Jorge Rocha* | opinião
Se não tivéssemos uma imprensa,
que se dedica ao acessório e esquece o essencial, os portugueses não ficariam
tão espantados com o teor dos contratos estabelecidos pelo Estado com algumas
entidades privadas a quem dá excelentes oportunidades de negócio e ainda lhes
paga os custos. Nesse particular os governos de Cavaco Silva foram verdadeiros
campeões e Passos Coelho só fez figura de amador, porque o setor empresarial do
Estado já se reduzira a uma parca expressão e a troika também não era
propriamente parva para possibilitar negociatas tão escandalosas. Embora como
se constata abaixo, também ocorreram com maior recato!
O que houve de positivo na
histeria alimentada pelas televisões e pelos jornais a respeito da condição
estrutural da Ponte 25 de abril foi o facto de a opinião pública voltar a ser
recordada que, além de propiciar lautos dividendos aos donos da Lusoponte
através das portagens pagas entre as duas margens do Tejo, também se
responsabiliza pelos custos da manutenção. É caso para dizer que a Lusoponte
fica com o filet mignon e os contribuintes lusos ainda pagam para
desosssar e remover para o lixo o que sobra no prato.
Que a estória vem de longe
lembra-o Francisco Louçã na sua crónica de sábado transato, quando recorda
como, em 1992, Champalimaud comprou o Banco Pinto & Sotto Mayor com recurso
a um cheque careca. Na época, nem o vigarista em causa, nem Cavaco Silva, que era
primeiro-ministro desde 1985, foram incomodados pelo Ministério Público sobre o
escândalo de que eram protagonistas. E assim se compreende como Leonor Beleza,
uma das principais cavaquettes, acabou por se tornar na presidente da Fundação
lançada com os dinheiros do suposto filantropo, mas afinal resultantes do
esbulho cometido às finanças públicas.
O artigo de Louçã é bastante
elucidativo, e até deveria ser de leitura obrigatória para essa mesma opinião
pública distraída com trivialidades para nunca chegar a entender o logro em que
vai caindo. Porque denuncia-se nele a forma como os CTT - aqui sim um crime
efetivamente cometido por Passos Coelho - está a ser descapitalizado para os
seus acionistas encherem os bolsos antes de a empresa ser retomada, já falida,
pelo Estado, então incumbido de a sanear financeiramente. Tendo dado 27 milhões
de euros de lucros no ano passado, a sua Administração decidiu atribuir mais do
dobro aos tais «investidores», que continuam a provar a «excelência da gestão
privada» à conta da eliminação das reservas e do património remanescente.
E os exemplos vão-se repetindo: a
Fosun comprou a Fidelidade com os dinheiros desta empresa seguradora, também
logo aplicados noutros negócios internacionais sem qualquer relação com os seus
interesses ou atividades. E o mesmo se vai passando com a TVI, que a Altice
deseja comprar para logo a pôr no mercado, auferindo mais-valias que
fundamentem a continuação do seu endividamento junto de entidades bancárias,
que já começam a fazer contas à vida quanto ao buraco com que lidarão, quando o
grupo de Patrick Drahi der o estoiro por muitos previsto como estando para
breve.
O capitalismo selvagem, feito de
trapaças tão notórias, continua a mostrar a sua vitalidade. Até quando?
Sem comentários:
Enviar um comentário