Surpresa, surpresa: o primeiro
orçamento do presidente francês Emmanuel Macron reduz impostos sobre riqueza e
encolhe investimento social.
Qualquer um que tinha dúvidas se
o apelido “presidente dos ricos” se encaixava para o presidente Emmanuel Macron
pode tranquilamente ter certeza nesse mês, após a publicação do primeiro
orçamento elaborado pela equipe do presidente após sua posse.
Na última semana a Assembléia
Nacional, dominada pelo partido de Macron, o Em Marcha!, aprovou um pacote de
reformas majoritariamente planejado a favor das elites. O corte de 7 bilhões de
euros em impostos incluiu a redução do imposto francês sobre a riqueza- um incômodo
de longa data para a direita do país- em 70%, e e submetendo o imposto
sobre ganhos de capital a uma nova taxa fixa de 30%.
O ministério da Economia e
Finanças reteve suas pesquisas sobre o impacto das reformas antes da votação na
Assembléia. Mas, na quinta-feira da semana passada, eles haviam caído na posse
do presidente socialista da Comissão de Finanças do Senado e foram divulgadas.
Sob as reformas de ganhos de capital, os cem contribuintes mais ricos da França
ganharão um adicional de 582 mil euros por ano em média. Cada um dos mil
maiores receberá um modestos 172 mil. O resto do país, por outro lado, pode
esperar pouco ou nada. Quarenta e quatro por cento dos benefícios totais
fluirão para o 1% mais ricos.
Enquanto o ministério afirmou que
não poderia calcular precisamente os efeitos financeiros de cortar o imposto
sobre a riqueza, a estimativa da Comissão Financeira do Senado colocou os
ganhos para os cem maiores contribuintes do país em uma média de 1 milhão de
euros. Essas são pessoas com sobrenomes como Peugeot e Rothschild; chefes de
gigantes das telecomunicações, fabricantes de armas e marcas de luxo.
Mas os cortes de impostos foram
apenas o início de um orçamento que faz parte dos amplos planos de Macron para
liberalizar a economia francesa e, em suas próprias palavras, “celebrar aqueles
que obtêm sucesso”. Após a aprovação de reformas trabalhistas favoráveis aos
negócios e a introdução de planos para conter os subsídios de desemprego neste
outono, próximos a debate nesta semana, são cerca de 11,6 bilhões de
euros em cortes de gastos destinados a acabar com a rede de segurança social do
país.
O duplo padrão é gritante. Assim
como o governo se prepara para desembolsar milhões dos cofres do Estado para os
ultra-ricos, ele diz à população em geral que deve restringir os gastos
públicos. Seu orçamento incluirá medidas como um corte de 1,7 bilhão de euros
na ajuda habitacional, bem como a eliminação de 120 mil contratos de trabalho
de curto prazo financiados pelo Estado. Os votos sobre essas medidas estão
programados para as próximas semanas, com a Assembléia encerrando seu trabalho
no final de novembro.
Os parlamentares começarão
atacando o orçamento da Seguridade Social. Aqui, também, os mais ricos vão
ganhar. Os deputados de En Marche propuseram a redução dos impostos
previdenciários dos empregadores de 30% para 20% em relação às bonificações
oferecidas aos empregados. Isso pode parecer uma medida arcana, mas tem valor
simbólico. A reforma passou anteriormente em 2015, defendida pelo então ministro
Macron. Os legisladores o revogaram no ano seguinte, após um clamor público
sobre a crescente remuneração dos CEOs vinculados às opções de ações. Para a
maioria parlamentar de Macron, preocupações como essas parecem ser notícias
antigas.
Pesquisas de opinião sugerem o
contrário. A popularidade de Macron já caiu abaixo do seu sucessor
historicamente impopular, François Hollande, durante o mesmo período de sua
presidência. Uma pesquisa da Odoxa divulgada depois que as medidas
orçamentárias descobriram que 88% dos franceses achavam que beneficiariam os
mais ricos. Enquanto isso, o índice de aprovação da Macron com o instituto de
pesquisas Ifop continuou a cair em outubro, deslizando mais três pontos, para
42%.
A aprovação do presidente entre
os banqueiros de investimento parece muito maior e mais estável. Na noite após
a Assembléia Nacional aprovar seus cortes de impostos, Macron jantou com
executivos de vinte e um dos principais fundos do mundo no jardim de inverno do
Palácio Elysée. Eles saíram satisfeitos. “A sessão de ontem foi benéfica para
os investidores presentes”, disse um porta-voz da Blackrock, que administra
cerca de 5,5 trilhões de euros, “e reforçou a visão de que as oportunidades na
França são as mais fortes em duas décadas”.
Enquanto isso, a oposição
política significativa permanece alarmantemente limitada. En Marche está no
controle firme da Assembléia Nacional. A oposição republicana de direita pode
argumentar sobre pequenos detalhes, mas apóia amplamente as reformas
orçamentárias. A Frente Nacional, de extrema-direita, e o Partido Socialista de
centro-esquerda, ambos sofrendo com as turbulências internas, formalmente se
opuseram aos cortes de impostos – mas causaram pouco impacto. Como é o caso da
maioria das questões parlamentares, a crítica mais contundente e sustentada do
orçamento veio do agrupamento esquerdista France Insoumise, liderado por
Jean-Luc Mélenchon.
Mas a esquerda não conseguiu
aumentar a oposição popular em massa às medidas de Macron e a rua permanece
quieta. As manifestações apoiadas pela União contra a reforma da lei
trabalhista atraíram centenas de milhares de manifestantes, mas não conseguiram
causar muito impacto. E apesar de uma greve de um dia no setor público e de uma
marcada presença da France Insoumise em Paris, no final de setembro, um
movimento social mais unificado ainda está por surgir.
Ainda assim, opositores de
esquerda do governo podem ter motivos para otimismo. Em 16 de novembro, os
sindicatos pedem mais uma rodada de protestos em todo o país. Ao contrário dos
três dias anteriores de manifestações contra a reforma da lei trabalhista, o
próximo protesto conta com o apoio da Force Ouvrière, a terceira maior
confederação trabalhista da França, e pretende se opor à política econômica de
Macron em geral.
De qualquer forma, as reformas de
Macron continuam a atrair uma profunda e sustentada falta de popularidade ao
longo de seu mandato de cinco anos. Até agora, a força de En Marche no
parlamento e a natureza dividida de sua oposição protegem o executivo de um
significativo retrocesso.
Por Cole Stangler, Jornalista,
vive em Paris e escreve sobre trabalho e política
Tradução por Alessandra
Monterastelli (PV) | Fonte: Jacobin
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