Pedro Tadeu | Diário de Notícias
| opinião
Quando o primeiro-ministro
António Costa decide ir cortar uma fita, para publicitar o início das obras de
melhoria do IP3, não está a fazer nada de original na história da
governação deste país: afinal não há fontanário, estatueta ou passeio público,
construídos dentro destes 92.212 quilómetros quadrados de terreno a que
chamamos Portugal, que não tenham merecido cerimoniais inaugurativos com a
presença das mais altas e prestigiadas individualidades. É uma tradição.
Quando o primeiro-ministro
António Costa fica a saber por um dos autarcas presentes no evento, o
presidente da Câmara Municipal de Viseu e social-democrata Almeida Henriques,
que aquela era já a quarta vez que se fazia uma cerimónia a anunciar o
início das obras de melhoria do IP3, não está a ser confrontado com algo de
anormal: de certeza que, daqui até ao final de 2022, quando as obras ficarem
concluídas, vários grupos de governantes, de hoje e de amanhã, regressarão a
essa estrada para cortar outras fitas a um ritmo de, pelo menos, uma dúzia de
cada um dos 75 quilómetros de intervenção - e assim tratarão de glorificar para
a lente de TV mais próxima a sua proverbial sabedoria na gestão dos bens
públicos. Sempre foi assim. É uma tradição.
Quando o primeiro-ministro
António Costa garante que os 134 milhões de euros para pagar este arranjo,
essencial, são um investimento que serve para o Estado "salvar vidas"
ao "assegurar a segurança rodoviária" numa parte da longa tira de
alcatrão que leva as pessoas da Figueira da Foz, na costa atlântica, até Vila
Verde da Raia, na fronteira com Espanha, não está a ser original: são
incontáveis, na história desta nação, os casos de governantes capazes de cobrar
à opinião pública medidas capazes de poupar portugueses a um confronto
inesperado com a morte. Esta ocasião até nem era das mais disparatadas para o
fazer, dado o trágico registo de acidentes dos troços em causa. Os políticos
não perdem uma ocasião para mostrarem que se preocupam connosco, é uma tradição.
Quando o primeiro-ministro
António Costa afirma que a decisão de avançar com este investimento implica
"que estamos, simultaneamente, a decidir não fazer outra obra", para
acrescentar que "quando estamos a decidir fazer esta obra, estamos a
decidir não fazer evoluções nas carreiras ou vencimentos" está a seguir
uma velha tendência do breviário político luso, capaz de misturar alhos com
bugalhos para obter, nas audiências, um efeito sonante. É uma tradição.
Acontece, porém, que a discursata
do líder do executivo liga diretamente os 134 milhões de euros a gastar pelo
Estado numa via rodoviária com a limitação da despesa com funcionários
públicos. Esta comparação legitima todas as outras comparações equivalentes
anteriormente feitas por sindicatos, grevistas, militantes da oposição,
dirigentes partidários, adversários, colunistas de cadastro diverso, tantas
vezes apelidados pelos governantes de "populistas",
"demagógicas", "irresponsáveis" ou, pretensiosamente,
"tecnicamente erradas".
Gostaria, portanto, de perguntar
ao primeiro-ministro, depois de colocar nos dois pratos da balança a reparação
de uma pequena parte dos 279 quilómetros totais do percurso do IP3,
precisamente a zona que não é autoestrada (e continuará a não ser) e, no outro
prato da balança, os aumentos salariais reivindicados por cenetans de milhares
de trabalhadores, o que acha se nessa balança colocássemos outros ingredientes?
Dou só três exemplos:
1 - O custo anual de 400 a 600 milhões de euros com a contagem total de tempo de
carreira dos professores num prato e, no outro prato, o gasto de 768 milhões de euros, no último ano, mais mil milhões
de euros a gastar pelo Estado este ano (e não se sabe o que se segue daí para a
frente) com bancos falidos.
2 - O perda pelo Estado de 700 milhões de euros na arbitragem de conflitos com a
Parcerias Público-Privadas num lado com a recusa ou adiamento das obras que
tornem decente o hospital pediátrico de São João no outro lado dessa
balança.
3 - O aumento da dívida do Estado
que, ao contrário das promessas, subiu para um recorde de 250,3 mil milhões de euros comparado com a falta de equipamentos
de proteção e combate aos fogos florestais também anteriormente prometidos a bombeiros e militares.
É demagógico fazer estas
comparações? Talvez, mas estão ao mesmo nível das comparações que o
primeiro-ministro fez ao cortar as fitas das obras do Itinerário Principal 3.
António Costa, no entanto, tem
razão numa coisa: governar um orçamento do Estado é fazer escolhas, é decidir
onde se pode ou não gastar o dinheiro dos contribuintes.
Infelizmente, pelo que tem dito e
feito nos últimos tempos, António Costa optou pela banalidade e faz o mesmo
tipo de escolhas de outros senhores de outros tempos, que consumiram imensos
recursos do Estado numa visão desfocada do bem comum. Vi isso nos tempos de
Sócrates. Vi isso nos tempos da troika. Vi isso nos tempos de Vítor Gaspar. Vi
isso nos tempos de Maria de Lurdes Albuquerque. Vi isso nos tempos de Pedro
Passos Coelho. Oiço agora isso das bocas de Mário Centeno e de António Costa. É
uma tradição.
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