quinta-feira, 15 de março de 2018

PORTUGAL | O baile de Cristas


Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião

A ambição da líder do CDS é ter um par que possa estar à altura da lide. No baile de Cristas, faz escola aquela formosa ideia olímpica da dupla de patinadores no gelo em que o homem age em balanço firme para o apogeu da criatividade feminina em rodopio, pirueta no andarilho. O que a Direita portuguesa parece precisar, segundo Cristas, é de outra agilidade. Declara a hora do CDS se fazer poder como partido maioritário no Centro-Direita e, como tal, a ambição é (des)medida pela volatilização do PSD. Meio ano de letargia e um arranque contemporizador de Rui Rio chegam para transportar a líder do CDS para um outro mundo de cobiça eleitoral, ainda que não almeje senão manter a votação nas eleições Europeias para depois disparar subitamente ao furto eleitoral de 15% aos sociais-democratas em sede de Legislativas. Para chegar ao poder como maior partido da Direita, Cristas pretende enfiar o PSD num táxi.

Fosse eu um grande fã de Leni Riefenstahl e teceria louvores à estética nazi. Felizmente que em matéria de civilização ou barbárie, a estética conta muito pouco ou nada. Não é de espantar que a não muito aficionada Assunção Cristas tenha de "pensar muito, muito, muito, muito" para ter pena dos animais que são lidados numa tourada, actividade que olha como "um bailado". Ainda hoje há quem faça fogueiras sem nunca pensar na Inquisição. Queimar os livros de Hemingway ou os traços angulares de Picasso como companhia tauromáquica é um baile de confraria que mesmo os maiores marialvas não podem desdenhar. Mas se o CDS pretende vir a sair de Lisboa, rumando ao íntimo do país, ao encontro do volátil centro político que enfiará o PSD num habitáculo para cinco, prepare-se então para enfrentar o touro pelos cornos: há um lado pouco resolvido no CDS contemporâneo que não impede protofascismos internos e odes aos antigos costumes, como se comprova no Congresso pelos votos em Abel Matos Santos, vice-presidente do partido na capital. A inquestionável qualidade de alguns dos fazedores do programa eleitoral do CDS para 2019 ainda não permite, infelizmente, o liminar saneamento programático de alguns colunistas do "Observador".

Entre a pouco ética polémica sobre Nádia Piazza e a nada razoável condenação de Pedro Passos Coelho a info-proscrito no ISCP, sobra um verdadeiro caso-de-canudo-e-alguidar na arte da mentira política. As ténues ligações de Feliciano Barreiras Duarte, novo secretário-geral do PSD à Universidade de Berkeley, constavam do currículo e relatório profissional da sua tese de mestrado que não versava propriamente sobre turismo ou propaganda. Rui Rio, campeão da ética, desculpa o indesculpável e, mesmo não correndo riscos de se confinar a um táxi, coloca-se a jeito para o baile. Não será a destruir a imagem de seriedade com que se anuncia que poderá vir a dançar como parte maior do par.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

* Músico e jurista

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