Martinho Júnior | Luanda
1- Numa época em que a
globalização é irreversível, nos processos intestinos que lhe são
contraditórios persistem os sinais de barbárie, num esgotamento contínuo em
dívida para com a humanidade e em completa irresponsabilidade em relação ao
respeito que nos merece a Mãe Terra!
Se com os Estados Unidos a
hegemonia unipolar só por via dum avassalador domínio, pela força e pela guerra
psicológica em reforço de seu “soft power” pode subsistir, sem
hipótese para qualquer cosmética, o arrufo do proteccionismo é mais que um
passo atrás no sentido da barbárie e ainda com menos hipóteses para a
cosmética: o isolamento é desde logo assumido quando se pretende continuar
um “the americans first” que desde a IIª Guerra Mundial não tem feito
outra coisa senão semear tensões, divisionismo, desagregação, caos, terrorismo,
conflitos e guerras para impor esse domínio, agregando todos os “simpáticos” negócios
que estejam de acordo com essa bárbara agenda!...
Essa “involução” está a
obrigar os Estados Unidos não só a perder relacionamentos em função de suas
concepções execráveis e incomportáveis para com os outros, mas a cultivar
relacionamentos com aqueles estados que perfilham trilhas similares, em
particular o estado sionista de Israel e as monarquias árabes que apesar do verniz,
mantêm um carácter feudal e fundamentalista por via dos seus preconceitos
religiosos.
Os vassalos, em nome duma
democracia cosmética, aninham-se como pintos debaixo do corpo quente do
império!
2- Algumas votações na Assembleia
Geral da ONU resultantes de acesos debates, entre outros exemplos, são amostras
comprovativas desse fenómeno contemporâneo!
A Assembleia Geral da ONU tem
sido aliás palco da diplomacia da guerra psicológica do dominador para com os
dominados e raros são aqueles que denunciam “o cheiro a enxofre” que
exalam!
Em relação ao bloqueio contínuo e
sistemático para com Cuba, só Israel e um ou dois microestados mercenários
insulares estão com os Estados Unidos!
O mesmo sinal de ruptura
aconteceu recentemente quando foi discutida a nefasta decisão da transferência
da embaixada dos Estados Unidos para Jerusalém!
Para cúmulo, a linguagem
presidencial estado unidense, não se coíbe e torna-se transparente nas
definições do “the americans first”: há que estancar qualquer tipo de
veleidade de migração proveniente dos “shithole countries” (Salvador,
Haiti, países africanos…), justifica Trump, fazendo uso da mais injustificável
linguagem!
É evidente que em Davos isso não
pesou no encontro com o presidente Paul Kagame, actual presidente duma União
Africana formatada pela hegemonia unipolar, tal o estado de fraqueza do
continente!
O encontro parece preparar África
para a nova onda de “reaganismo” que para alguns mais atentos está em
fase de preparação (Donald Trump será, nesse sentido, um veículo da transição)!
3- Em nada nos surpreende os
meandros artificiosos do império no seu exercício global mais retrógrado e
degradante de hegemonia unipolar, conforme o tão esclarecedor “the americans
first”, próprio da contínua guerra psicológica de que os Estados Unidos não se
podem furtar desde as suas origens e dada a natureza de sua expansão!
O que é surpreendente é que os
alvos, que são uma esmagadora maioria, assumam posições que sendo quantas vezes
parte integrante das cosméticas, estão muito longe de encontrar respostas para
resolver as questões que se prendem aos relacionamentos internacionais na
profundidade da sua fermentação mais ambígua e fraccionante!
No preciso momento em que o
presidente Trump se referiu aos “shithole counstries”, a USNavy (por via
do destroyer USS Ross) e a Marinha de Guerra Real de Marrocos, realizavam
exercícios navais conjuntos ao largo de Agadir, o que passava despercebido à
maioria, africanos incluídos!
Os africanos estavam todos
divertidos, a seguir pelas televisões mais anestesiantes as peripécias das
selecções nacionais de futebol do CHAN, pois diversão e alienação fossem parte
dos mecanismos de que os processos dominantes se servem para injectar o ópio da
persuasão em regime de “soft power”, dando corpo à contínua guerra
psicológica de que desde suas origens fazem “profissão de fé”!…
É evidente que o relacionamento
bilateral entre os Estados Unidos e o Reino de Marrocos, têm muitos pontos de
confluência, por exemplo:
- Marrocos é uma monarquia árabe
que se aproveita da esteira de relacionamentos que os Estados Unidos mantêm com
as monarquias arábicas;
- Marrocos é o país colonizador
do Sahara, tal como os Estados Unidos é em relação a Porto Rico e Israel em
relação ao espaço palestino;
- Marrocos é um inveterado
construtor de muros (com a Argélia e com o Sahara), precisamente numa altura em
que o presidente Trump procura a toda o transe realizar a sua promessa
eleitoral de construir um muro com o México e o sionismo israelita expande
muros em relação a Gaza e à Palestina;
- Marrocos é uma potência média e
intermediária, que explora as riquezas minerais e piscatórias do Sahara ocupado
e colonizado, algo similar aos apetites mantidos pelos Estados Unidos em
relação praticamente a toda a África, em particular no que ao petróleo diz
respeito, mesmo que os africanos (como Angola), defendam os interesses das
multinacionais estado unidenses do petróleo ainda que não existisse
reconhecimento diplomático!
