Paula Ferreira | Jornal de Notícias
| opinião
Foi preciso um grupo de bárbaros
agredir os jogadores do Sporting, no interior da Academia de Alcochete, para
centrar a atenção na pobreza do mundo da bola em Portugal. Não bastava o
discurso de ódio que os representantes dos clubes destilam no espaço público;
não chegava a perceção de que o futebol, enfim, não é bem o que se passa dentro
das quatro linhas. Não chegava vislumbrar o perigo que muitos jogos constituem
para quem ainda acredita poder assistir, em família, a uma festa do desporto.
Parecia imagem pouco forte ver os
jogos de futebol serem preparados como uma batalha, com muitos efetivos
policiais plantados, de escudo, viseira e bastão, como se os estádios não
fossem lugar onde se pratica desporto. Mas um território de violência, onde os
espectadores são revistados à entrada, porque alguns podem levar armas,
explosivos, no propósito de atacar o outro.
Ano após ano, as autoridades vão
tolerando, não raro branqueando, as indecências das claques. O rasto de
destruição atrás de si, em viagens escoltadas por batalhões policiais, os
insultos, a falta de respeito pelo adversário. Como se o futebol fosse um mundo
à parte, e os adeptos e dirigentes uma casta intocável, diferente de nós,
tocada por uma irracionalidade que dizem ser paixão - "paixão clubística".
Não há, pois, motivo de espanto
perante a vergonha que o país sentiu ao conhecer os relatos do assalto à
Academia de Alcochete, e o presidente da República deu rosto. "Tive o
sentimento de alguém que se sente vexado pela imagem projetada por Portugal no
Mundo. Vexado porque Portugal é uma potência, nomeadamente no futebol
profissional, e vexado pela gravidade do que aconteceu". Sem dúvida, uma
vergonha, independentemente do impacto na imagem internacional, a poucos dias
do início do Mundial da Rússia. Vergonha, antes de tudo, pelo que se está a
passar cá dentro.
Como de costume, as medidas
chegaram de forma reativa e devagar. Após a patética conferência de imprensa
conjunta dos secretários de Estado do Desporto e da Administração Interna, que
nada acrescentou, foram as palavras do presidente da República, Marcelo Rebelo
de Sousa, de repúdio pela banalização do crime, a imprimir urgência de atuar. E
a resposta aí está. O primeiro-ministro, António Costa, anuncia a criação da
Autoridade Nacional para a Violência no Desporto. Veremos se a tempo de apagar
as chamas ateadas no mundo do futebol, alimentadas por um culto quase fascista
a alguns dos presidentes dos clubes.
* Editora executica adjunta
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