Atuação da PGR no caso das
supostas irregularidades na anterior administração da Sonangol é vista como uma
iniciativa encorajadora pelo jurista Albano Pedro, embora lembre que há
igualmente ceticismo.
Em Angola, a PGR abriu um
inquérito contra a anterior administração da Sonangol, liderada por Isabel dos
Santos, filha do ex-Presidente do país, José Eduardo dos Santos. Em causa estão
várias irregularidades na gestão da petrolífera estatal, denunciadas esta
quarta-feira (28.02.) pela atual administração.
Por exemplo, um dos
ex-administradores terá desviado 38 milhões de dólares um dia depois de ter
sido exonerado. E um dos bancos pertencentes a Isabel dos Santos terá sido
usado para o efeito. Outro caso tem a ver com o pagamento de 135 milhões de
dólares a consultores em apenas um ano e meio. O presidente da Sonangol, Carlos
Saturnino, disse que as consultoras eram em número excessivo e que
subalternizavam os trabalhadores angolanos. A DW África falou sobre o caso com
Albano Pedro, jurista angolano.
DW África: A seu ver, o inquérito
é realmente sinónimo de empenho da PGR ou não passa, como se costuma dizer
"de um gesto para o inglês ver"?
Albano Pedro (AP): O
procedimento é legal, agora o problema está na coerência do processo, ou seja,
na possibilidade desse processo avançar, ser desenvolvido e avançar em sede de
tribunal, porque estamos habituados a uma situação em que os crimes públicos e
atos praticados por governantes e pessoas da confiança de governantes, como é o
caso. Trata-se de uma gestora [Isabel dos Santos] que teve a confiança de um
gestor público, estamos habituados a ver esses casos sem avançarem a lado
nenhum. Temos poucos exemplos de casos desses que tiveram sucesso, daí esse
caso levantar ceticismo. De qualquer forma responde a uma iniciativa
encorajadora tendo em conta que ao ser instaurada agora dá um sinal diferente,
um sinal que as palavras do Presidente da República, que é o combate à
corrupção, não estão a ser veiculadas em vão.
DW África: A serem comprovadas as
irregularidades durante o mandato de Isabel dos Santos na Sonangol, um processo
contra ela e a sua equipa seria algo próximo da realidade?
AP: Eu penso que sim, e aqui
havemos de dividir os tipos de responsabilidade: civis e criminais seriam
apuradas enquanto gestores de uma empresa pública e aqueles atos que foram
praticados depois de terem cessado o mandato, porque se fala de uma
transferência de 38 milhões de dólares, operada já numa altura em que não
estava a exercer o mandato. E aqui obviamente aqui o tipo de responsabilidade,
seja criminal ou cível, seria apurada de forma diferente. Portanto, estaríamos
perante atos imputáveis aos gestores da empresa e os atos imputados às pessoas
que exerceram essa gestão. É óbvio que o Ministério Público ao avançar com o
processo terá de olhar para essas duas perpetivas, numa em que serão
responsabilizados como gestores públicos, e aqui estaríamos a exercer
orientações normativas da Lei de Probidade Pública, e não situação em que já não
eram gestores públicos seriam responsabilizados no âmbito do direito penal e
civil comum, como indivíduos que terão cometido crimes de furto, e no caso até
furto qualificado, se se chegar a essa conclusão.
DW África: Os bancos onde Isabel
dos Santos tem participações terão sido os bancos preferenciais da Sonangol.
Neste caso em que há suspeitas de irregularidades, Isabel dos Santos fica numa
situação muito mais complicada...
AP: Penso que a função que
ela assumiu como presidente da Sonangol lhe deu a possibilidade de
estabelecer uma rede com várias empresas, várias instituições em que havia
interesses diretos dela. E uma dessas instituições era o BESA, que era o banco
que entra neste circuito, e não só. Isso significa que as irregularidade que
foram operadas nessas instituições de alguma forma também responsabilizam
Isabel dos Santos, porque acaba sendo no fundo a placa giratória pela qual
todas essas instituições geriram meios financeiros de forma ilícita. Portanto,
isso não conforta a Isabel dos Santos, muito pelo contrário, coloca-lhe numa
situação muito difícil se a PGR e outros interessados avançarem com o processo
a fundo.
DW África: E do ponto de vista
político, que leitura se faz desta ação da PGR se considerarmos as relações
entre o Presidente João Lourenço e o ex-Presidente José Eduardo dos Santos?
AP: Do ponto de vista
político as coisas ainda não estão muito claras. Lançou-se uma campanha de
combate à corrupção, mas se formos honestos o Presidente da República ainda não
avançou com atos vigorosos que demonstrem que efetivamente já se está a
combater a corrupção. Basta ver a lei de branqueamento de capitais que foi
discutida recentemente e aprovada na generalidade. Denuncia uma espécie de
favor para as pessoas que estiverem na condição de detentores de ilícito de
capitais. E portanto, nós não estamos ver uma lei que efetivamente penalize,
não há ai um sinal de rigoroso de que se está a combater a corrupção. E ao se
vir com essa bandeira de se avançar contra Isabel dos Santos, no sentido de se
avançar com um processo contra ela, de facto, vai ser o primeiro grande sinal,
caso venha a funcionar, de que o Presidente está realmente a combater a
corrupção. Quanto à relação com o José Eduardo dos Santos provavelmente aí virá
o sinal de que efetivamente a bandeira da bicefalia que se levanta agora é um
facto, e de que há, de facto, crispações entre a linha de José Eduardo dos
Santos e João Lourenço. Porquanto há outras situações que devíamos ver
investigadas e responsabilizados os devidos autores, como é o caso de Manuel
Vicente em que o Presidente está e esteve do seu lado, ao passo que para a
filha essa situação já não ocorre. Então, o sinal mais evidente é que, de
facto, isso há-de demonstrar que há um clima de crispação entre João Lourenço e
José Eduardo dos Santos.
Nádia Issufo | Deutsche Welle
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