António Freitas de Sousa*
Maioria dos países produtores de
petróleo não são um bom exemplo de economias e de sociedades saudáveis. A
Noruega é o contrário dessa maioria. Mas, apesar de toda a riqueza, está já a
preparar outro futuro.
A abundância de petróleo e gás
natural pode tornar-se numa maldição nacional se a riqueza daí gerada não for
usada corretamente. Os exemplos planetários são variados: entre países onde
essa riqueza deu lugar a uma espécie de preguiça endémica e outros onde a
corrupção passou a imperar, passando por aqueles onde as rendas são
tremendamente mal distribuídas, há de tudo.
De tal maneira é assim, que o
jargão económico chegou mesmo a produzir um termo para o caraterizar: o
síndrome holandês – criado nos anos 60 do século passado depois de a indústria
daquele país ter sofrido um duro golpe após a descoberta de grandes reservas de
gás natural perto do Mar do Norte.
Na Holanda dessa altura, os
recursos da economia foram-se focando cada vez mais num único setor, ao mesmo
tempo que a forte procura pelos florins holandeses (para comprar o gás)
apreciou fortemente a moeda, prejudicando o resto dos setores do país, que enfrentou
enormes dificuldades em exportar.
Um pouco mais a norte, a Noruega,
um país com apenas cerca de cinco milhões de habitantes, era outro candidato ao
sucumbir ao síndrome – mas não foi nada disso que sucedeu. Desde logo porque os
seus sucessivos responsáveis políticos (ao longo de cinco décadas) souberam a
tempo, e desde o início, criar barreiras a que isso sucedesse.
Após quase 50 anos de produção,
os economistas do banco central norueguês produziram um documento, citado pela
revista “El Economista”, em que provam, que o síndrome holandês não penetrou as
sólidas fronteiras sociais e económicas do país.
Segundo o documento, da
responsabilidade dos economistas Hilde Bjornland, Leif Anders Thorsrud e Ragnar
Torvik, a descoberta do petróleo aumentou a produtividade de toda a economia
nórdica como um todo.
O “valor agregado por trabalhador
na economia aumentou com o boom do petróleo, uma vez que existe uma
aprendizagem prática nas indústrias de serviços ligadas ao petróleo que se
estende a outras indústrias”, refere o estudo.
De acordo com o documento, o
mesmo pode observar-se, aliás, com o boom de produção do chamado
petróleo de xisto por parte dos Estados Unidos, que rapidamente transformou o
país num largo produtor e exportador de petróleo e gás.
Na Noruega, a riqueza obtida pelo
petróleo serviu para transformar este setor num dos mais competitivos do mundo.
Ao mesmo tempo, o resto da economia baseou-se nessa riqueza para investir e
melhorar a produtividade. A Noruega exporta muito petróleo, mas também exporta
máquinas relacionadas com esse setor e outros tipos de tecnologia de alto valor
acrescentado que conseguiram segurar a força histórica da moeda norueguesa.
Embora a Noruega tivesse
precisado de grandes doses de investimento com o recurso a empréstimos
estrangeiros para iniciar a grande indústria do petróleo no final da década de
1960, transformou grandes áreas de sua indústria e tornou-se num fornecedor global
de tecnologia para a indústria do petróleo e o gás, substituindo setores menos
produtivos.
Por outro lado, o país criou –
para proteger e diversificar o futuro comum de todos os seus cerca de cinco
milhões de habitantes – um fundo de investimento soberano para onde é
canalizada uma grande parte do dinheiro proveniente da venda do petróleo, que
já totaliza cerca de 900 mil milhões de euros, quase cinco vezes o PIB
português.
O fundo serve, entre outras
coisas, para garantir os benefícios sociais das gerações futuras e de almofada
para tempos difíceis. O governo recorreu ao fundo pela primeira vez em 2016,
quando o país foi afetado pela queda no preço do petróleo, mas apenas usou os
lucros e nunca o capital. É que o fundo gera lucros substanciais – sendo certo
que os seus administradores apenas os aplicam em empresas, quando é caso disso,
acima de qualquer suspeita, seja de crimes ambientais, fugas aos fiscos,
branqueamentos de capitais e por aí adiante. Um exemplo, portanto, que outros
países, como Angola, não conseguiram replicar.
A primeira-ministra da Noruega,
Erna Solberg, do Partido Conservador, fez da redução da dependência da Noruega
em relação ao petróleo um dos seus principais objetivos políticos – o que fez
com que o país aposte agora nas energias renováveis. Paralelamente, o banco
central está a produzir um estudo sobre que impacto terá na economia o fim da
produção de petróleo.
Um exemplo de boas práticas,
portanto, a que bem se poderia chamar síndrome norueguês, e que desgraçadamente
afeta muito poucas economias.
*Jornal Económico, 22 fev 2018
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