Lula cresce: intocado em meio ao
bombardeio, encarnou o anti-golpe. Vem aí uma nova disputa pelo “centro”; Huck
pode voltar. Força de Ciro sugere articulação contra retrocessos
Antonio Martins | Outras Palavras
I. Saiu nesta madrugada (31/1)
uma nova
pesquisa Datafolha, de intenção de voto para a Presidência. Os resultados
revelam, antes de tudo um fenômeno político extraordinário. Lula sofreu, a
partir de quarta-feira passada (24/1), o bombardeio mais intenso lançado contra
um político ao menos desde o fim da ditadura. Condenado pelo TRF-4 em jogo de
cartas marcadas, foi dado por toda a mídia como candidato liquidado, à porta da
prisão (“à beira do precipício”, segundo Veja). Resistiu sem um
arranhão, revela a enquete, realizada no início desta semana (29 e 30/1). Mantém
o mesmo patamar (entre 34% e 37% dos votos, dependendo dos
adversários) do levantamento anterior.
Só um fenômeno explica este
resultado. O ex presidente tornou-se imune aos ataques que lhe são
lançados pelo Judiciário, os políticos conservadores e a mídia – ou seja, pelo
bloco de forças políticas que consumou o golpe de 2016. É como se uma vasta
fatia do eleitorado, que sente na pele o efeito dos retrocessos,
desqualificasse o bombardeio, por compreender (ou intuir) os interesses que há
por trás dele.
Este fato tende a provocar, nas
próximas semanas, forte tensão política. Uma impugnação da candidatura de Lula
só poderá ocorrer em setembro – e mesmo sua possível prisão de Lula, em dois
meses. O ex-presidente parece ter percebido que, desafiado pelos adversários e
deixado sem outra saída, só tem futuro se dobrar a aposta. Anuncia que criará
fatos políticos de grande relevância: entre eles, novas caravanas pelo país e o
lançamento, em algumas semanas, de uma nova Carta aos Brasileiros, dirigida às
maiorias que reclamam direitos, e em particular às classes médias. Num ambiente
de crise social, este aceno de mudanças tende a repercutir com intensidade.
Obrigará os adversários a uma tentativa de defesa, difícil e desgastante. E a
prisão de Lula será vista como vingança da elite, como tentativa de
calar quem se opõe às injustiças. Se o candidato executar, de fato, o que tem
prometido, criará condições para manter a candidatura inclusive encarcerado –
em desafio aberto à coalizão jurídico-midiática.
II. Um segundo fenõmeno captado pela
pesquisa dificulta a situação do bloco do conservadorismo tradicional. Não há
aí, segundo o Datafolha, nenhum sinal de que esteja se formando uma liderança
clara, capaz de articular iniciativas comuns. A festejada candidatura de
Geraldo Alckmin não decolou: atinge no máximo 6% das preferências, nos cenários
com Lula. Nota importante: Michel Temer (1%) e Henrique Meirelles (1%), os
principais executores da agenda de retrocessos (em especial da contrarreforma
da Previdência), são vastamente rejeitados. É um sinal que deverá perturbar
deputados e senadores e tornar mais difícil a aprovação de uma emenda
constitucional que mídia e aristocracia financeira tentam vender como
“indispensável”. Há cheiro de nova derrota à vista, para o bloco conservador.
Este cenário tende a incentivar a
candidatura de Luciano Huck. Em dois artigos recentes, Fernando Henrique
Cardoso incentivou-a, de modo mais ou menos explícito. O apresentador, que
retirou-se provisoriamente da disputa há dois meses, aparece, ainda assim, com
os mesmos 6% de Alckmin. Ainda assim, nada indica que o governador de São
Paulo, ou mesmo Henrique Meirelles, estejam prontos a se retirar da disputa – o
que ampliará o desconforto entre o campo conservador.
III. Mesmo nos cenários sem Lula, as
intenções de voto de Manuela Dávila-PCdoB (3%), Jacques Vagner-PT (2%) e
Guilherme Boulos (1%) são reduzidas. Mas salta aos olhos a persistência de Ciro
Gomes-PDT. Nos cenários com Lula, ele tem 7%; sem o ex-presidente, até 13%.
Para o momento, a estratégia de
Lula – manter a candidatura, mesmo perseguido ou preso – está se mostrando
extremamente sagaz. Mas, como alerta Eduardo Fagnani, coordenadora da Plataforma Política Social,
esta será, provavelmente, uma disputa a ser decidida nos pênalties. Ainda que o
ex-presidente leve a disputa até as portas do segundo turno, não se deve
menosprezar a força do bloco conservador. Os riscos de uma impugnação final são
altos.
Por isso, a última sondagem
sugere a conveniência de uma articulação Lula-Ciro. Ela não deve tomar a forma
(ao menos agora) de uma chapa conjunta – mas pode surgir como um discurso
articulado para as eleições. A base comum está clara na própria fala dos dois
postulantes: questionar o golpe e a agenda de retrocesos – propondo, em
especial sua anulação por meio de Referendos Revogatórios.
IV. É quase pleonástico afirmar, mas
a cobertura do velho jornalismo sobre a pesquisa é, mais uma vez, vergonhosa.
A Folha, que realizou a pesquisa, esmera-se em esconder ser
resultado principal. Prefere dar destaque ao cenário sem Lula. Mais grotesco:
na Globo, o Bom dia, Brasil simplesmente não noticiou o
fato mais importante do dia. Preferiu dedicar longos minutos a acidentes de
trânsito corriqueiros.
O malabarismo chega a ser
comovente, mas desperta a questão: é possível tapar o sol com a penenira?
*Antonio Martins é Editor do Outras Palavras
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