segunda-feira, 23 de julho de 2018

Demência em massa no establishment ocidental


– Donald Trump terá sido eleito pela Rússia? 

– Reacção dos media de referência à reunião Trump-Putin

Diana Johnstone [*]

Por onde começar a analisar a loucura dos media de referência em reacção à reunião Trump-Putín em Helsínquia? Ao concentrar-se na psicologia individual, a psicologia relegou o problema da insânia em massa, a qual agora subjugou o establishment dos Estados Unidos, seus mass media e a maior parte dos macacos de imitação europeus. Os indivíduos podem ser sãos, mas como uma manada eles estão prontos para saltar o abismo.

Durante os últimos dois anos, um grupo de poder específico tentou explicar a sua perda de poder – ou antes, a sua perda da presidência, pois ele ainda predomina no poder institucional – através da criação de um mito. Os media de referência são conhecidos pelo seu comportamento de manada e, neste caso, editores, comentadores, jornalistas apresentaram uma narrativa em que inicialmente eles próprios dificilmente poderiam acreditar.

Donald Trump terá sido eleito pela Rússia?

À primeira vista, isto é absurdo. Claro, os Estados Unidos podem forjar eleições fraudulentas nas Honduras, ou na Sérvia, ou mesmo na Ucrânia, mas os EUA são demasiado grande e complexo para deixar a escolha da Presidência a uma barragem de mensagens electrónicas totalmente não lidas pela maior parte dos eleitores. Se isto fosse assim, a Rússia não precisaria tentar "minar nossa democracia". Isto significaria que a nossa democracia já estava minada, em cacos, morta. Um cadáver em pé pronto para ser derrubado por um tweet.

Mesmo se, como é alegado sem provas, um exército de bots russos (ainda mais vasto do que os notórios bots do exército israelense) estivesse a assediar os media sociais com as suas calúnias nefastas contra a pobre e inocente Hillary Clinton, isto poderia determinar uma eleição apenas num vácuo, sem outras influências no campo. Mas havia muitas outras coisas a acontecerem nas eleições de 2016, algumas a favor de Trump e outras de Hillary, e a própria Hillary marcou deu próprio objectivo crucial ao denegrir milhões de americanos como “deploráveis” porque eles não se ajustavam na política de identidade dos seus círculos eleitorais.

Os russos nada podiam fazer para dar apoio a Trump e não há nem um indício de prova de que o tenham tentado. Eles poderiam ter feito alguma coisa para prejudicar Hillary, porque havia muito ali: os emails do seu servidor privado; a fundação Clinton; o assassinato de Gaddafi; o pedido de uma zona de exclusão aérea na Síria ... eles não precisavam inventar isto. Estava lá. O mesmo aconteceu com a promiscuidade do Comitê Nacional Democrata (CND), sobre o qual as acusações se concentram clintonitas, talvez para fazer com que todos esqueçam coisas muito piores.

Quando se chega a pensar nisto, o escândalo do CND centrou-se em Debbie Wasserman Schultz, não na própria Hillary. Berrar acerca de "russos a hackearem o CND" tem sido um diversionismo em relação a acusações muito mais séries contra Hillary Clinton. Apoiantes de Bernie Sanders não precisaram de tais revelações para deixarem de gostar de Clinton ou mesmo para descobrir que o CND estava a trabalhar contra Bernie. Isto sempre foi perfeitamente óbvio.

Assim, na pior das hipóteses, "os russos" são acusados de revelarem alguns factos menores referentes à campanha de Hillary Clinton. Grande coisa.

Mas isso é suficiente, depois de dois anos de falsificações, para remeter o establishment para um furor de acusações de "traição" quando Trump faz o que disse que faria quando estava em campanha, tentar normalizar relações com a Rússia.

Este berreiro vem não só do mainstream dos EUA como também das elites europeias as quais durante setenta anos foram domesticadas como caniches ou bassets obedientes do zoo americano, através da pressão intensa de "associações de cooperação" americanas transatlânticas. As ditas elites basearam suas carreiras na ilusão de partilhar o império mundial ao seguir os caprichos dos EUA no Médio Oriente e ao mudar a missão das suas forças armadas da defesa para unidades de intervenção externa da NATO sob o comando dos EUA. Não tendo pensado seriamente acerca das implicações disto durante meio século, elas entram em pânico à sugestão de serem deixadas por conta própria.

A elite ocidental agora sofre de demência auto-infligida.

Donald Trump não é particularmente articulado, navegando através da linguagem com um pequeno vocabulário repetitivo, mas o que ele disse na sua conferência de imprensa em Helsínquia foi honesto e mesmo corajoso. Tal como os cães ladram pelo seu sangue, ele muito correctamente recusou-se a endossar as "descobertas" das agências de inteligência dos EUA, catorze anos depois de as mesmas agências terem "descoberto" que o Iraque estava repleto de armas de destruição em massa. Como é que alguém no mundo poderia esperar qualquer outra coisa?

Mas para os media que se proclamam como referência, "a narrativa" na cimeira de Helsínquia, mesmo a únicanarrativa, foi a reacção de Trump às acusações forjadas de interferência russa em nossa democracia. Você foi ou não foi eleito graças a hackers russos? Tudo o que eles queriam era uma resposta sim ou não. A qual não poderia ser sim. Assim poderiam escrever suas notícias com antecedência.

