A Polícia Nacional (do MPLA) da
Lunda Norte decidiu empreender uma verdadeira “caça ao homem”, com “ordem para
matar”, no dia 15 de Maio, na localidade do Lukapa, sector Kalonda, mais
concretamente no topo sul do Bairro Tchindja, uma zona de extracção manual de
diamantes a céu aberto.
Na incursão os agentes não
abordaram nenhum garimpeiro, limitaram-se em irromper acampamento adentro em
posição de combate, disparando indiscriminadamente contra tudo que se
movimentava.
Foram momentos de autêntico
terror, culminando com a morte de um garimpeiro que estava a repousar numa
tenda, por se encontrar doente e quando abordado, apenas apelou aos agentes
para que não levassem a sua motobomba.
Em resposta os diligentes
assassinos, que se denominam, também, agentes da Polícia Nacional, em
atendimento ao pedido responderam com uma chuva de balas, cravando o corpo do
indefeso cidadão, natural de Saurimo que em vida se chamava Henrique Domingos.
Em reacção, as populações
sublevaram-se, contra mais um acto bárbaro e cruel, que se juntam a tantos
outros, numa clara demonstração que nada mudou nos métodos discriminatórios do
regime, pese a transição na cadeira presidencial, exigindo que levassem o
corpo, uma vez lhe terem, cobardemente, tirado a vida.
“Ninguém sabe como pode uma
polícia matar um cidadão doente, acamado e inofensivo, que não inspira cuidados
de defesa. São uns assassinos esses senhores e o povo tem de despertar, para
tudo fazer, no sentido de os tirar do poder, pois a continuarem nada vai
mudar”, disse Jonas Tchilinde.
F8 tentou comunicar o comando
provincial da Lunda Norte, mas ninguém se mostrou disponível, chegando mesmo a
alegar que o porta-voz se encontrava fora da província.
Mais do que qualquer outra
província, a Lunda Norte é o feudo dos feudos do MPLA/Estado. Funciona como uma
quinta privada do regime onde os escravos ainda são mais escravos.
É uma província tão rica
(diamantes) que o regime a isolou e quase a fez desaparecer do mapa. A única
lei vigente é a da violência imposta por quem manda. E já nem vale a pena pedir
a intervenção do governo/Presidente, porque é esse mesmo governo que quer que a
situação assim permaneça.
Dia 24 de Fevereiro de 2018. Um
morto e mais de 100 detidos em manifestação nas Lundas era o balanço provisório
do Movimento do Protectorado Lunda-Tchokwe feito nesse dia em que convocou uma
manifestação para defesa da autonomia da região diamantífera.
Segundo a organização, as
detenções começaram antes do protesto, durante a madrugada, na localidade do
Cuango, na Lunda-Sul, até chegarem aos locais indicados para o início da
manifestação, enquanto os manifestantes se concentravam.
“No Cuango e em Capenda-Camulemba
[Lunda Sul], muitos foram apanhados dentro das suas próprias casas. Em Cafunfu
[Lunda Norte], na sua maioria, foram detidos na manifestação” explicou na
altura o líder da organização, José Mateus Zecamutchima, referindo ainda “8
pessoas feridas, entre as quais duas em estado grave, por terem sido atingidas
com balas de fogo”.
Segundo o presidente do
Movimento, as forças de segurança abriram fogo contra cerca de 4 mil
manifestantes em Cafunfo. Os oito feridos foram levados para a única esquadra
policial da localidade, sem receber assistência médica. Um dos feridos graves,
Estêvão Aroma, de 25 anos, baleado na cabeça, morreu nessa esquadra.
Um outro detido, André Zende, viu
a sua casa totalmente destruída pela Polícia de Intervenção Rápida (PIR) após
ser detido na sua residência. “Outro cidadão que está num estado lastimável é
Cândido Mwanhende”, diz o presidente do Movimento, que acusa a polícia de
torturar o manifestante.
Durante o dia continuou a “caça
ao homem” contra todos aqueles que se identificam com o Movimento do
Protectorado, numa operação coordenada entre a Polícia Nacional da Ordem
Pública, a Polícia de Intervenção Rápida e as Forças Armadas. Houve relatos de
raptos desencadeados por homens trajados à civil que se supõe pertencerem aos
Serviços de Inteligência do Estado (SIE).
O presidente do Movimento do
Protectorado Lunda Tchokwe afirma ainda que a repressão contra o protesto do
“povo Lunda” é um sinal de que o Governo do Presidente João Lourenço não está
preparado para governar, apesar dos seus discursos sobre dialogar e saber ouvir
as críticas: “O MPLA tem uma estrutura hipócrita e hoje só tivemos mais uma vez
prova que Lourenço é uma das caras da mesma moeda”.
“Escrevemos à Presidência da
República, ao ministro do Interior e aos governos locais com 45 dias de
antecedência, mas como o MPLA é um partido comunista e contrário às leis e à
Constituição que ele próprio aprovou, mais uma vez estamos a ser reprimidos e
humilhados, por tentarmos usar um direito Constitucional e defendermos a nossa
própria terra e o direito de autodeterminação”, acusa o presidente do Movimento
do Protectorado.
A organização reivindica há
vários anos a autonomia da região, que compreende as províncias de Kuando
Kubango, Moxico, Lundas-Norte e Sul, alegando “que a região rica em diamante e
madeira não faz parte de Angola”, baseando-se num tratado assinado em 1887
entre as autoridades coloniais portuguesas e reinado de Mwatiãnvua [o imperador
da região na época], sendo que as Lundas foram anexadas oficialmente ao
território angolano a partir de 1920.
Crianças, mulheres e idosos não
foram poupados na “acção musculada” das forças de segurança, diz o Movimento do
Protectorado.
Nas várias cadeias onde se
encontram espalhados os manifestantes detidos, muitos foram submetidos a
tortura.
“É arrepiante como nós, enquanto
órgão vocacionado para protecção da segurança dos cidadãos, estamos a agir como
se fôssemos terroristas ou uma organização criminosa”, disse um agente da PIR
que pede para não ser identificado. “É mesmo muito doloroso ver como as pessoas
estão a ser batidas, mesmo a sangrar, e os nossos chefes [comandantes] têm o
prazer de ver e incentivar tudo isso. Vou abandonar a corporação por essas
práticas”, referiu o agente.
Entretanto, José Mateus
Zecamutchima disse que iria colocar o assunto junto de instâncias
internacionais devido às violações graves dos direitos humanos desencadeados
pelo Estado angolano, que é membro do Conselho de Direitos Humanos das Nações
Unidas.
“Sempre apelámos ao diálogo. A
nossa luta foi sempre pacífica. Mas o Governo sempre usou sempre a força da
arma e outros meios violentos contra o ‘povo da Lunda’. Depois disso, não nos
resta outra saída senão apresentar uma denúncia junto das Nações Unidas e da
União Europeia, assim como junto na Organização da União Africana”, garante.
Folha 8 | Foto: Arquivo
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