Este caso é muito mais relevante
do que isso. Ele levanta a ponta de promiscuidades diversas, que vão da
influência de um clube dentro do sistema judicial até ao benefício da
informação privilegiada obtida, de forma criminosa, por grandes escritórios de advogados
da nossa praça.
Eduardo Dâmaso
| Sábado | opinião
As suspeitas que a operação
"E-Toupeira" levanta são um verdadeiro filão para os debates sobre
justiça que se avizinham. Não, não é no Benfica, corrupção desportiva, etc, que
estou a pensar. Este caso é muito mais relevante do que isso. Ele levanta a
ponta de promiscuidades diversas, que vão da influência de um clube dentro do
sistema judicial até ao benefício da informação privilegiada obtida, de forma
criminosa, por grandes escritórios de advogados da nossa praça que conseguiram,
assim, trabalhar sobre os processos provavelmente ainda antes de nele terem
oficialmente entrado. Pelo meio, o grande escândalo: uma violação criminosa do
segredo de justiça com fins verdadeiramente criminosos – passe a redundância -,
que é o de entravar a acção da justiça, abafar crimes cometidos, por aí adiante.
Se há violação do segredo de
justiça que abala um real bem jurídico – o da realização da justiça – é esta.
Na verdade, o que pensaríamos se não se tratasse de futebol e fossem Ricardo
Salgado, Sócrates ou um grande traficante de droga os suspeitos de dinamitar as
trancas da porta do palácio da justiça e roubar tudo o que está dentro, em seu
benefício e contra os rivais!? Exageros à parte, estamos aqui perante a
metáfora civilizada, sem sangue, dinamite e feridos, do assalto à bomba que
Pablo Escobar fez ao Supremo Tribunal da Colômbia para destruir as provas do
primeiro grande revés que sofreu. Revés que, diga-se, o obrigou, mesmo assim, a
entregar-se à polícia para evitar a extradição para os EUA, embora com o prémio
único de escolher e arranjar com os luxos adequados a prisão para onde foi – a
célebre ‘La Catedral’.
O que está aqui em causa não pode
ser encarado como um mero caso de futebol. Tal como o que disse e fez Bruno de
Carvalho na recente Assembleia Geral ou o poder inabalável que o sistema
montado por Pinto da Costa teve durante décadas no futebol português. Não, os
três grandes estão a transformar o futebol português num activo tóxico e, por
arrasto, estão a contaminar a justiça e a vida política. Não é admissível que
este tipo de vulnerabilidades ocorram no sistema judicial e que deputados
utilizem a Assembleia da República para jantar com os dirigentes do seu clube.
Estão todos a transformar uma grande parte da vida pública num pântano.
Fazem-no, juízes, procuradores ou polícias, de cada vez que aceitam uma
benesse, grande ou pequena, de bilhetes a viagens e empregos, de um clube.
Fazem-no, políticos, gestores e funcionários públicos em geral, de cada vez que
aceitam sentar-se ao lado destes presidentes ou prendinhas para os filhos.
Quando chegamos a este ponto – da
corrupção no coração do sistema judicial –está verdadeiramente em causa o
Estado de Direito Democrático. O funcionário judicial, magistrado, polícia ou
advogado que, em Portugal, vende facilidades a um clube, na Colômbia, no Brasil
ou noutros países atingidos em grande escala por problemas como o tráfico de
droga ou de armas, venderia a vida de leais servidores da justiça e do Estado. Nestas
coisas, quando se começa, nunca se sabe onde acaba. E, cá está, o segredo de
justiça e a sua violação adquirem aqui a dimensão de crime instrumental para a
concretização de crimes de enorme gravidade. Foi assim, também, que foram
dinamitadas investigações, como a de Sócrates no chamado ‘Negócio PT/TVI’, ou
processos como o Freeport, um ou outro que nasceu da Face Oculta, cujas
certidões enviadas de Aveiro para Lisboa chegaram rapidamente ao conhecimento
dos arguidos, ou as próprias escutas da Face Oculta, que na parte final foram
reveladas aos arguidos por altos responsáveis da justiça na época. Apenas
alguns exemplos de um rol imenso que não preocupa os senhores advogados que são
presença habitual nas colunas de opinião e debates televisivos sobre a alegada
violação do segredo de justiça por jornalistas. Aguarda-se, agora, que apareçam
nas televisões a discutir o segredo de justiça que, nos casos de alguns dos
senhores advogados, envolve os respectivos clientes. Ou o senhor
ex-procurador-geral da República, Pinto Monteiro, ou mesmo a dra.Elina Fraga.
Já agora, porque não o dr.Rui Rio? Esta é uma oportunidade importante para nos
esclarecer a todos sobre a real amplitude das suas preocupações sobre o segredo
de justiça e não apenas aquelas que comunicava a Pinto Monteiro nos seus telefonemas.
Estão todos convidados, pela parte que me toca.
Na foto: Assessor jurídico do Benfica, Paulo Gonçalves, constituído arguido.
Na foto: Assessor jurídico do Benfica, Paulo Gonçalves, constituído arguido.
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