- Marrocos passa submissamente
uma esponja em relação ao facto de, tendo assaltado a Líbia e assassinado
Kadafi, os Estados Unidos e alguns europeus vassalos (Grã-Bretanha, França e
Itália), serem os corresponsáveis não reconhecidos pela espiral de caos e
terrorismo que devassa o Sahel até ao Lago Chade, bem como pelas condições de
migração humana selvagem oriunda de todos os componentes dessa imensa região,
condicionando por completo e desde logo a África do Oeste, como ainda
corresponsáveis para a eclosão de condições na Líbia para o reactivar da
escravatura em pleno século XXI!
4- Que fazem os africanos perante
esse estado de coisas e relativamente aos Estados Unidos?
Por um lado emitem tímidas
declarações contra os pronunciamentos do presidente Trump quaisquer que eles
sejam, inclusive os mais ofensivos à dignidade humana, por outro, assobiam para
o lado em relação à presença militar do Comando África do Pentágono e de
vassalos da NATO como a França, não só em Marrocos como no Sahara, mas também
na transversal do Sahel dum paralelo que vai do Senegal à Somália, continuam
docilmente servis face ao “diktat” do domínio avassalador!
A transição em curso nos Estados
Unidos prepara o poder para um regresso republicano às suas doutrinas mais
retrógradas de que fazem parte “mccartismo” e “reaganomics”, ou
seja uma escalada que fará inveja aos procedimentos da “guerra fria”!
O relacionamento de Marrocos com
os Estados Unidos é, em função do carácter do poder nos dois países,
relativamente ambíguo: se Marrocos é tido como um aliado no combate ao
terrorismo, mas além de retardar a descolonização do Sahara, foi contra a
transferência da embaixada dos Estados Unidos para Jerusalém…enquanto em muitos
aspectos há semelhanças entre as políticas dos poderes instalados, noutros há
um espaço contraditório bastante sensível!
A docilidade, quantas vezes
sinónimo de impotência, acompanha o compasso cínico dos vassalos dos Estados
Unidos no âmbito da“civilização judaico-cristã ocidental”, como se o caos e o
terrorismo não tivessem suas profundas razões causais, tal como os restos de
colonialismo e o neocolonialismo que se vai estendendo por toda a África,
quantas vezes utilizando o rótulo sugestivo da globalização!
5- Que fazem os estados africanos
perante esse estado de coisas e relativamente a Marrocos?
- Colocam num segundo plano,
esvaído e cada vez mais silenciado, a ocupação e a colonização do Sahara e, em
relação aos muros, tudo fica num sepulcro de areias!
- Atraem Marrocos à Unidade
Africana como um parceiro digno, leal e interessado na solução das questões
económicas e financeiras de todo o continente, quando Marrocos se apresta à
inequívoca função duma “correia de transmissão” do domínio das
economias ocidentais, particularmente algumas europeias (Alemanha,
Grã-Bretanha, França e Espanha) para dentro do continente!
- Promovem a luta contra a
corrupção, que é uma questão sociológica transversal com influência no carácter
dos seus próprios poderes, mas são incapazes de fazer sequer uma crítica contra
a corrupção que anima os poderes dos Estados Unidos e do Reino de Marrocos (os
poderosos “lobbies” que engendram o próprio poder, no caso de
Marrocos facilitado pelo simples facto de ser monarquia), muito menos da
atracção ao seu modelo de domínio por parte das elites africanas, que é algo
que marca as causas profundas da própria corrupção em África (o dólar sendo
moeda reitora, serve adequadamente a esse tipo de enredos artificiosos que
chegam a partir do exterior)!
6- Ao não abordar muitas questões
que se prendem com as razões causais dos fenómenos contemporâneos profundamente
injustos, desagregadores e causadores de profundas crises, feridas e fracturas,
enquanto os estados africanos preenchem um papel ultraperiférico na economia
global, são os próprios africanos que se arrastam nas ambiguidades para fazer
face a fenómenos como a expansão do caos e do terrorismo, ou ainda os que
semeiam artificiosas rebeliões assentes em questões étnicas ou religiosas!
Os factores da desertificação do
continente e a redução do espaço vital rico em terras aráveis, florestas com
biodiversidade e água interior, que sob os pontos de vista
físico-geográfico-ambiental estão na profundidade das razões da migração humana
e reflectem também factores de corrupção, raramente são abordadas, o que
diminui a argumentação dos que, como Angola, procuram que o renascimento duma
África em paz encontre caminhos de viabilidade vital!
Face à guerra psicológica de quem
domina, África revela por inteiro sua ambiguidade submissa, sua ignorância e
sua impotência, pelo que quem domina nos termos da hegemonia unipolar recebe
inequívocos sinais para ocupar o imenso espaço vazio, que será traduzido em
ainda mais opressão e submissão, a corrupção maior em relação à qual todos
evitam argumentar!
