Microsoft. Boeing. Monsanto.
Shell. Diretamente beneficiadas pelas políticas pós-2016, mega-empresas
financiam agência empenhada em sustentar que mudança de regime “foi boa para o
país”
Brian Mier, publicado
originalmente em BrasilWire | em Outras Palavras | Tradução: Rejane
Carolina Hoeveler
Quando Luiz Inácio Lula da Silva
assumiu a Presidência em 2003, um de seus primeiros movimentos foi priorizar o
uso de software livre para os sistemas de informática do governo
federal, tanto para reduzir custos, como para aumentar a competição, criar
empregos e desenvolver o conhecimento e a inteligência do país nessa área.
Embora nunca tenha sido adotada por todos os ministérios, esta política, em
2010, já havia poupado dos contribuintes mais de 500 milhões de reais. Seis semanas após tomar o poder,
em outubro de 2016, enquanto cortava o financiamento para mulheres vítimas de violência doméstica, de R$42 milhões
para R$ 16 milhões, sob o pretexto de que não poderia arcar com este gasto, o
presidente Michel Temer anunciou que o governo gastaria R$140 milhões para realizar a migração dos sistemas de
computação para os produtos da Microsoft.
A Microsoft não é a única
corporação que se beneficiou do golpe de 2016 contra Dilma Rousseff. A Boeing
está prestes a tomar o controle acionário da Embraer, conglomerado aeroespacial
de capital misto, terceiro maior fabricante de aviões do mundo e uma questão
de orgulho nacional para os brasileiros. Após um encontro com
diretores da Monsanto em fevereiro de 2018, a administração Temer anunciou
planos de legalizar o uso do pesticida Glifosato, da Monsanto,
que fora recentemente proibido na Europa. Logo após leiloar oito campos de petróleo offshore para
corporações petroleiras internacionais tais como Chevron e Shell em outubro de
2017, Michel Temer providenciou um decreto presidencial com cerca de R$1 trilhão em abatimento de impostos para
companhias petrolíferas estrangeiras atuantes no Brasil. Microsoft, Monsanto,
Boeing, Chevron e Shell, todas se beneficiaram da mudança de regime no Brasil.
O que mais elas têm em comum? São todas membros
corporativos da Americas Society/Council of the Americas, think
tank que apoia políticas de austeridade e governos de direita na
América Latina desde sua fundação por David Rockefeller nos anos 1960.
A revista da AS-COA, Americas
Quarterly, é dirigida a um público de elite, distribuída em salas VIPs de
aeroportos pelo continente, e dada como bônus aos membros da entidade, cuja
taxa para se tornar membro começa em 10 mil dólares por ano. Sua principal
função, entretanto, parece ser de relações públicas, alimentando reportagens
benéficas para as corporações em mídias por todo o hemisfério, com
comentaristas da AS-COA aparecendo frequentemente na CNN, NBC, Bloomberg, NPR,
em agências de notícias como Reuters e AP, e em jornais por toda a região,
do Clarín argentino ao Los Angeles Times. Links para esses
artigos, aparições na TV e no rádio estão detalhados no site
da AS/COA e facilmente acessíveis para qualquer um que queira
verificar seu viés ou pesquisar seus padrões narrativos. Eu escolhi observar os
padrões narrativos nos feeds de mídia na AS/COA por dois períodos, do
ano passado (de 24 de fevereiro de 2017 a 24 de fevereiro de 2018) e durante os
três meses anteriores à saída de Dilma Rousseff da presidência, em 13 de maio
de 2016.
As prioridades recentes do AS/COA
Entre 24 de fevereiro de 2017 e
24 de fevereiro de 2018, o staff da AS/COA apareceu ou foi citado em
reportagens da mídia de língua inglesa 102 vezes (excluindo aquelas sobre arte,
que estou deixando de fora da análise). Isso inclui 39 sobre Venezuela, 13
sobre o NAFTA e 7 sobre Brasil.
