Manuel Carvalho da Silva* |
Jornal de Notícias | opinião
Os dados sobre trabalho e emprego
em Portugal, publicados esta semana pelo Ministério do Trabalho e da Segurança
Social, vêm confirmar o diagnóstico já feito de que a atual recuperação
económica se baseia bastante na generalização da precariedade e consequente
degradação salarial, relevando também a forte descida do desemprego.
Os salários dos portugueses, em
termos reais, estagnaram durante o período de crescimento económico. Se
descontarmos o efeito do aumento do salário mínimo durante os últimos três anos
- sem deixar de reconhecer a sua importância para centenas de milhares de
portugueses - então podemos argumentar que os salários têm caído no seu valor
real. Neste contexto, importa ainda colocar em evidência outro dado agora
publicado na última revisão do Livro Verde das Relações Laborais: os
trabalhadores cobertos por contratos coletivos de trabalho beneficiaram de
aumentos salariais modestos mas, ainda assim, mais elevados em relação à média.
Se queremos mais e melhor emprego
em 2018, estes últimos dados devem ser razão para profunda reflexão, já que têm
implicações a diversos níveis. A primeira diz respeito ao atual crescimento
económico e suas fontes. Se uma parte da recuperação vem das exportações, e se
os nossos exportadores não baixaram o valor de oferta dos seus produtos, então
qual a razão para prosseguirem práticas de desvalorização dos salários? Não é
possível fixar no país os jovens qualificados, nem avançar para a criação de
atividades de alto valor acrescentado e de indústrias modernas perpetuando
políticas de baixos salários. Entretanto, se outra parte da recuperação pode, e
deve, ser atribuída ao efeito da reposição de rendimentos no consumo interno, a
estagnação salarial do setor privado é fonte de acrescida preocupação para um
futuro próximo em que já não haverá reposições de rendimentos para os
trabalhadores do setor público e pensionistas. É que, assim, este motor da
recuperação corre o risco de gripar.
A segunda implicação encontra-se
na importância da valorização do salário mínimo, não só por razões de dignidade
no trabalho, mas também como importante instrumento de política de rendimentos
e de melhoria do patamar de desenvolvimento da sociedade, que importa não
abrandar no futuro.
A terceira implicação diz
respeito à necessidade urgente de reforçar a contratação coletiva, nomeadamente
adotando medidas que impeçam a caducidade unilateral dos contratos coletivos,
fator que vem conduzindo a que só sejam viáveis novos contratos que consagrem a
harmonização no retrocesso de condições de trabalho e de direitos. É
universalmente reconhecido que a contratação coletiva foi, a par de sindicatos
fortes, o mais importante instrumento de valorização salarial, de combate às
desigualdades e de resposta a novas realidades e desafios no mundo do trabalho,
na segunda metade do século XX.
No atual contexto de crescimento
económico, onde já há muita gente a fazer muito dinheiro, por exemplo, no
negócio imobiliário e em áreas de exportação, se o Governo não intervier no
reequilíbrio de poder entre trabalho e capital, o resultado será só um: um
aumento crescente das desigualdades. Há quem à Direita clame contra qualquer
alteração na legislação do trabalho, acusando a Esquerda de querer essa revisão
por razões ideológicas. Será que as pessoas quererem viver melhor, em
particular quando há condições para isso, é um preconceito ideológico? Não nos
esqueçamos de que as alterações à legislação do trabalho, impostas em 2012,
provocaram a transferência de rendimentos do fator trabalho para o fator
capital de cerca de três mil milhões de euros por ano e uma transferência de
poderes que deixou os trabalhadores em situação muito mais frágil. O Governo e
a Assembleia da República têm obrigação de impulsionar e respeitar a livre
negociação entre patrões e sindicatos porque é essa negociação, da base ao
topo, que pode modernizar as relações laborais e impulsionar dinâmicas
positivas nas empresas. Mas só haverá efetiva negociação com equilíbrio de
poderes.
A nova etapa da governação não é
um tempo de complacência, mas sim de visão estratégica, de mobilização de
empresários e trabalhadores para mudanças qualitativas.
* Investigador e professor
universitário
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