Francisco Louçã | Expresso |
opinião
A meticulosa entrevista de segunda-feira do ministro das Finanças espelha uma forma triunfal de preparação
do Orçamento. Se é possível que Centeno tenha lamentado a falta de perguntas
sobre a Europa – afinal, é nas funções de presidente do Eurogrupo que ocupa a
maior parte do seu tempo e a União realizou há poucas semanas uma cimeira que
foi anunciada como o momento refundador do euro mas que se esvaiu em silêncio –
respondeu afoitamente aos temas do Orçamento. Deixando de lado a propaganda (um
“Orçamento para nove milhões e meio de portugueses”, não se compreende a razão
para ignorar os outros), o facto é que o ministro apresentou o seu mapa para a
lei. Há nisso boas notícias e más notícias.
Claro que não era fácil. A
preparação deste Orçamento tem três problema que não são menores: é o último do
mandato e deve acertar os efeitos das promessas todas (as pensões das longas
carreiras contributivas, as 35 horas, a redução do IRS e outras), pelo que se
aconselharia que a preparação tivesse começado com tempo; está sob pressão de
um objetivo ambicioso de défice a rondar 0%; e o desgaste do tempo está a
revelar o efeito acumulado de destruição dos serviços públicos e a exigir
medidas de urgência, que custam dinheiro. Acresce que a luta social é agora
mais intensa, quanto mais não fosse porque os trabalhadores percebem que o
governo pode ser pressionado e têm aliados. Ou seja, espera-se muito deste
Orçamento.
E aí chegam as más notícias.
Centeno, que há meses lançou o tema do não-aumento da função pública, agrava o problema
insistindo agora numa solução para os professores que consistiria em manter as
perdas anteriores, salvo uma pequena compensação já anunciada. A doutrina é
conhecida, deixar a inflação desvalorizar os salários e as carreiras para
acertar os ponteiros do relógio nos salários baixos. A questão é assim menos a
hermenêutica das decisões anteriores, porque toda a gente percebeu que o
governo se decidiu no orçamento anterior por um compromisso ambíguo como forma
de adiar o problema, mas é antes a solução concreta, que deveria ser obtida até
ao início de setembro e que vai passar necessariamente pela intervenção de
António Costa.
O problema é que o aumento dos
funcionários públicos não se pode tornar no alfa e ómega do Orçamento. É um
problema e grave. Mas há outros problemas que foram agigantados pela visão
administrativa que tem predominado e que oculta a ameaça. O melhor exemplo é a
saúde. O governo faz a conta e anuncia mais pessoal especializado, médicos e
enfermeiros, e tem razão, a conta é mesmo verdadeira. A dificuldade é que esses
recrutamentos não chegam, porque está a compensar a catástrofe da troika mais a
falta de especialistas e há um país que precisa e exige sempre mais, e faz bem.
A boa notícia, a bem dizer, é
mesmo que o ministro tenha sentido a necessidade de dar esta entrevista. Na
falta de avanços de uma negociação tão atrasada, que se registe este mapa da
posição do governo deve ser simplesmente entendido como um cartão de visita.
Ora, há uma diferença entre um caderno de encargos e uma lista triunfal de
realizações. Essa diferença é o tempo e a vontade de trabalhar soluções.
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