As reportagens sobre a Venezuela,
o país com as maiores reservas de petróleo do mundo, podem ser perfeitamente
classificadas como propaganda pró mudança de regime. Não existe nenhum esforço
em prover uma cobertura equilibrada em qualquer dos artigos aos quais o staff da
AS/COA contribui, com alguma entrevista, por exemplo, com qualquer pessoa da
classe trabalhadora venezuelana, cuja maioria ainda apoia o regime de Maduro. A
linguagem utilizada é similar àquela usada para descrever países como a Líbia
antes das operações militares estadunidenses. A Venezuela é um país em estado
de catástrofe, a democracia colapsou, o país mergulhou em crise
permanente. Conforme Eric Farnsworth, da AS/COA, disse à CNN, “existem
pessoas na Venezuela que estão literalmente passando fome. Isso e algo
apocaliptico. Eu chamaria a Venezuela de Estado falido”. Embora a fome seja um
terrível fenômeno, está presente em todas as nações nas Américas. De acordo com
o World Hunger Education Service, em 2015, 6,3 milhões de
famílias norte-americanas sofreram de níveis extremamente baixos de segurança
alimentar. Mas é altamente improvável que qualquer um na AS/COA venha a citar
essa estatística para chamar os EUA de Estado falido.
As 13 reportagens sobre o NAFTA
são exemplares porque ilustram um objetivo de longo prazo da AS/COA e de seu
fundador e ex-diretor David Rockefeller em fomentar acordos neoliberais de
“livre” comércio. Rockefeller foi influente em criar tanto o NAFTA quanto a
falida ALCA, e a AS/COA sempre esteve entre os maiores entusiastas desses
controversos acordos. Embora os benefícios do NAFTA para a classe trabalhadora não
tenham aparecido, os artigos da AS/COA e seus financiadores corporativos
apoiam a continuidade do NAFTA e estão preocupados que Donald Trump possa estar
arruinando o acordo.
Sete reportagens sobre o Brasil
que apareceram na mídia anglo-saxã no último ano incluem conteúdo da AS/COA.
Duas dessas aparições midiáticas representam uma estratégia continua de tratar
a equipe de juízes da Operação Lava Jato — controversa e partidarizada — como
super-heróis. Começou com uma matéria de capa da revista Americas
Quarterly, apresentando o juiz Sergio Moro como um dos caça fantasmas.
Moro tem sido largamente
criticado tanto nacional quanto internacionalmente por
violar a lei brasileira, quando vazou ilegalmente conversas telefônicas
entre Lula e Dilma Rousseff para a Rede Globo. Ele tem sido criticado por não
investigar ninguém do PSDB, cujos líderes José Serra e Aécio Neves estão envolvidos em uma série de escândalos de
propinas de milhões de dólares e de financiamento ilegal de campanha, enquanto foca a
maior parte de seus esforços naquilo que parece ser uma tentativa de impedir
que o ex-presidente Lula seja candidato nas eleições de 2018, baseado em
acusações sem provas fisicas de que ele seria proprietário de um
apartamento à beira-mar, totalmente baseada em delações premiadas de um
empresário corrupto que modificou sua história inicial para implicar Lula em
troca de redução de sentença.
