Justiça espanhola indiciou 27
pessoas por venda ilegal de armas à polícia angolana. Para jurista Rui Verde,
combate internacional à corrupção em Angola é um "movimento
imparável".
Na semana passada, a Justiça
espanhola indiciou 27 pessoas envolvidas no "caso Defex" de
venda irregular de armas a Angola. O material originário de Espanha, no
valor de 152 milhões de euros, terá sido vendido à Polícia Nacional angolana
com sobrefaturação. Mais de 40 milhões de euros em comissões de contratos de
fornecimento terão sido desviados em 2008.
Em despacho, um juiz espanhol
declarou não haver dúvidas quanto à ocorrência de pagamentos ilícitos feitos
pela empresa público-privada espanhola Defex a funcionários angolanos.
Entre eles, segundo a imprensa, estariam figuras importantes, como o
ex-comissário chefe da Polícia, Ambrósio de Lemos, e o antigo embaixador
de Angola em Espanha, Armando da Cruz Neto.
Em entrevista à DW África, o
jurista português Rui Verde considera que o combate a esquemas ilegais entre o
Governo angolano e empresas estrangeiras é um "movimento imparável".
Antes do caso em Espanha, o
recente encontro oficial entre o Presidente angolano, João Lourenço, e seu
homólogo francês, Emmanuel Macron, em França, foi visto como uma forma de ultrapassar
o escândalo Angolagate sobre alegadas vendas de armas ilícitas durante
a guerra civil e como um caminho para o estabelecimento de acordos mais
transparentes entre os dois países. No Reino Unido, uma agência britânica de
combate ao crime anunciou em março a devolução
de 500 milhões de dólares ao Banco Nacional de Angola, que teriam sido
transferidos ilicitamente.
Para Rui Verde, este recente posicionamento
de países europeus deve estimular a redução da corrupção doméstica em Angola.
DW África: Acha que os países
europeus estão a abrir os olhos em relação a negócios corruptos em Angola?
Rui Verde (RV): Há uma
primeira consciência em vários países relativamente à necessidade de punir os
negócios corruptos com Angola. Lembro que já houve em Nova Iorque, a propósito
da Odebrecht em 2017, a confissão de que tinha corrompido vários dirigentes
importantes em Angola. E, portanto, este é um movimento imparável, que é
agregado ao discurso habitual do novo Presidente de Angola, João Lourenço,
contra a corrupção. Se é um discurso verdadeiro ou não, nós não sabemos. O que
sabemos é que está a ter o chamado efeito Gorbachev. As pessoas estão a
acreditar e estão empenhadas efetivamente em combater a corrupção em Angola.
DW África: Esse posicionamento
demonstrado por países como Espanha, França e Reino Unido tem um impacto
significativo no combate a esquemas de corrupção entre o Governo angolano e
empresas estrangeiras?
RV: Por um lado, amedrontam
as empresas estrangeiras, que sabem agora que, ao contrário do que era
praticado, podem ser punidas se corromperem os angolanos. E, por outro lado, no
mínimo, começa a assustar as entidades angolanas que são corrompidas.
Lembre-se, por exemplo, na Alemanha. Antigamente, os valores da corrupção que
as empresas alemãs faziam em outros países eram deduzidos dos impostos.
Portanto, era uma espécie de vantagem. Hoje em dia, é o contrário. É
proibido que empresas alemãs corrompam pessoas no estrangeiro. Há esta mudança
de mentalidade muito grande também na Europa. Se essa mudança de mentalidade
corresponder a uma mudança semelhante em Angola, então aí, digamos, há um
efeito-pinça, juntando forças para combater a corrupção.
DW África: Qual seria o impacto
na corrupção doméstica em Angola?
RV: Começa a iluminar uma
das partes da corrupção, o chamado corruptor ativo, o que paga. Pelo menos, as
empresas ficam com pouca vontade de pagar aos angolanos, porque arriscam ir
para a prisão.
DW África: Políticos da oposição
angolana desafiam o Ministério Público a levar à Justiça figuras públicas
acusadas de envolvimento nesses desvios. A oposição está, assim, a desempenhar
um papel-chave?
RV: A oposição angolana tem
sido um pouco ambígua. Em relação ao caso da Odebrecht, não houve qualquer
investigação da então Procuradoria-Geral da República. Atualmente, é um teste,
porque a partir do momento em que o juiz de Espanha declara que há corrupção em
Angola, obrigatoriamente, a Procuradoria-Geral angolana devia iniciar uma
investigação criminal para saber quem foi corrompido em Angola. Fala-se do
comissário da polícia angolana, Ambrósio de Lemos, fala-se do antigo embaixador
de Angola em Madrid, mas obrigatoriamente este será o teste à verdadeira
vontade angolana de combater a corrupção. Tem de se abrir inquéritos-"gémeos"
em Angola relativamente às descobertas nos outros países.
Karina Gomes | Deutsche Welle
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