Manuel Carvalho da Silva* | Jornal
de Notícias | opinião
Desde os anos oitenta do século
passado, a direita neoliberal e setores do centro-esquerda colonizados pelas
ideias desta mesma direita foram bastante bem sucedidos na tarefa de
"quebrar a espinha aos sindicatos". O neoliberalismo tem os sindicatos
como inimigos porque, na diversidade das suas correntes, eles têm sido:
componente importante da democracia; denunciantes de algumas das piores
aberrações do capitalismo; impulsionadores determinantes do reformismo
progressista; excecionais atores da transformação social.
Ao longo dos seus quase dois
séculos de existência - os sindicatos são um movimento social com
características específicas, mas o mais antigo de todos -, têm atravessado
crises, por vezes profundas, gerido mudanças nem sempre em condições de liderança,
mas com extraordinárias capacidades de resistência. A enorme ofensiva
neoliberal de hoje está a provocar-lhes grandes danos e, associada a impactos
decorrentes das mudanças tecnológicas e societais em curso, colocam-se-lhes
enormes desafios orgânicos, reacerto de agendas e alterações de práticas. Mas
creio que não os derrotará.
Hábeis na retórica da
inconsistência, os promotores da cartilha neoliberal distribuíram trabalho
entre si. A uns coube combater os sindicatos por estes serem "instrumento
ao serviço da defesa de privilegiados", apresentando-os como cúmplices da
precariedade e das más condições em que se encontra a maioria dos jovens.
Outros procuraram provar o seu envelhecimento irrecuperável e o seu elevado
custo. Outros ainda, dizendo amá-los muito, afadigaram-se a criar mais e mais
sindicatos, desde que moldados "aos novos tempos". Em todas as
frentes colheram frutos. Ao mesmo tempo que muita gente se afastava dos
sindicatos por repulsa relativamente à imagem que deles era projetada, o sindicalismo
fragmentava-se, sob a capa do "pluralismo", numa miríade de
organizações, muitas delas desprovidas de representatividade, mas mesmo assim
dotadas de prerrogativa de negociação e celebração de contratos coletivos, o
que facilitou imenso o ataque à negociação coletiva. A inconsistência retórica
do neoliberalismo é só aparente. Para a "engenharia" neoliberal, a
inexistência de sindicatos ou a existência de muitos - o ideal seria mesmo um
por cada trabalhador - é absolutamente indiferente. O importante é anular a
possibilidade de ação coletiva por parte dos trabalhadores, quer no plano
reivindicativo, quer no plano político, isto é, no do aprofundamento das
transformações democráticas da sociedade.
Entretanto, apesar de três
décadas de resistência e recuo, o sindicalismo sobrevive, como já havia
sobrevivido em outras fases históricas complexas. Estão a realizar-se
importantes lutas laborais, em Portugal e noutros países, como a Alemanha, a
França, a Bélgica. Isto mostra que alguma coisa está a mudar. Há possivelmente
uma geração que viveu à margem dos sindicatos e os está a redescobrir.
Experimentadas as consequências do cada um por si nos mercados, deve haver
muitos trabalhadores que nas suas ruminações solitárias são levados a pensar
que não será má ideia encontrarem-se com outros na mesma situação e com eles
fazer alguma coisa de interesse comum contra a precariedade, a desvalorização
do salário e das condições de trabalho. Os sindicatos são redescobertos como
importante arma contra o medo, função que tiveram desde a sua origem.
Por razões objetivas, as tensões
surgem fortes em três grandes setores de atividade: nos transportes, setor que
se ampliou e diversificou face à inovação e crescimento dos meios que utiliza e
ao aumento da necessidade de mais mobilidades; nos novos serviços em
crescimento, até porque grande parte deles são prolongamentos da indústria; na
Administração Pública, porque existem condições para as pessoas exigirem mais e
melhores direitos fundamentais, porque o Estado tem papel primordial no combate
às desigualdades e na distribuição da riqueza, porque o Estado tem de agir
contra o autoritarismo.
Mas, haverá limites para a
organização e as práticas das plataformas de trabalho e das grandes empresas?
Sim. Existem e existirão os estados e as organizações supranacionais e, acima
de tudo, a Lei, a Moral e a Ética são e terão de ser fronteiras.
*Investigador e professor
universitário
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