Moro também foi acusado de
conflito de interesse, pois sua esposa trabalhou como assessora legal do vice-governador
tucano do Paraná, Flavio Arns. Em dezembro de 2017, um advogado da Odebrecht,
Tacla Duran, acusou os juizes da Lava-jato de dirigir uma verdadeira indústria de redução de sentença através do escritório
de advocacia da esposa de Moro. Moro tem sido acusado de pressionar empresários a modificar seus acordos para
implicar Lula e de adulterar os registros financeiros da Odebrecht. Foi
acusado de comportamento sádico após ordenar a prisão do ex-ministro das Finanças Guido
Mantega, durante um sessão de quimioterapia de sua esposa. Foi acusado,
em um artigo compartilhado no site do Exercito
brasileiro, de destruir cinco discos rídigos repletos de evidências físicas de
propinas pagas pela Odebrecht, em um movimento que foi largamente percebido
como feito para proteger os políticos do PSDB. Foi recentemente acusado de
violações éticas quando descobiu-se que ele morava em um apartamento de luxo,
de 256 m², pertencente a ele próprio em Curitiba enquanto recebia
uma bolsa aluguel. Tem sido acusado de assediar seus críticos, como no caso em que ordenou à
polícia fazer uma incursão na casa do jurista Rafael Valim, que organizou um
seminário com o advogado Geoffrey Robertson, da Comissão de Direitos Humanos da
ONU, criticando a Lava-Jato por uso de Lawfare.[i] E, mais importante, tem sido acusado
de sabotar a economia ao paralisar as maiores construtoras em 2015, ao invés de
tratá-las como grandes demais para falir, em um movimento que causou 500 mil demissões imediatas no setor de construção e,
de acordo com um estudo citado pela BBC, uma queda de 2,5% do PIB. Nenhum desses eventos resultou em
questionamento a Sérgio Moro dentro da AS/COA, entretanto. Em um artigo recente
na Foreign Policy, seu
vice-presidente Brian Winter celebrou Moro como o “Teddy Roosevelt do Brasil”.
O candidato derrotado nas
eleições de 2014, Aécio Neves, do PSDB, foi acusado cinco vezes de receber propinas variando entre R$3
milhões e R$50 milhões. Em suma, todas essas acusações são mais sérias do que
do tríplex do Guarujá, quer resultaram em uma sentença de 9 anos e meio de
prisão. Em um de seus últimos movimentos antes de sair do cargo, o
ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, solicitou à Suprema Corte o
cancelamento de todas as acusações contra Neves. A AS/COA ignorou isso em uma
homenagem a Janot, comparando-o a um soldado em luta para construir o
Estado de Direito.
Tanto Janot como Moro escreveram para a Americas Quarterly e
a AS/COA regularmente os convida para palestras em Nova York. Ambos foram
homenageados em um evento da AS/COA em Nova York em 2 de março.
A AS/COA durante o golpe
No livro Merchants of Doubt,
Naomi Oreskes e Erick M. Conway mostram como, por pelo menos 50 anos, think
tanks e fundações patrocinados por corporações trabalharam para confundir
deliberadamente o público na questão da mudança climática, visando enfraquecer
o apoio ao combate à poluição do ar. Uma estratégia comum usada por essas instituições e
seus consortes é desacreditar a ciência, espalhar a confusão e semear a dúvida.
Quando olhamos para a influência da AS/COA na mídia durante o período de três
meses anteriores à saída forçada de Dilma Roussef da presidência, fica claro
que esta foi a tática usada para levar o público norte-americano a duvidar se o
que estava ocorrendo era mesmo um golpe.
Mais do que isso, essa campanha,
levada a cabo pelos feeds da AS/COA para a mídia, na Americas
Quarterly e por seus funcionários no twitter, obteve sucesso em
moldar a narrativa dominante da mídia de língua inglesa sobre o golpe,
reproduzida mesmo por publicações ostensivamente liberais como o The
Guardian, o qual só menciona a palavra golpe entre aspas. De acordo com a narrativa da AS/COA sobre
o impeachment, Dilma Rousseff não foi retirada do poder por causa das
infrações fiscais das quais: 1) ela foi inocentada; 2) é uma prática comum nos ramos municipal, estatal e federal
de governo no Brasil; e 3) foram
legalizadas uma semana depois que ela saiu do posto. De acordo com o
vice-presidente da AS/COA e editor da Americas Quarterly Brian
Winter, que não é um economista, ela foi tirada do cargo por causa de seu
manejo da economia. Soa confuso ouvir alguém simultaneamente argumentar que não
foi um golpe, enquanto afirma que a razão oficial para o impeachment é
inválida? Isto é o objetivo. Durante o período de 3 meses antes de 13 de maio
de 2016, quando Rousseff foi retirada do posto, a AS/COA participou de 29
matérias na mídia de língua inglesa. 14 delas foram sobre Brasil. As três
mensagens centrais nesses artigos foram: 1) Não foi um golpe; 2) as
instituições democráticas brasileiras estão funcionando; e 3) O impeachment foi
uma coisa positiva para o Brasil.
