sexta-feira, 20 de julho de 2018

Países europeus de olhos abertos à corrupção em Angola


Justiça espanhola indiciou 27 pessoas por venda ilegal de armas à polícia angolana. Para jurista Rui Verde, combate internacional à corrupção em Angola é um "movimento imparável".

Na semana passada, a Justiça espanhola indiciou 27 pessoas envolvidas no "caso Defex" de venda irregular de armas a Angola. O material originário de Espanha, no valor de 152 milhões de euros, terá sido vendido à Polícia Nacional angolana com sobrefaturação. Mais de 40 milhões de euros em comissões de contratos de fornecimento terão sido desviados em 2008.

Em despacho, um juiz espanhol declarou não haver dúvidas quanto à ocorrência de pagamentos ilícitos feitos pela empresa público-privada espanhola Defex a funcionários angolanos. Entre eles, segundo a imprensa, estariam figuras importantes, como o ex-comissário chefe da Polícia, Ambrósio de Lemos, e o antigo embaixador de Angola em Espanha, Armando da Cruz Neto.

Em entrevista à DW África, o jurista português Rui Verde considera que o combate a esquemas ilegais entre o Governo angolano e empresas estrangeiras é um "movimento imparável".

Antes do caso em Espanha, o recente encontro oficial entre o Presidente angolano, João Lourenço, e seu homólogo francês, Emmanuel Macron, em França, foi visto como uma forma de ultrapassar o escândalo Angolagate sobre alegadas vendas de armas ilícitas durante a guerra civil e como um caminho para o estabelecimento de acordos mais transparentes entre os dois países. No Reino Unido, uma agência britânica de combate ao crime anunciou em março a devolução de 500 milhões de dólares ao Banco Nacional de Angola, que teriam sido transferidos ilicitamente.

Para Rui Verde, este recente posicionamento de países europeus deve estimular a redução da corrupção doméstica em Angola.

DW África: Acha que os países europeus estão a abrir os olhos em relação a negócios corruptos em Angola?

Rui Verde (RV): Há uma primeira consciência em vários países relativamente à necessidade de punir os negócios corruptos com Angola. Lembro que já houve em Nova Iorque, a propósito da Odebrecht em 2017, a confissão de que tinha corrompido vários dirigentes importantes em Angola. E, portanto, este é um movimento imparável, que é agregado ao discurso habitual do novo Presidente de Angola, João Lourenço, contra a corrupção. Se é um discurso verdadeiro ou não, nós não sabemos. O que sabemos é que está a ter o chamado efeito Gorbachev. As pessoas estão a acreditar e estão empenhadas efetivamente em combater a corrupção em Angola.

DW África: Esse posicionamento demonstrado por países como Espanha, França e Reino Unido tem um impacto significativo no combate a esquemas de corrupção entre o Governo angolano e empresas estrangeiras?

RV: Por um lado, amedrontam as empresas estrangeiras, que sabem agora que, ao contrário do que era praticado, podem ser punidas se corromperem os angolanos. E, por outro lado, no mínimo, começa a assustar as entidades angolanas que são corrompidas. Lembre-se, por exemplo, na Alemanha. Antigamente, os valores da corrupção que as empresas alemãs faziam em outros países eram deduzidos dos impostos. Portanto, era uma espécie de vantagem. Hoje em dia, é o contrário. É proibido que empresas alemãs corrompam pessoas no estrangeiro. Há esta mudança de mentalidade muito grande também na Europa. Se essa mudança de mentalidade corresponder a uma mudança semelhante em Angola, então aí, digamos, há um efeito-pinça, juntando forças para combater a corrupção.

DW África: Qual seria o impacto na corrupção doméstica em Angola? 

RV: Começa a iluminar uma das partes da corrupção, o chamado corruptor ativo, o que paga. Pelo menos, as empresas ficam com pouca vontade de pagar aos angolanos, porque arriscam ir para a prisão.

DW África: Políticos da oposição angolana desafiam o Ministério Público a levar à Justiça figuras públicas acusadas de envolvimento nesses desvios. A oposição está, assim, a desempenhar um papel-chave?

RV: A oposição angolana tem sido um pouco ambígua. Em relação ao caso da Odebrecht, não houve qualquer investigação da então Procuradoria-Geral da República. Atualmente, é um teste, porque a partir do momento em que o juiz de Espanha declara que há corrupção em Angola, obrigatoriamente, a Procuradoria-Geral angolana devia iniciar uma investigação criminal para saber quem foi corrompido em Angola. Fala-se do comissário da polícia angolana, Ambrósio de Lemos, fala-se do antigo embaixador de Angola em Madrid, mas obrigatoriamente este será o teste à verdadeira vontade angolana de combater a corrupção. Tem de se abrir inquéritos-"gémeos" em Angola relativamente às descobertas nos outros países.

Karina Gomes | Deutsche Welle

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