Martinho Júnior - Luanda, 31 de Janeiro de 2018
Imagens:
Encontro dos presidentes Donald
Trump e Paul Kagame, em Davos – na esteira do que vem detrás;
Encontro do presidente Paul
kagame e do Rei Mohanned VI em Adis Abeba (28ª Reunião da UA);
O USS Ross esteve em recentes
manobras com navios da Marinha real de Marrocos, ao largo de Agadir;
Mapa dos muros de areia entre
Marrocos e a argélia e no Sahara ocupado;
Mapa do muro em construção, entre
os Estados Unidos e o México.
A consultar de Martinho Júnior:
O “arco de crise” em direcção a
África – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/05/o-arco-de-crise-em-direccao-africa.html
O “diktat” da hegemonia – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/06/o-diktat-da-hegemonia.html
Assim se faz a hegemonia – http://paginaglobal.blogspot.pt/2013/07/assim-se-faz-hegemonia.html
Do sonho ao pesadelo – http://paginaglobal.blogspot.com/2013/08/do-sonho-ao-pesadelo.html
Quando os caciques rurais se
impõem – http://paginaglobal.blogspot.pt/2016/11/quando-os-caciques-rurais-se-impoem.html
Barbárie em nome da democracia – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/08/barbarie-em-nome-da-democracia.html
E o pesadelo americano continua – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/12/e-o-pesadelo-americano-continua.html
Hegemonmia unipolar para além dos
limites – http://paginaglobal.blogspot.com/2017/03/hegemonia-unipolar-para-alem-dos-limites.html
Pistas e traumas do longo choque
neoliberal – I – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/07/pistas-e-traumas-do-longo-choque.html
Pistas e traumas do longo choque
neoliberal – II – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/07/pistas-e-traumas-do-longo-choque_29.html
Pistas e traumas do longo choque
neoliberal – III – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/08/pistas-e-traumas-do-longo-choque.html
Recolonizar África, evocando um
plano Marshall com África – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/06/recolonizar-africa-evocando-um-plano.html
Vêm aí mais séculos de solidão – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/06/vem-ai-mais-seculos-de-solidao.html
Os falcões primeiro – http://paginaglobal.blogspot.pt/2018/01/os-falcoes-primeiro.html
A consultar:
Trump racista chama Haiti e
nações africanas de países de merda – http://www.esquerdadiario.com.br/Trump-racista-chama-Haiti-e-nacoes-africanas-de-paises-de-merda
Why Donald Trump Said ‘Shithole
Countries’ – https://www.thenation.com/article/why-donald-trump-said-shithole-countries
África expresa su indignación y
amargura por insultos de Trump – http://www.hispantv.com/noticias/africa/365387/trump-inmigrantes-eeuu-racismo-insulto
El mapa de un mundo
infernal – http://www.cubadebate.cu/opinion/2018/01/12/el-mapa-de-un-mundo-infernal/#boletin20180112
Britain’s Scramble for Africa: The New Colonialism – http://www.counterpunch.org/2016/07/14/britains-scramble-for-africa-the-new-colonialism/
Morocco Officially Admitted
Member of the African Union – https://www.moroccoworldnews.com/2017/01/206990/morocco-officially-admitted-member-of-the-african-union/
O regresso do filho pródigo – https://www.pressreader.com/angola/africa21/20170301/281771334000266
Sahara Ocidental sob ocupação
militar | Marrocos expulsa eurodeputados por medo da verdade – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/10/sahara-ocidental-sob-ocupacao-militar.html
Full Speech of King Mohammed VI
at 28th African Union Summit – https://www.moroccoworldnews.com/2017/01/207060/full-speech-king-mohammed-vi-28th-african-union-summit/
Relações entre Estados Unidos e
Marrocos – https://pt.wikipedia.org/wiki/Rela%C3%A7%C3%B5es_entre_Estados_Unidos_e_Marrocos
USS Ross Conducts Live-Fire
Exercises with the Royal Moroccan Navy – http://www.africom.mil/media-room/article/30288/uss-ross-conducts-live-fire-exercises-with-the-royal-moroccan-navy
Discurso do Presidente da RASD e
SG da Polisario na 41ª Conferência Europeia de Apoio e Solidariedade com o Povo
Saharaui (EUCOCO) –https://porunsaharalibre.org/pt/2016/11/discurso-del-presidente-la-rasd-sg-del-polisario-ante-la-41-conferencia-europea-apoyo-solidaridad-pueblo-saharaui-eucoco/
O muro militar, ou o “muro da
vergonha” – http://aapsocidental.blogspot.com/2011/02/o-muro-militar-ou-o-muro-da-vergonha.html
Trump kisses up to Rwanda’s
Kagame after ‘sh*thole’ comments – http://www.thezimbabwemail.com/world-news/trump-kisses-rwandas-kagame-shthole-comments/
Donald Trump, Rwanda’s Paul
Kagame Meet, Ignore ‘Shithole’ Comments – http://thepearltimes.com/video-donald-trump-rwandas-paul-kagame-meet-ignore-shithole-comments/
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