Em 3 de maio de 2016, Brian
Winter enfatizou todos esses três pontos em um debate na Rádio Publica Nacional dos
Estados Unidos (NPR) com três outros comentaristas neoliberais. A
votação do impeachmentainda não tinha acontecido. O arquiteto do impeachment, Eduardo
Cunha, ainda seria preso por receber 1,5 milhões de dólares em propinas e lavagem de
dinheiro. A informação de que um proeminente corretor de ações subornou deputados federais para votar a favor do impeachment ainda
não tinha sido vazada para a mídia. Entretanto, um assertivo e otimista Brian
Winter já estava explicando que não era um golpe. “É um golpe?”, ele disse,
“Não, eu não penso que seja um golpe. É um caso frágil pelo qual fazer um impeachment,
especialmente quando você tem toda essa corrupção acontecendo ao fundo? Isso é
discutível.”
No momento em que o Congresso
brasileiro, em sua maioria enfrentando acusações de corrupção, preparava-se para derrubar a
primeira mulher presidente por uma tecnicalidade que ela não cometeu, Winter
disse que “é na verdade um progresso porque é o produto de um Judiciário independente
e outras instituições como a mídia, como até mesmo o maligno Congresso,
trabalhando mais ou menos como eles devem”.
Bem como em outras aparições
midiáticas durante o decurso do golpe, Winter expressou confiança no “frágil”
processo de impeachment, dizendo que “não está claro exatamente como isso
vai terminar no Brasil. O sucesso não está garantido. Mas conforme encontra-se
agora, parece uma coisa positiva”. Duas semanas antes, ele falou ainda mais
positivamente sobre o impeachment para o Christian Science
Monitor, dizendo que o Brasil estava “à beira de uma mudança
drástica na política”.
Parte do trabalho de confundir o
público implicou sufocar o receio de que o Brasil estivesse à beira de um
retorno a uma ditadura. Enquanto Michel Temer entregava o aparato de segurança
do estado do Rio de Janeiro ao Exército, causando abusos a direitos humanos, primordialmente contra a
população pobre e negra, e enquanto o general Walter Braga Netto dizia que o
Rio é um projeto piloto para o resto do Brasil, um
representante da AS/COA ia para a NPR e
dizia “dentro de todo esse caos e dessas coisas inacreditáveis que aconteceram
no último ano, eu sempre digo às pessoas que uma coisa que definitivamente não
acontecerá no Brasil é um golpe militar”.
Enquanto uma classe rentista de
fantoches dos Estados Unidos vende os recursos naturais e o patrimônio
tecnológico brasileiro para as corporações internacionais, as companhias que
financiam a AS/COA estão forrando seus bolsos. A maioria dessas companhias são
também grandes anunciantes nas maiores companhias de mídia da América. Podemos
confiar nelas para proverem um jornalismo objetivo sobre o Brasil?
Como disse certa vez Noam
Chomsky, “se você abandona a arena política alguém irá ocupá-la. As corporações
não irão pra casa… Elas vão dirigir as coisas”.
______________
[i] Lawfare, termo que pode ser traduzido
literalmente como “guerra jurídica”, é a prática de usar a lei como uma forma
de guerra assimétrica , com o emprego sistemático de manobras jurídico-legais
para derrotar o adversário.
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