Marcelo parece omnipresente. E
nas televisões ainda mais. Mas por detrás dessa aparência há uma outra
realidade, onde não o irão decerto apanhar a tirar “selfies.” É onde houver
trabalhadores em luta, como as operárias da Gramax, ou os professores, ou os enfermeiros,
ou os operários da Autoeuropa. Aí os seus “afectos” não têm lugar.
O dom de Marcelo é ir a todo o
lado sem nunca estar em lado nenhum. Omnipresente na comunicação social, falta
à chamada sempre que o interesse nacional coincide com os interesses da classe
trabalhadora. Onde está Marcelo quando as populações se batem pelos correios do
povo? Porque não dá os seus «afectos» às quase 500 trabalhadoras da Gramax?
Meio milhar de operárias com meses de salário em atraso defendem a dignidade e
os postos de trabalho de um processo fraudulento de insolvência. Quando, em
piquetes de 24 horas, à chuva e ao frio, desafiando a fome, a incerteza e
muitos dramas familiares, as operárias da antiga Triumph impedem o roubo da
maquinaria estão também a impedir a destruição do aparelho produtivo português.
Porque será que Marcelo, sempre tão palavroso sobre moda, jogos de futebol, restaurantes e exercício físico, nada tem a dizer sobre esta matéria? Porque será que o Presidente, incansável na sua digressão afectiva, não vai a Sacavém?
A resposta é que Marcelo só
visita vítimas e voluntários, e as inderrotáveis mulheres de Sacavém não
aceitam ser uma coisa nem outra. O que lhe sobra em «afecto», falta-lhe em
solidariedade.
As operárias da Triumph são
apenas um exemplo: podíamos falar dos operários da Seda Ibérica, neste momento
em greve contra os horários desumanos, da Autoeuropa, que não abdicam do
direito ao fim-de-semana e à família, dos professores, dos enfermeiros, dos
trabalhadores da administração pública… Por mais elementarmente justa que seja
a causa, Marcelo faz ouvidos moucos a quem luta.
A MÃO QUE TIRA A SELFIE
De costas para tudo o que aparece
na selfie, Marcelo cultiva uma popularidade inventada, alimentada e dirigida há
muitos anos pela comunicação social da classe dominante. Os afectos podem até
ser genuínos, mas a mão que tira a selfie é da TVI. Por isso, a atenção
mediática e a atenção presidencial que merecem as lutas dos trabalhadores estão
sempre ao mesmo nível.
Isso é uma coisa, chama-se
caridade, é um desporto competitivo semelhante ao golfe e fica sempre bem na
selfie.
Mas que ninguém pense que Marcelo
está num concurso de misses. A sua popularidade não é um fim em si mesmo: são
munições parcimoniosamente poupadas em Sacavém para, quando for mesmo preciso,
disparar em defesa dos patrões. Até lá, Marcelo prefere causas menos
problemáticas, ou «consensuais», como lhes chama. Marcelo comporta-se como os
«famosos da televisão» que, quando se trata das operárias da Triumph,
#AdoptamEsteSilêncio porque a TVI não lhes preparou uma campanha mediática, ou
porque, coitadinhos, não sabiam, ou, simplesmente, porque fica mal a uma
estrela andar metido em política. Uma coisa é alimentar os sem-abrigo, combater
o desperdício alimentar, dar afecto aos pobrezinhos e todas as demais
benevolências paternalistas, estritamente voluntárias, que em afectados
movimentos ou i pê ésse ésses, aristocráticas e sempre descendentes, atirem um
carapau enquanto escondem a cana de pesca atrás das costas. Isso é uma coisa,
chama-se caridade, é um desporto competitivo semelhante ao golfe e fica sempre
bem na selfie. Outra coisa são 500 famílias atiradas para a miséria que exigem
(atenção, exigem) os postos de trabalho e os salários em atraso. Isso é
política. E na carreira de apresentador de televisão, como na de Marcelo, não
interessa.
Neste caso, interessava. A
atenção de Marcelo contribuiria para alterar a postura do governo do PS que,
ocupado a ajudar financeiramente os milionários da Uber e da Brisa, lava as
mãos do crime que está a acontecer em Sacavém. Mas, já sabemos, o que Marcelo
tem para oferecer aos trabalhadores são afectos e aquilo de que os
trabalhadores precisam é solidariedade. De trabalhadores para trabalhadores,
iguais para iguais.
*Em O Diário.info 18.01.18 - Fonte:
http://manifesto74.blogspot.pt/2018/01/os-lugares-onde-marcelo-nao-vai.html#more
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