Mariana Mortágua | Jornal de Notícias
| opinião
Portugal vive em estranha
contradição: ninguém defende a precariedade, pelo contrário, todos dizem querer
combatê-la. E é precisamente pelas boas intenções que se ficam os falsos
consensos. Da liberalização da lei laboral aos falsos estágios, as mudanças nesta
área têm sido arrancadas a ferros.
Apesar das promessas eleitorais
do PS, pouco se avançou no combate à precariedade no setor privado. Houve
alguma recuperação do número de trabalhadores abrangidos pela contratação
coletiva mas, no essencial, o código laboral é o mesmo que sustentava a
política dos baixos salários promovida pela Direita, que o PS tanto critica. As
medidas de penalização do uso excessivo de contratos a prazo, várias vezes
anunciadas, ainda não viram a luz do dia. As empresas de trabalho temporário -
modernas traficantes de mão de obra - continuam a lucrar com a precarização
absoluta.
No setor público, no entanto, foi
possível dar passos concretos em nome da decência. Depois de anos em que Mota
Soares, ex-ministro do CDS, se negou a divulgar o número de precários no
Estado, foi possível fazer esse levantamento e chegar a um acordo para o
Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na
Administração Pública (PREVPAP) - mesmo com o voto contra do PSD e CDS.
Chegaram então os números da
triste realidade de um Estado que, para suprir funções permanentes, há anos que
usa e abusa de dezenas de milhares de precários: contratos a prazo e recibos
verdes, trabalho gratuito de desempregados em programas ocupacionais, recurso a
empresas de outsourcing. Só nas autarquias, um em cada sete trabalhadores é
precário, sempre a assegurar funções permanentes. Dessas 15 758 pessoas, metade
são desempregados com contratos ocupacionais.
No combate à precariedade não há
lutas mais importantes que outras. O Estado deve empenhar--se tanto em proteger
os direitos laborais no privado como em ser um exemplo de boas práticas e não
um manual de selvajaria laboral.
O PREVPAP abriu a possibilidade
de dar um contrato com direitos a milhares de trabalhadores que há anos
sustentam os serviços públicos. A expectativa que criou foi imensa e não pode
ser defraudada.
Além dos atrasos, começam a
surgir queixas de bloqueios ao processo a partir das autarquias (as poucas que
aderiram, ainda) e organismos públicos. Por exemplo, a Universidade de Aveiro
recusa-se a integrar 300 pessoas; a freguesia da Penha de França, em Lisboa,
despediu mais de 20 trabalhadores com dez anos de casa; na Águas de Portugal,
os trabalhadores contratados há anos através de empresas de prestação de
serviços não estão a ser reconhecidos, em contradição com a lei.
O Governo tem de se comprometer
com o sucesso do PREVPAP. Há milhares de pessoas à espera, este não é tempo
para recuos e muito menos para deitar tudo a perder.
* Deputada do BE
1 comentário:
A este respeito, decorre uma petição pública online pela efetiva aplicação da Lei nº 112/2017, de 29 de dezembro.
Dedique-lhe 10 segundos e permite que esta petição tenha a "força" pretendida.
http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT88757
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