Qualquer um que tenha frequentado os meios dos jornalistas mainstream, especialmente aqueles que cobrem os "grandes temas" nos assuntos internacionais, está consciente da sua obrigação de conformismo, com poucas excepções. Para conseguir o emprego, ele deve ter "fontes" importantes, o que significa porta-vozes governamentais desejosos de contar o que é "a narrativa", muitas vezes sem serem identificados. Uma vez que eles sabem o que é "a narrativa", estabelece-se a competição: competição no como contá-la. Isso leva a uma escalada da retórica, variações sobre o tema: "O presidente traiu nosso grande país entregando-o ao inimigo russo. Traição!"

Este coro enlouquecido sobre o "hacking russo" impediu mesmo os media mainstream de fazerem a sua tarefa. Até mesmo de mencionar, e muito menos analisar, qualquer das questões reais na cimeira. Para encontrar análises deve-se ir on line, longe das falsas notícias oficiais da reportagem dita independente. Exemplo: o sítio the Moon of Alabama apresenta uma interpretação inteligente da estratégia de Trump, a qual soa infinitamente mais plausível do que "a narrativa". Em suma, Trump está a tentar cortejar a Rússia para afastá-la da China, numa versão invertida da estratégia de Kissinger de quarenta anos atrás de cortejar a China para afastá-la da Rússia, evitando assim uma aliança continental contra os Estados Unidos. Isto pode não funcionar porque os EUA se demonstraram tão inconfiáveis que os cautelosos russos provavelmente não abandonarão sua aliança com a China em troca de sombras. Mas isto faz perfeito sentido como uma explicação da política de Trump, ao contrário dos miar de gatos que temos ouvido de senadores e de apresentadores na CNN.

Tais pessoas parecem não ter ideia do que é diplomacia. Elas não podem conceber acordos que fossem benéficos para ambos os lados. Não, para elas tem de ser um jogo de soma zero, o vencedor fica com tudo. Se eles vencem, nós perdemos e vice-versa.

Elas também não têm ideia do dano para ambos os lados se não concordarem. Elas não têm projecto, nem estratégia. Apenas odeiam Trump.

Ele parece totalmente isolado e todas as manhãs vejo os noticiários para ver se já foi assassinado.

É inimaginável para quaisquer moralistas maniqueus que Putin também estar sob fogo internamente por deixar de repreender o presidente americano pelas violações dos EUA direitos humanos em Guantanamo; ataques de drones assassinos contra cidadãos indefesos por todo o Médio Oriente; pela destruição da Líbia em violação do mandato da ONU, pela interferência nas eleições de incontáveis países por "organizações não governamentais" financiadas pelo governo (a National Endowment of Democracy); pela espionagem electrónica à escala mundial; pelas invasões do Iraque e do Afeganistão, sem mencionar a maior populacional prisional do mundo e os massacres de crianças de escolas. Mas os diplomatas russos sabem como ser polidos.

Ainda assim, se Trump realmente fizer um "acordo", poderá haver perdedores – não os EUA nem a Rússia, mas sim terceiros. Quando duas grandes potências chegam a um acordo, muitas vezes é a expensas de outrem. Os europeus ocidentais temem que sejam eles, mas tais temores são infundados. Tudo o que Putin quer é relações normais com o Ocidente, o que não é pedir muito.

Ao invés disso, o candidato número a pagar o preço são os palestinos, ou mesmo o Irão, de modos marginais. Na conferência de imprensa, indagado acerca de possíveis áreas de cooperação entre as duas potências nucleares, Trump sugeriu que os dois podiam concordar na ajuda a Israel:

"Ambos falamos com Bibi Netanyahu. Eles gostariam de fazer certas coisas em relação à Síria, tendo a ver com a segurança de Israel. Quanto a isso, gostaríamos absolutamente de trabalhar a fim de ajudar Israel. Israel estará a trabalhar connosco. Assim ambos os países trabalhariam em conjunto".

Em termos políticos, Trump sabe onde reside o poder e está contando com a influência do lobby pré Israel, o qual reconhece a derrota na Síria e a crescente influência da Rússia, para salvá-lo dos imperialistas liberais – uma aposta ousada, mas ele não tem muita escolha.

Acerca de outro assunto, Trump disse que "nossos militares" entendem-se melhor com os russos "do que os nossos políticos". Trata-se de outra aposta ousada, sobre o realismo militar que poderia de algum modo neutralizar o lobby no Congresso do complexo militar industrial por cada vez mais armas.

Em suma, a única probabilidade de finalizar a ameaça da guerra nuclear pode depender do apoio a Trump de Israel e do Pentágono!

Os histéricos globalistas neoliberais parecem ter descartado qualquer outra possibilidade – e talvez esta também.

"Diálogo construtivo entre os Estados Unidos e a Rússia adianta a oportunidade de abrir novas vias rumo à paz e à estabilidade no nosso mundo", declarou Trump. "Eu antes assumiria um risco político em busca da paz do que arriscaria a paz em busca da política", acrescentou.

Isso é mais do que os seus inimigos políticos podem reivindicar.

20/Julho/2018

Da mesma autora: 

[*] Autora de Fools' Crusade: Yugoslavia, NATO, and Western Delusions . Seu novo livro é Queen of Chaos: the Misadventures of Hillary Clinton . As memórias do pai de Diana Johnstone, Paul H. Johnstone, From MAD to Madness , foram publicadas pela Clarity Press com comentários seus.   diana.johnstone@wanadoo.fr . 

O original encontra-se em www.globalresearch.ca/... 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

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