correcta.
En
aquel momento había en Angola muchos hombres de tropa y especialistas militares
y técnicos civiles cubanos, y eran más de cuantos Henry Kissinger pretendía
suponer.
Había
tantos barcos cubanos anclados en la bahía de Luanda, que el presidente
Agostinho Neto, contándolos desde su ventana, sintió un estremecimiento de
pudor muy propio de su carácter, No es justo, le dijo a un funcionario amigo.
A
este paso, Cuba se va a arruinar"…
(…)
“Sólo
en mayo de 1975, cuando los portugueses se preparaban para retirarse de sus
colonias de África, el comandante cubano Flavio Bravo se encontró en Brazzaville
con Agostinho Neto, y éste le solicitó una ayuda para transportar un cargamento
de armas, y además le consultó la posibilidad de una asistencia más amplia y
específica.
En
consecuencia, el comandante Raúl Díaz Argüelles se trasladó tres meses después
a Luanda al frente de una delegación civil de cubanos, y Agostinho Neto fue
entonces más preciso aunque no más ambicioso: solicitó el envío de un grupo de
instructores para fundar y dirigir cuatro centros de entrenamiento militar”…
(…)
“La
posibilidad de que Estados Unidos interviniera de un modo abierto, y no a
través de mercenarios y de África del Sur, como lo había hecho hasta entonces,
era sin duda uno de los enigmas más inquietantes.
Sin
embargo, un rápido análisis permitía prever que por lo menos lo pensaría más de
tres veces cuando acababa de salir del pantano de Vietnam y del escándalo de
Watergate, con un presidente que nadie había elegido, con la CIA hostigada por
el Congreso y desprestigiada ante la opinión pública, con la necesidad de
cuidarse para no aparecer como aliado de la racista África del Sur, no sólo
ante la mayoría de los países africanos, sino ante la propia población negra de
Estados Unidos, y además en plena campaña electoral y en el flamante año del
bicentenario”…
(…)
“Yo
llegué a La Habana por esos días y desde el aeropuerto tuve la impresión
definida de que algo muy profundo había ocurrido en la vida cubana desde que
estuve allí la última vez, un año antes.
Había un cambio indefinible pero demasiado notable no sólo en el espíritu de la
gente sino también en la naturaleza de las cosas, de los animales y del mar, y
en la propia esencia de la vida cubana.
Había
una nueva moda masculina de vestidos enteros de tela ligera con chaquetas de
manga corta.
Había
novedades de palabras portuguesas en la lengua callejera.
Había
nuevos acentos en los viejos acentos africanos de la música popular.
Había
discusiones más ruidosas que de costumbre en las colas de las tiendas y en los
autobuses atestados, entre quienes habían sido partidarios resueltos de la
acción en Angola y quienes apenas entonces empezaban a comprenderla.
Sin embargo, la experiencia más interesante, y rara, era que los repatriados
parecían conscientes de haber contribuido a cambiar la historia del mundo, pero
se comportaban con la naturalidad y la decencia de quienes simplemente habían
cumplido con su deber.
En cambio, tal vez ellos mismos no eran conscientes de que en otro nivel, tal
vez menos generoso pero también más humano, hasta los cubanos sin demasiadas
pasiones se sentían compensados por la vida al cabo de muchos años de reveses
injustos.
En 1970, cuando falló la zafra de los 10 millones, Fidel Castro pidió al pueblo
convertir la derrota en victoria.
Pero
en realidad, los cubanos estaban haciendo eso desde hacía demasiado tiempo con
una conciencia política tenaz y una fortaleza moral a toda prueba.
Desde
la victoria de Girón, hacía más de 15 años, habían tenido que asimilar con los
dientes apretados el asesinato del Che Guevara en Bolivia y el del presidente
Salvador Allende en medio de la catástrofe de Chile, y habían padecido el
exterminio de las guerrillas en América Latina y la noche interminable del
bloqueo, y la polilla recóndita e implacable de tantos errores internos del
pasado que en algún momento los mantuvieron al borde del desastre.
Todo eso, al margen de las victorias irreversibles pero lentas y arduas de la
Revolución, debió crear en los cubanos una sensación acumulada de penitencias
inmerecidas. Angola les dio por fin la gratificación de la victoria grande que
tanto estaban necesitando”…
A
Operação Carlota foi uma primeira epopeia de inteligência e militar, dentro da
epopeia do 11 de Novembro de 1975, mas uma epopeia que se tornou “residencia
na Terra”, por que num plano multiforme, extravasou pelas razões mais saudáveis
da humanidade até aos nossos dias!
A
decisiva batalha de Cabinda acontecería logo de seguida, em Novembro de 1975!
Martinho Júnior - Luanda,
7 de Dezembro de 2017
Imagens:
Operación
Carlota, de acordo com Gabriel Garcia Marquez; Jornal “A Capital” e a
independencia de Angola; “Un dia mas con vida”, lembrando os momentos
finais duma combatente angolana caída no Balombo, de nome Carlota; General de
Exército Ramón Espinosa Martin; Generais angolanos Pedro Maria Tonha Pedalé
(natural de Cabinda e um dos protagonistas das batalhas de Cabinda) e Pedro
Sebastião (protagonista das batalhas e historiador).
A
consultar de Martinho Júnior (além do sugerido nos dois números anteriores):
A
consultar (para além do sugerido nos dois números anteriores):